quinta-feira, fevereiro 07, 2013

ONDE VOCÊ MORA?


Postei uma foto da nossa casa e uma pessoa que já nos visitou diversas vezes comentou: “Que lindo! Onde fica?” Realmente, a perspectiva era a de uma daquelas fotos incríveis do internacional Partage d’Images ou outra fonte, dessas que a gente não consegue deixar de “curtir”. De fato, uma foto caseira tirada por um hóspede, Felipe Sabino, numa manhã ensolarada, quando ele ia pelo caminho de pedras, às vezes escorregadias, que liga a casa ao escritório, cem metros pra lá. Havíamos posto na capa do “facebook” outra foto do mesmo local, tirada alguns meses atrás, quando as bougainvillas em flor coloriam o cenário. Nossa casa nada tem de extraordinária: pequena, avarandada, dois quartos, uma sala de jantar, de estar e cozinha conjugadas, dois banheiros e um closet. Modesta, simples, fácil de cuidar – própria para um casal de pastor e esposa prá lá dos sessenta que compartilha desde a juventude o gosto por estudar, escrever e ensinar.


Lembrei da pergunta de uma criança de três anos: Onde cê mora? – e da dos discípulos de João, quando conheceram e seguiram a Jesus depois de ele ser identificado como Cordeiro de Deus: Onde assistes? (Onde residesJo 1.38?). Estes, que se tornaram seus discípulos, constataram onde Jesus morava, apesar de ele ter afirmado que As raposas têm seus covis, e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça (Mt 8.20; Lc 9.58).

E eu, que sempre sonhei com uma casa no campo e que havia morado em vinte e três casas diferentes antes de me casar, aos dezoito anos (isso já faz um bom tempo...), e mais algumas sem conta nos anos de estudo, ministério/trabalho em Belo Horizonte, São Paulo, Jaú, Bocaina, Brasília, Estados Unidos,  em Brasília novamente, primeiro num apartamento e, depois, numa chácara, antes de mudar para o sítio em Mogi das Cruzes...


A propósito, quando estudantes (Wadislau e os três filhos) nos Estados Unidos, sem condições de pagar aluguel de um apartamento, Deus nos colocou numa mansão incrível nos subúrbios de Filadélfia, num parque com faisão dourado cantando debaixo de nossa janela e gansos canadenses no lago no coração do jardim, 


Hoje, moramos onde cantam sabiás, joão-de-barros, pintassilgos, e onde tucanos bicudos e escuros jacus de papo vermelho enfeitam e bicam as primícias das goiabas e jaboticabas, e pica-paus martelam o vidro do escritório exatamente quando nos pomos a trabalhar ao computador. Certa vez, um beijaflor se aproximou de mim, deixando o simples e costumeiro tufo de dálias monocromáticas para averiguar a minha blusa de estampas multifloridas. É certo que tenho de cuidar onde piso, pois a natureza traz surpresas e nem todas são agradáveis ao olfato: cachorros e sapos têm a digestão profusa e biologicamente sadia. Mas não me importo com o cocozinho dos passarinhos que entram em casa para ciscar possíveis migalhas no chão se ainda não varri. Aliás, onde eu moro moram outros habitantes de tamanho mais humildes: formigas pequeninas, aranhas enormes (às vezes do tamanho de formigas!), de vez em quando uma fera maior que vem beber água no lago. Tem uma lagartixa que compartilha meu escritório e dá sua cara pelo menos uma vez por dia no canto entre a Fides Reformata, os dicionários e a cortina.


Tenho de admitir que minha casa não é um exemplo de limpeza – não passaria jamais o teste da luva branca, pois poeira é profusa, não só de pó de terra, como também de pólen e pó de serra, e às vezes, cinzas das queimadas de vizinhos incautos. Já tivemos de correr e pular fininho para proteger nosso lar da insensatez de quem ainda acha que o jeito mais fácil de carpir é botar fogo na mata! Nosso lar é tudo que sonhamos, mas dá trabalho! Descobri que não sou hábil em fazer faxina, lavar e passar, em organizar e arrumar casa ou arredores – carpir, arcar-me ao chão para plantar – só consigo por meia hora antes que as costas gritem por socorro. Colher já é mais fácil. Falo de boca cheia: colhi esse feijão verde uma hora atrás; aquela abóbora tava pedindo para vir pro cozido; essa jaboticaba não era geléia há duas horas: tava salpicando os pés de fruta. A castanha portuguesa custa mais de vinte reais o quilo no mercado – a de nosso pomar custa enfrentar os espinhos para colher essa fartura – como foram as cerejas e os pêssegos (e sem espinhos!) no natal passado.


Onde moramos? No lugar que Deus nos colocou, onde ainda não conseguimos construir tudo, reformar ou pintar a gosto, onde “não deu tempo” para fazer tudo o que queremos.. Onde estamos? Numa casa no campo, com bons livros para ler, nosso amor a se renovar, bons amigos para nos visitar, música ao fundo quando não conseguimos mais soltar a voz, mente prenhe de idéias das quais não conseguimos concatenar quanto mais escrever nem uma fração, rede a balangar, prosa boa, horas de gratidão e boa indagação com Deus.


O mais importante numa casa não é o quanto ela é bem projetada, bem decorada, bem visitada – é quem mora nela. Lau e eu temos inúmeros defeitos de fabricação e de percurso (não pela “fabricação” que Deus fez de maneira assombrosamente maravilhosa, mas por sermos gente: decaída, confusa, comum). Temos memória falha, mas Deus traz à memória aquilo que nos traz esperança: Grande é sua fidelidade (Lm 3.23). Temos como vizinhos mais próximos filhos, noras e netos.


Compartilhamos com o apóstolo Paulo uma meta: “esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp. 3. 13,14). Num sentido, continuamos ainda de mudança contínua. Conhecendo e prosseguindo em conhecer Jesus. Em outro, permanecemos seguros na habitação que Deus nos deu – não apenas a casa no campo, mas a presença de quem mora conosco. Pois ele, Jesus Cristo, Senhor da Vida, veio habitar entre nós. Nós habitamos nele (Sl 91.1) e ele habitará para sempre conosco, seu povo (Ap 21.3).


E você, onde mora? Espero que sua casa, apartamento, mansão, kichenete, choupana, taba ou rancho seja daquelas cujos habitantes dão ouvidos ao Senhor e, portanto, habitam seguros (Pv 1.33: Mas o que me der ouvidos habitará seguro, tranqüilo e sem temor do mal). Em gratidão, teremos sempre habitação com quem habita ricamente em nós – e provar as belezas da sua morada!


 Elizabeth Gomes