quinta-feira, setembro 01, 2011

ACONSELHAMENTO E PSICOLOGIA EM PERSPECTIVA


QUEM VENCERIA EM UMA LUTA ENTRE
O SUPER-HOMEM E O SUPERMOUSE?

O universo das discussões sobre o sistema da fé cristã frente aos sistemas seculares está povoado de super-heróis fantásticos. Nos quadrinhos estáticos, eles adquirem movimento aos olhos do leitor com maior poder do que o daqueles ressuscitados no cinema 3D. Parecem reais! Parecem vivos! Até mesmo, depois de cerradas as capas, as imagens permanecem na mente como a impressão da luz que resta nas retinas. O mundo real e o mundo virtual se confundem de tal forma que, acordados, ainda sonhamos novelas.

Duas dessas personagens são o superaconselhamento e a superpsicologia. A história de como esses nomes comuns adquiriram condição de nomes próprios é a mesma dos rótulos comerciais: gilete virou lâmina de barbear e xerox virou cópia. Com efeito, aconselhamento fora do gibi é a ação de ajuda que se presta em diversas áreas da interação humana. Advogado é conselheiro legal, médico pode ser conselheiro da área de saúde. Psicologia fora do gibi é conhecimento do ser interior e seus relacionamentos externos. No caso da ajuda a pessoas para solução de problemas internos e externos, o conselheiro se utiliza de conhecimentos relacionados à antropologia, à sociologia e à psicologia. Assim, aconselhamento e psicologia não são termos sinônimos nem mutuamente excludentes.

Especialmente, quando definidas como aconselhamento cristão ou aconselhamento psicológico, essas expressões não podem ser tomadas como equivalentes, quer em justaposição quer em oposição. Certamente, há muito aconselhamento cristão que não é cristão em função de não ser baseado em uma correta interpretação da Bíblia; e há aconselhamento psicológico que não é psicológico por que parte de um entendimento incorreto da origem e da natureza humana.

Uma maneira de ilustrar isso é por meio da pergunta: entre um livro de psicologia e a Bíblia, qual deles você escolhe como tendo maior autoridade? O psicólogo não cristão, coerentemente, diria: o livro de psicologia, é claro! O cristão comum, especialmente se o interlocutor fosse crente, responderia: Claro que é a Bíblia! No entanto, qualquer escolha estaria errada. A revelação bíblica e qualquer outra revelação não são para serem comparadas por que pertencem a diferentes categorias. A Bíblia não é um modelo de escola de psicologia, sociologia ou antropologia. Ela é o livro da sabedoria divina, eterna, dada aos homens para interpretação da realidade temporal. Ela descreve a pessoa e suas relações com Deus e, com base nesse conhecimento, possibilita às pessoas o conhecimento próprio, das outras pessoas e do mundo.

Desse modo, a revelação de Deus na Escritura fornece os elementos necessários para a interpretação da natureza, isto é, do seu propósito e da sua condição. Trocando em miúdos, a Bíblia, além de revelar o caráter de Deus e sua graça salvadora em Jesus Cristo, serve também para interpretar todas as coisas que ele igualmente nos deu, a criação e a criatura. Quanto a isso, não se deixe enganar. Há somente dois tipos de interpretação do mundo e do ser humano: a visão do regenerado e a do não regenerado. O que passar disso é história de super-homens e de supermouses.

Na vida real, os que são chamados e amam ao Senhor não se reconhecem diferentes dos demais irmãos de carne e sangue. Todos vivemos no mesmo mundo e nos alegramos e sofremos com as mesmas coisas. A diferença é que uns creem que Deus é o Criador e Salvador e colocam-no como ponto referencial de toda a existência, e, outros, tomam como referência o “fato” virtual que Deus não existe. A psicologia bíblica diz que a personalidade humana tem existência em Deus – o EU SOU define quem eu sou. A psicologia sem Deus diz que o que eu sou define a existência.

Isso gera a questão: quem é que ganha em uma briga entre a psicologia bíblica e a psicologia secular? Claro que a pergunta vem em diferentes balões, na boca do super-aconselhamento ou da super-psicologia: “Como é que fica?” “Jogo fora a psicologia que aprendi?” “Jogo fora a Bíblia?” “Divido meio a meio; ‘seis dias psicologizarás e no sétimo aconselharás’?” Quer mesmo saber? Então, leia de novo tudo isso, acima, e responda: Teoria da evolução ou revelação da tese da criação? Verdade relativa ou absoluta? A nova liberdade moral segundo o curso deste mundo ou a liberdade moral do conhecimento e comunhão com Deus? Visão do homem segundo a carne ou segundo o Espírito? Super-homem vs. supermouse ou conhecimento revelado de Deus em bondade para o homem vs. observações humanas desprovidas da luz de Deus?

Deus é luz que ilumina a todo homem. Alguns recusam se aproximar da luz e refletem no mundo as suas próprias trevas. Nós, no entanto, que não somos luz, mas fomos chamados das trevas para a luz, deveríamos refletir a glória de Deus – aquele que criou o mundo por meio da sua palavra, dizendo “haja luz”, e que brilhou em nossos corações para “iluminação do conhecimento de Deus na face de Cristo” (cf. 2Co 4.6). Todos recebemos a luz da graça de Deus, que cai sobre crentes e não crentes, tal como a luz do sol; mas os que amam a Deus, recebem a luz da graça salvadora que os habilita a romper a obscuridade do coração humano. Deus mesmo criou o gênio humano que observa o homem e o mundo, e que, assim, não pode fugir ao fulgor de sua glória. Psicólogos incrédulos não puderam evitar a constatação de aspectos da glória divina plasmada no ser humano. Cada gênio da psicologia viu algo da luz de Deus refletida no homem. Mas nenhum deles pode ver, de seu ponto de vista, a totalidade do homem em referência a Deus. O conselheiro cristão, sim, tem o testemunho interno do Espírito Santo e a instrumentação da Escritura que o próprio Espírito aviva, podendo avaliar as observações seculares à luz da revelação divina, como está escrito: “julgai todas as coisas, retende o que é bom” (1Ts 5.21).

A forma de julgar as coisas, para ser coerente, não será por meio de juízo privado, pois nenhuma revelação vem de humano saber, mas vem do alto e deve ser observada segundo a reta justiça – “Observai os meus estatutos, guardai os meus juízos e cumpri-os; assim, habitareis seguros na terra” (Lv 25.18). A Bíblia fornece instrumentos para esse tipo de discernimento. A doutrina bíblica, que é uma coleção de instrumentos de sabedoria, compõe um sistema teológico (conhecimento de Deus) para avaliação da psicologia. A Palavra de Deus descreve uma antropologia, uma sociologia (tanto da humanidade quanto da igreja), e uma psicologia (homem interior/exterior). Assim, para não cair na historia em quadrinhos, não poderemos pinçar observações humanas, pretendendo que uma coisa na psicologia seja a mesma coisa na Bíblia, nem fazer uma salada de psicologia com molho de teologia. Será preciso sabedoria divina para, bem enxertado na Videira, que é Cristo, desconstruir o sistema da carne, do mundo e do diabo, e, então, frutificar para a vida eterna.

De nada adiantará fazer uma faculdade de psicologia e ser formado em teologia de quintal. Ler o livro maçudo da psicologia e o gibi teológico – de nada adiantará todo o conhecimento teológico com superficialidade psicológica. Esse tipo de preparo implica em duplicidade ética, isto é, em tentar servir a Deus e aos senhores deste mundo. Se o conselheiro, psicólogo ou pastor, quiser ser efetivo, deverá ser versado no conhecimento de Deus segundo sua Palavra e, à sua luz, formular um modelo que espelhe a glória de Deus em todo o esplendor da sua graça, em salvação e em juízo. Só assim o conselheiro cristão deixará de se sentir como um superrato em guerra contra um super-homem.

Wadislau Martins Gomes