segunda-feira, maio 02, 2016

CIDADANIA E JUSTIÇA EM VERDADE E GRAÇA


Quando eu estava visitando os Estados Unidos, pessoas me diziam: Até que você fala bem o inglês, para uma brasileira. No Brasil, apesar de eu ter vivido aqui desde os quatro meses de idade, tendo passado apenas três intervalos em que morei na America do Norte, diziam: Para uma americana, até que fala bem o português. Menciono a referência à língua porque a fala é a primeira indicação de origem e identificação do ser humano. Mesmo quem perdeu a capacidade de emitir sons tem uma linguagem em que se comunica, e essa linguagem “fala” ao seu semelhante.
Olho para as notícias políticas de meu país de origem e dá para desanimar. Supostamente, os favoritos são Donald Trump para os Republicanos e Hillary Clinton para os Democratas. O primeiro, com aparente grosseria para quem pensa diferente dele e uma vida regida e enriquecida, além dos grandes negócios imobiliários, pelas propriedades de jogatina e strip joints, não me parece oferecer base sólida para presidir uma nação. Hillary Clinton, por sua vez, pretende fortalecer sua agenda liberal pró-aborto e anti cristã do modo como sempre fez mesmo quando eminência parda do governo de seu marido Bill. Se tivesse de votar nos Estados Unidos, não sei o que faria.
“Aqui na terra tão jogando futebol, um dia chove outro dia nasce o sol...” e apesar da decisão do congresso favorável ao impedimento da presidenta que veio a simbolizar tudo que está errado no Brasil, na verdade não temos motivo de júbilo—a luta para a moralização na política apenas começou. Ficamos ambiguamente felizes com a atribuição de muitos agradecimentos a Deus, porque realmente ele é digno de toda honra, louvor e gratidão, mas, como gatos escaldados, questionamos a autenticidade cristã de muitos que falam em nome de Deus e têm em sua gestão política, “rabo preso”.  Ficamos agradecidos quando algumas vozes solitárias, como a da jurista Janaina Paschoal, se levantam no senado para falar do que realmente trata a situação atual de caos político. Temos de orar por nossa pátria, viver com disposição teorreferente e ações humanitárias despidas do humanismo agnóstico e revestidas de armadura bíblica para a batalha espiritual que já está sendo travada nos lugares celestiais como também em nosso planeta azul.
Não posso concordar com pessoas que se dizem irmãs em Cristo e preferem aliar-se a posturas marxistas do que com quem acredita e deseja viver conforme a Palavra de Deus. Por outro lado, não posso concordar com os saudosistas tolos que dizem ser solução a tomada militar. A injustiça e maldade humana, seja qual for o lado em que se posta, continua sendo injustiça.
Eu, que amo e me identifico com duas nações soberanas que exibem bênçãos e problemas diferentes uma da outra, tenho de voltar a identificar-me com outra terra cujo solo ainda não pisei: sou cidadã de um Reino invisível que engloba pessoas de todos os povos e reinos da terra.
Sou forasteiro aqui,
em terra estranha estou,
 celeste pátria, sim, é para onde vou,
embaixador por Deus do Reino lá dos céus,
Venho em serviço do meu Rei.
Porém, não posso me omitir ou ser irrealista com respeito ao lugar em que Deus me inseriu no tempo de hoje, agora, presente, atual. Um embaixador representa seu país e procura obter reconciliação de qualquer inimizade que haja entre seu país de origem e a terra em que vive. Não vendendo-se ao país em que está locado, mas buscando regeneração e reconciliação dos inimigos com o Deus Eterno a quem todos servem, de uma ou outra maneira.
Não podemos ser beligerantes que engulamos os erros e as mazelas da terra em que estamos—mas lutamos para que a pátria em que vivemos, criamos nossos filhos e construímos nosso lar, conheça o Rei e se reconcilie com ele, seja redimido e liberto. Essa libertação não é política: Jesus diz que conheceremos a Verdade e a verdade nos libertará. A servidão que vivemos ao Reino Eterno não nos escraviza, mas nos dá identidade: somos filhos do Rei dos Reis, herdeiros com Cristo de todas as bênçãos celestiais.
Aqui na terra, ele nos dá bênçãos terrenas: casa, algum conforto—mas estas não nos pertencem: usamos os bens que temos para engrandecimento e a gloria do reino que representamos. Temos de segurar com coração e mãos abertos, porque estes não nos pertencem.
Outras vezes, temos o privilégio de sofrer cadeias, perseguição e escassez.  Na verdade, eu nunca sofri cadeias e perseguição, exceto a insignificante “perseguição” que todos que desejam seguir a Cristo sofrem pelo seu semelhante descrente. Mas estou atenta ao mundo todo, e conheço irmãos que hoje sofrem horrores pelo simples fato de se identificarem como cristãos.  Cristãos na Síria e no Iraque, no Sudão e no Paquistão, na Arábia Saudita e Afeganistão e em muitos lugares que não imaginamos, sofrem. Crentes em Cristo aqui no Brasil, em favelas bem como grandes casas tradicionais, sofrem mazelas e abusos, alguns visíveis, outros invisíveis e ignorados. Paulo o apóstolo dizia que “será Cristo engrandecido no meu corpo, quer pela vida, quer pela morte. Porquanto, para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro (Fp 1.20-21). Mas é duro para uma pessoa do século XXI ter tal fibra diante do sofrimento... talvez porque não tenhamos visão do que realmente importa.
Ontem uma irmã de nossa igreja que trabalha com refugiados trouxe à IPP alguns novos amigos: uma família muçulmana, jovens da Síria e de Angola—e eles ouviram o evangelho. A pregação foi dirigida especialmente a nós crentes em Cristo, falando sobre a mente de Cristo versus a sabedoria do mundo. Mas tocou a todos nós: sábios e estultos, que abraçamos a loucura deste mundo tenebroso ou procuramos a sabedoria de Jesus Cristo—porque fato é que somos tendentes a fazer ambas as coisas ao mesmo tempo, do mesmo modo que temos a ambiguidade de sermos embaixadores de outro país com a tendência de adotar atitudes e ações do país em que vivemos, ao qual deveríamos ministrar. Espero que os muçulmanos que perderam seus pais e seu país (outrora lindo, e de onde veio Paulo) tenham sido tocados pelo amor de Cristo e voltem e se tornem parte da família de Deus. Fiquei tomada pela advertência:
Ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso: seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, sejam as coisas presentes, sejam as futuras, tudo é vosso, e vos, de Cristo, e Cristo, de Deus (1Co 3.21-23).
Nada tendo, mas possuindo tudo, aprendamos a viver contentes em toda e qualquer situação (Fp 4.11-13). Não somos anarquistas nem monarquistas, não brigamos pela “democracia” demagógica nem pela república federativa que amamos, mas para servir, espelhar e espalhar o amor de Cristo a todos quantos estão próximos ou longe de nós. Para isso temos de ser sábios e leais. Como ter a mente de Cristo? Tem de habitar ricamente em nós a Palavra de Cristo:
Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai (Cl 3.16-17).
Interessante que este mesmo trecho de Colossenses, sobre como ter a mente de Cristo, aplica os conceitos de nossa pátria de origem e residência final aos trâmites da justiça e da injustiça da terra em que vivemos aqui e agora:
Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens, cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo; pois aquele que faz injustiça receberá em troco a injustiça feita; e nisto não há acepção de pessoas. Cl 3.23-25).

--Elizabeth Gomes