segunda-feira, maio 12, 2014

A FILHA DO REI E O SERVO SOFREDOR


"Filha" - disse Aslam - "contolhe a sua história, não a dela. Não conto a alguém senão a sua própria história"
 
Meu Pai é juiz e governador
dos reinos do mundo é supremo Senhor!
O seu magno império é mais vasto que o mar,
Meu Pai é um Rei, seu poder é sem par.
                Eu sou filha de um Rei
                Sou filha do Rei,
                Herdeira com Cristo, sim sou filha do Rei!

Cantávamos em harmonioso trio: mãe Carolyn, e filhas Kathryn e Elizabeth. Acho que era um dos hinos mais “assinatura” de nosso repertório. Tinha prazer em minha identidade real. Não era questão de genética nem de genealogia, que minha avó dizia ser traçada até o rei Ricardo, Coração de Leão (hoje minha irmã retificou a pesquisa de origens até o rei plantagenete Geoffrey), mas acredito que de desconhecido sangue azul ou origem chula todo nós temos um pouco. Considero muito mais importante que Deus tenha nos tornado seus filhos por adoção, escolhidos desde antes da fundação do mundo para sermos seu povo de propriedade exclusiva – e essa identidade não é porque merecemos, mas pela identidade do Deus que é, era e há de ser Senhor. Anos mais tarde, publiquei um artigo testemunhando a “Filha do Rei” na revista Evangelizing Today’s Child, da Child Evangelism Fellowship USA. Sempre considerei missões, evangelismo e educação cristã como imprescindíveis e inseparáveis para quem toma o nome de cristão, desde os pequeninos até os de “mais velha idade”.

Hoje, fico pensando na tensão entre o conceito do tesouro que é nossa filiação ao Rei Eterno, experimentamos ao ser herdeiros com Cristo (Rm 8.17; Hb 6. 17; Tg 2.5; 1Pd 3.7) e em Cristo:

De tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra (...) em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade (...) com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que primeiro esperamos em Cristo (...) em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa (...) o penhor da nossa herança, para redenção da possessão adquirida, para louvor da sua glória (Ef 1.10-14).

– enquanto, ao mesmo tempo, o Rei dos Reis, nossa razão de ser filhos e herdeiros, ter se esvaziado de toda sua glória celestial (Fp 2.7) para vir a um mundo que o crucificou e o rejeitou:

Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores, e experimentado nos trabalhos; e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum. Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados (Is 53.3-5).

Lembro-me, novinha ainda, de pessoas que se gabavam de suas orígens como se isso as tornasse melhores e merecedoras de serem paparicação e de serviço. A figura do Servo Sofredor não parece nada com as caricaturas de príncipes e princesinhas que o evangelho barato quer apresentar como nossa herança! Sim, somos filhos e filhas da promessa, filhos do Rei Eterno, e temos valor infinito – não por nosso próprio mérito, mas porque ele é Criador soberano, Redentor perfeito, Restaurador de sua imagem em nós, e nele “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Cl 2.3). Não somos filhos do Rei para andar com carro do último tipo, refestelados de jóias caras e roupas de grife. Nada há de errado em ter bens e posses adquiridos honestamente pelo trabalho de nossas mãos, mas é muito errado fazer ídolos de quaisquer desses valores terrenos, porque disse Jesus: “Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam... porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Mt 6.19-21). Se somos filhos do Rei, temos um tesouro, somos um tesouro – “em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós” (2Co 4.7). Fico estarrecida com a inversão de valores que tantos irmãos fazem, achando que nós é que somos grande coisa, nós é que temos méritos, e nós temos de ordenar (até mesmo decretar a Deus o que queremos assumir!), sermos servidos e recebidos com honra porque nos achamos “grande coisa”. Cadê o entendimento como o do cântico: “de Jesus Cristo eu nada mereço, mas ele morreu foi por mim (...) Eu não mereço, mas ele comprou-me... seu sangue lavou-me” Nosso Senhor Jesus Cristo (...) morreu por nós, para que, quer vigiemos, quer durmamos, vivamos juntamente com ele” (1Ts 5.10;1Pe 3.18). E não estou apontando o dedo! O pior é que eu mesmo já incorri nesse erro de achar que autoafirmação, autocentrismo, podederia, às vezes, ser um comportamento aceitável para uma pessoa autenticamente cristã! Nossa tendência egoísta é sempre endeusar a nós mesmos – o Novo Testamento tem de repetir diversas vezes a advertência “Fugi da idolatria”, porque a princesinha que quer levantar a cabeça ainda que redimida – não morreu!

Em vez da coroa de glória e do cetro de sua soberania, constato que sua coroa na terra foi confeccionada de espinhos (Mt 27.29), coroa que marcou com sangue a sua fronte. O autor de Hebreus lembra que Jesus foi “coroado de glória e de honra (...) por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos” ( Hb 2.9). Quando vier o Supremo Pastor, Deus promete que nós também “alcançareis a incorruptível coroa da glória” (1Pe 5.4). Olho para o futuro glorioso do povo que Deus redimiu para si e adotou como filhos, e com João o apóstolo, olhamos “eis assentado sobre a nuvem um semelhante ao Filho do homem, que tinha sobre a sua cabeça uma coroa de ouro, e na sua mão uma foice aguda” (Ap 14.14). Paro para pensar, e regozijo-me na coroa – quero me esquecer da foice de ceifa que ele tem na mão! Mas todas as referências à glória do Rei Jesus, bem como da nossa identificação como seus filhos, estão ligados ao seu supremo sofrimento! A promessa é que em meio a essa identificação com o Servo Sofredor, “O Deus de toda a graça, que em Cristo Jesus vos chamou à sua eterna glória, depois de haverdes padecido um pouco, ele mesmo vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fortalecerá. A ele seja a glória e o poderio para todo o sempre. Amém” (1Pe 5.10-11).

Sou Filha do Rei?

E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo: se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados. Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada. Porque a ardente expectação da criatura espera a manifestação dos filhos de Deus. Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Romanos 8.17-20).

Elizabeth Gomes