segunda-feira, fevereiro 28, 2011

MISSÕES, A “MENINA DOS OLHOS” DE DEUS?


A frase soa bonita, a despeito do lugar comum. Mas será verdadeira? (Sou a favor da missão da igreja!) A questão é que, quando “missões” são compartimentadas, a missão da igreja perde o vigor que Jesus imprimiu na Grande Comissão. Isso ocorre, quando o geral é tomado pelo particular e vice versa. O geral, nesse caso, é a igreja (Porque a porção do Senhor é o seu povo... a menina dos olhos; Dt 32.9a-10c) e o particular a missão da igreja. A visão (pós)moderna de missões copiou o critério de um tipo de sociologia e de antropologia que se opõe a Deus para interpretar sua Palavra. Isso, acrescido de zelo virtuoso e de licença poética, mas não fiel ao texto, que, aproveitando-se de um lapso de tradução, enalteceu o “ide” a ponto de idolatrá-lo. (Se alguém, como neste caso, disser o que direi, certamente perderá a comunhão à pecha de incrédulo, e sem direito  a ser assistido pelo ministério missionário!). Em Mt 28.18-20, o Senhor disse: Indo... fazei discípulos... batizai-os... ensinai-os... Assim, tão importante como ir, é a maneira como o missionário vai sob a autoridade do Senhor; e ele vai com o tríplice propósito de fazer seguidores de Cristo, inseri-los na igreja visível e ensiná-los a obedecer a Palavra de Deus. (Ver meu livro: Em terras dos brasis, Brasília, Refúgio, 1999.)

O problema com o modelo hoje apresentado é que ele, geralmente, torna-se paraeclesiástico, mesmo dentro de igrejas (às vezes, em função de má percepção do texto bíblico, outras, como “estratégia” de mercado). Como poderíamos levantar nossos olhos para os horizontes do mundo que Deus descortina para a missão da igreja? Serei honesto no meu coração para mudar, se necessário, tal como desejo que os corações sejam transformados, mundo afora? O que fazer com a liderança que já conquistei nessa área? Como proceder, se já estou no campo? Lembre disto: barco parado não poder ser guiado (...assim que as plantas dos pés dos sacerdotes... pousem nas águas do Jordão, serão elas cortadas; Js 3.13). Nenhum de nós será perfeito, mas Deus corrige nossos rumos – e isso mesmo é que a igreja e o mundo precisam ver. Pelo menos, meu desejo sincero é pensar após os pensamentos de Deus.

A primeira coisa a pensar é: A igreja é a agência missionária de Deus e sua missão é de testemunhar o evangelho daquele que é a cabeça da igreja. Ora, o corpo da igreja só tem duas dimensões, isto é, a igreja invisível, de todos os tempos, e a igreja local (todos os concílios são de igrejas locais reunidas para fins administrativos e de viabilização da obra). Esse corpo, do qual os membros individuais são inseparáveis do conjunto, é que recebeu o mandado missionário. Isso altera a totalidade do modelo; remove do cenário os franco-atiradores. Muitos desses, pensando calçar as sandálias de Paulo, passam ao largo das reuniões conciliares, em Jerusalém, e das muitas reuniões de orações que foram concluídas com separação e envio de missionários (At 13.1-4). Certamente, ocorrerá o pensamento: “Mas é minha igreja que está ‘fazendo’ missões”. É bem verdade que as igrejas estão fazendo um esforço sansônico, gideônico e paulino para honrar a ordem do Senhor. Mas esse esforço é baseado em fé ou em obras? As obras pretendem conquistar números e apresentar bons relatórios (o que é bom, se não for princípio diretivo). A fé deseja cumprir a missão segundo o modelo bíblico e, só assim, obterá os frutos prometidos (Jo 15).

A segunda coisa a pensar, então, é: como será possível cumprir a vontade de Deus, sem cair no modelo que considera uma ou outra parte do corpo como se fosse “a menina dos olhos” de Deus? A resposta a essa questão é exatamente o ponto funcional da Grande Comissão: discípulos são confirmados nas igrejas (At 18.18- esp. 23), batizados nas igrejas (1Co 12.13) e ensinados nas igrejas (Ef 4.11-12). Note que eu não refiro à casa em que a igreja se reúne, mas ao corpo de Cristo em algum lugar. Vem daí, então, que a única maneira de realizar a missão da igreja será por meio do crescimento da igreja local na unidade de Cristo, na obediência à Palavra e na verdade em amor entre os irmãos. Essa é a plataforma da qual o verdadeiro evangelho será ouvido de modo convincente. A expansão, então, se dará, quando, dessa plataforma, vidas coerentes com as palavras do testemunho, apresentarem uma mensagem pura, um compromisso de lealdade ao Senhor quanto à comunhão dos santos, e uma disposição para mudanças de coração e de comportamento. Serão vidas transformadas, respaldando a palavra anunciada. Em um mundo de comunicação, as coisas têm nome a fim de serem reconhecidas. Como poderíamos chamar isso? Transplante de igreja? Multiplicação de igrejas?

A ideia é uma de exibir, por vida e por palavra, o evangelho da solidão de Cristo na cruz do Gólgota e a unidade da Trindade na sua ressurreição. Isso só poderá ser feito por meio do seu poder exercido sobre pessoas que ele chamou à comunhão de sua morte e ao poder da ressurreição. Ninguém, sozinho, exibe unidade, comunhão e amor. Além disso, sem que alguém seja membro do corpo, amadurecido, experimentado no exercício dos dons conferidos à igreja, não poderá testemunhar os frutos que atestam a fé. Tudo o que poderemos fazer, individualmente, será “jurar por Deus” que existe uma igreja que obedece a Cristo. Mas teremos de nos desculpar que não deu para trazê-la porque... havia outras coisas mais importantes para fazer.

Trocando em miúdos, o diferencial da riqueza do modelo de missão da igreja, neste terceiro ponto, está nesse transplante de igreja (não é só rótulo novo, não). A proposta é uma de os missionários não precisarem levantar sustento, mas serem enviados por uma ou mais igrejas ou denominações cuja disposição para cumprir a missão não se limita a dar dinheiro para a “menina dos olhos” mais bonita. A missão da igreja é fazer discípulos, batizar e ensinar – e expansão é parte dessa missão. Logo, a igreja tem a missão de manter missionários que não precisem levantar fundos para a tal menina.

Outra parte da proposta é que, para transplantar igreja, nenhum missionário vá sozinho, portando fotos da congregação assentada nos bancos do lugar de reunião. Hoje em dia, com “fotochope”, todo mundo duvida da prova; é como comprar carro usado por correspondência. Para testemunhar a ação de Deus na igreja, só uma igreja. Assim, poderia ser que duas ou três famílias de dispusessem a se mudar com o missionário para um local determinado, para viver como igreja. Além da mostra nas reuniões desse pequeno grupo, há o valor do testemunho de profissionais, que dará suporte à palavra pregada. Nesse ponto, a questão logo apontada é: “Missionário até que é fácil arranjar, mas profissionais... é outra história. Que história? Que Deus só chama missionários profissionais e não profissionais missionários? Deixe-me ser franco (com educação): aquela coisa de uns contribuem e outros vão só dá certo quando os corações estão empenhados. Dinheiro sem coração é corrupção. E aquela coisa de consagração, visão missionária, ação de Deus? Só na vida de alguns. Eu sei que há gente das mais diversas áreas –saúde, construção, direito, magistério, comércio, serviços e mais – que só não vão por causa da mentalidade individualista e sacerdotalista que grassa a igreja.  Reúna a igreja ou parte dela (presbíteros, diáconos, homens ou mulheres) e aguarde, em jejum e oração, que o Espírito separe os escolhidos. Só mantenha em mente que jejum significa a disposição de depender de Deus e, oração, a disposição de obedecer à vontade dele.

A terceira coisa é a logística. O missionário pastor terá de treinar os profissionais missionários no conhecimento experimental de Deus e da sua Palavra. O tempo que isso leva será o tempo para que a igreja e ou igrejas (as denominações terão de concentrar esforços na igreja local) formem a visão do projeto missionário. Não bastará realizar um curso bíblico, por melhor que seja, mas terá de haver tanto uma aplicação e implementação desses estudos na vida pessoal e familiar, quanto um entendimento do desempenho profissional dentro de uma cosmovisão bíblica. O profissional não ajudará em nada se não discernir seu trabalho como área teológica. Mecânico cristão? Sim. Mas isso não é coisa neutra? É? Leve seu carro no mecânico que arrebentou o meu e veja só; quase que me arrebento. Além da honestidade, da precisão do serviço e da beleza do tratamento, existe toda uma estrutura que suporta as profissões: disposições do trabalho/descanso e recompensa, doutrina bíblica do corpo e da alma, direito bíblico, motivo econômico financeiro, forma e criatividade, conceito e prática da educação, funções operações domésticas (posso parar?).

A quarta coisa é o alvo missionário. Nos meus dias de neófito, missões indígenas estavam na crista da onda. Depois, vieram as vagas das portas abertas para além das cortinas de ferro, de bambu, da resistência do povo da Bíblia (que foi a minha praia); então, do primeiro mundo (porque o Brasil já podia exportar). Fechadas as portas por causa do marasmo dos contribuintes, veio a janela aberta para os maremotos dos mais difíceis e dos não alcançados. Tudo de conformidade com o poder de Deus que nos usa, mas que não depende de nós e realiza a obra a despeito de nós. Agora, chegamos a um ponto mais abrangente. Muitos perceberam que plantar igreja dá mais resultado do que eucalipto em proximidade de fábrica de papel. O problema é que uma igreja de papel, sujeita às oscilações do mercado, não tem a fibra necessária para ser leal ao Senhor da igreja. A proposta é: permanecer sensível diante de Deus para o que ele considera ser o campo alvo; permanecer em oração, sensível à orientação do Espírito para o lugar e a época adequados; obter conhecimento do lugar e de pessoas onde e com quem serão formados os laços de afeto que propiciam, pela ação do Espírito, a pregação e a recepção do evangelho de Jesus.

Quem faz essas coisas? O missionário (e presta relatório)? O grupo a ser enviado (e volta para entusiasmar a igreja)? A liderança (e volta para determinar a ação)? Sim, mas leva a igreja toda. Não digo todos todos, mas aqueles a quem o Espírito puser no coração o desejo espiritual de se envolverem na obra. Aí, sim, é hora de lançar mão do arado e só olhar para trás quando parar um pouco, só para ver quem vem vindo. Isso é necessário, pois a igreja deverá fazer daquele campo um lugar de férias ou projetos de trabalho (enquanto descansa, carrega pedra). Haverá muito para ser feito, de visitação e labuta no pesado, até lazer, ouvindo e contando “causos” regados a moda de viola ou Vila Lobos.

Finalmente, a nova igreja tem de dar o testemunho de adoção da terra e povo que pretende abençoar com o evangelho. Senão, quem irá acreditar que Jesus Cristo é o Verbo que habitou entre nós. Outro dia, conversando com Davi (Charles Gomes, meu filho), fiquei mais crente e comecei a sonhar com lugares que poderiam ser transformados no contacto com crentes operosos. Lembrei de uns moços (ei! agora, vocês são velhos) que resolveram se preparar para servir a Deus dessa maneira. Eram de três áreas profissionais planejadas para facilitar o testemunho que dariam. Dez anos depois, ainda os encontrei em Santa Catarina, concluindo mestrado e doutorado, firmes no propósito inicial. Em Boston (nos “estadunidos”), junto com o projeto da Igreja New Life, Davi e eu participamos de outro projeto chamado Boston Venture, de cooperativas baseadas na igreja. Hoje, estamos pelejando com a Igreja Presbiteriana Paulistana, junto com os santos Heber e Alderi (com todo respeito, doutores) e um grupo de profissionais, multiplicando uma igreja. Virá o dia em que teremos nosso centro de recursos para a igreja e a comunidade, fornecendo aconselhamento bíblico para áreas como do homem interior (não é só problemas não), saúde, direito e daí em diante. Bem que você poderia pensar em uma cidade no ineriorzão ou na África ou no fim do mundo... (só não que eu mesmo não posso ir, porque estamos fazendo uma obra de peso, aqui!).

Wadislau Martins Gomes

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