sexta-feira, agosto 23, 2013

PREGUIÇA, ATIVISMO VAZIO, OU TRABALHO DINÂMICO DE FRUTOS ETERNOS


 
Quando os filhos eram pequenos e no culto doméstico estudávamos o livro de Provérbios, Wadislau sugeriu que fizéssemos um concurso de corinhos para ajudar a gravar algum conceito importante. Um corinho criado foi baseado em Provérbios 6.6-11 e muitas vezes depois, cantávamos em ronda: “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, considera os seus caminhos e sê sábio!” Para uma turminha que tinha de levantar cedo e preparar café da manhã, cuidar de animais ou horta, ou caminhar um bom trecho antes de pegar a condução para a escola em madrugadas quando chegava a gear, a lembrança podia impulsionar, animar ou irritar – às vezes, simultaneamente. Pai, mãe e três filhos não tinham como “comer o pão da preguiça” (Pv 31.27), e aqueles que se encontravam conosco entravam no mesmo ritmo com maior ou menor empenho.

Hoje em dia, confesso que me irrito quanto vejo gente que diz servir a Deus, mas demonstra preguiça básica na obra. Lembro do rapaz que disse que queria ser pastor porque “tem respeito, ganha bem, e só prega aos domingos e no culto de quarta-feira”. Qualquer pastor que conheço certamente contestará esse conceito equivocado, mas ainda se encontram muitos que se esqueceram totalmente do hino “Mãos ao trabalho jovens”, e preferem achar um jeito de mandar outros fazer o que tem de ser feito. Não apenas pastores – muitas pessoas que professam ser cristãs vindas de todas as áreas da vida insistem mais em seu “direito” de descanso sem que tenham trabalhado, do que desempenhar um trabalho digno que reflita a ética protestante do trabalho.

Ética protestante do trabalho—o que é isso?!  Nossa visão ética do trabalho não começou com a Reforma protestante, ainda que tenha sido desenvolvido na produtiva Genebra de Calvino bem como no castelo de intensa atividade laboral que foi Wartenburgo de Lutero. Jesus, que mandou que observássemos os lírios do campo e as aves do céu para não andarmos ansiosos pelo que haveríamos de comer ou vestir (Mt 6.28), também disse aos judeus que o criticaram por curar no sábado que “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). A Lei de Deus previa e ordenava o trabalho por seis dias da semana, e incluía o descanso semanal como parte integrante da vida de todo trabalhador, desde o maior até o mais modesto (Ex 20.9 e muitas outras referências).

Hoje em dia muitos cristãos que dizem pautar a vida pela Palavra de Deus estão mais preocupados com férias, dias de folga e descanso remunerado do que com a dignidade de fazer um trabalho bem feito—quer como sapateiro quer como cirurgião de cérebro! Reclamam das longas horas de trabalho sem se lembrar de agradecer o privilégio de ter um emprego em que podem trabalhar e gozar de seus frutos no fim de cada mês. Vivem sonhando com o dia da aposentadoria quando poderão ficar de papo pro ar—ainda que outros queiram desenvolver novo trabalho, uma segunda carreira, renovada fonte de renda ou de deleite pessoal.

Um blog não é lugar para longos discursos sobre filosofia ou pragmática do trabalho. Atualmente estou traduzindo um livro sobre estar demasiadamente ocupado para fazer o que realmente é importante, e me vejo constantemente advertida pelo Senhor quanto a minha motivação em questões de trabalho, descanso, ativismo constante ou produtividade contida. Quando ficamos com cabelos brancos não podemos deixar de observar que não é mais possível manter o mesmo ritmo de atividades que antigamente. Assim, quero apenas destacar algumas dicas que vão além de qualquer idade ou atividade que tenhamos.

Quanto à preguiça, ela é sempre nociva e contrária à noção de descanso em Deus. A preguiça faz cair em profundo sono, e o ocioso vem a padecer fome, diz Provérbios (19.15). Deus descansou de sua obra depois de haver criado todo o universo (Gn 2.1-2) – não por estar cansado, mas por ter completado toda a fase inicial da criação. Criados à imagem de Deus, nós humanos devemos compreender a importância do descanso para a fundamentação de tudo que fazemos. Tendo a Jesus a nos pastorear, somos levados às águas de descanso mesmo quando andamos no vale da sombra da morte! (Sl 23) Interessante observar que o autor de Hebreus fala sobre entrar no descanso de Deus (o mesmo descanso que Isaías e Jeremias comentaram negativamente quanto ao povo da aliança): “Portanto, resta um repouso para o povo de Deus. Porque aquele que entrou no descanso de Deus, também ele mesmo descansou de suas obras, como Deus das suas. Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele descanso, a fim de que ninguém caia, segundo o mesmo exemplo de desobediência” (Hb 4.9-11) no contexto imediato da eficiente espada que nos adestra para a batalha, discernindo entre alma e espírito, juntas e medulas (v.12).

Quanto ao trabalho, ele não é maldição e sim bênção. A maldição estava no trabalho ser frustrado por fadigas, suor e espinhos (Gn 3.17-19) – a promessa para a pessoa que teme ao Senhor é que “do trabalho de tuas mãos comerás...” (Sl 128.2) e o próprio Deus trabalha para aquele que nele espera (Is 64.4). Paulo, que pela graça de Deus pôde afirmar “Sou o que sou... trabalhei muito mais que todos... não eu mas a graça de Deus comigo” (1Co 15.10) dá palavras de ânimo aos coríntios quando enfrentavam questões de vida e de morte, dizendo: “sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1Co 15.58). “Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome, pois servistes e ainda servis aos santos. Desejamos, porém, continue cada um de vós mostrando, até ao fim, a mesma diligência para a plena certeza da esperança; para que não vos torneis indolentes, mas imitadores daqueles que, pela fé e pela longanimidade, herdam as promessas”(Hb 6.10-12). Lembro-me do hino “Os seus intentos cumpre Deus no decorrer dos anos” que afirma: “Nosso trabalho vão será se Deus não for presente/ Só ele o esforço aqui bendiz e é quem nutre a semente” quando a glória de Deus há de o mundo inundar como as águas cobrem o mar (Novo Cântico 316).

Qualquer e todo trabalho que eu fizer não poderá ser apenas por pão, manutenção ou diversão. Meus valores trabalhísticos são eternos e não pecuniários. O trabalhador é digno de receber por seu trabalho (2 Tm 2.6) e somos exortados “a progredirdes cada vez mais e a diligenciardes por viver tranquilamente, cuidar do que é vosso e trabalhar com as próprias mãos, como vos ordenamos; de modo que vos porteis com dignidade para com os de fora e de nada venhais a precisar” (1Ts 4.10-12 – e isso ele fala, mais uma vez, no contexto de gente que enfrentava questões de vida e morte!). Mas eu trabalho para Deus; quem me sustenta em tudo que faço é meu Senhor (Cl 3.23-24)! Esse conceito possibilita até mesmo viver sob injustiças e em tempos aflitivos.

Deus preparou as obras para que andássemos nelas porque somos feitura sua! Fui criada sob orientação de bom desempenho, que chamavam de performance-oriented. Esse peso era uma canga legalista que muitos crentes salvos pela graça de Jesus carregam, achando que santidade é ação, produção, realização. Interpretam mal o conceito de galardão, contando os pontinhos e as estrelinhas e fazendo comparações destrutivas com irmãos de fé e de caminhada. Mas o jugo que Jesus nos ordena a tomar é “suave” (Mt 11.29) e o apóstolo Paulo repreende quem se submete novamente ao “jugo da escravidão” da lei (Gl 5.1). “Mãos ao trabalho” não pode ser por necessidade de provar ser melhor do que outros, ou necessidade de cumprir obrigações “porque senão Deus não age” (lembro de uma irmã arminiana que lastimou alguém que não convidou alguém para a igreja, comentando: “Assim, Deus não pôde salvá-lo”!). Fomos salvos não por obras, mas pela graça (Ef 2.8). Nosso louvor, bem como toda obra que Deus nos dá para fazer, “é fruto de lábios que confessam o teu nome” (Hb 13.15). Assim, tenho de re-aprender o que seja graça, e trabalhar não para alcançar alguma coisa, mas porque fui alcançada pelo Deus infinito que entrou em minha finitude para transmitir sua graça e verdade. Não vou ser preguiçosa, mas viver a operosidade da fé em meu trabalho, em meu cansaço, ociosidade ou descanso, produzindo frutos como uma planta enxertada na Videira. Quero mesmo na maturidade, “florescer como a palmeira, crescer como o cedro no Líbano. Plantados na Casa do SENHOR, florescerão nos átrios do nosso Deus. Na velhice darão ainda frutos, serão cheios de seiva e de verdor, para anunciar que o SENHOR é reto. Ele é a minha rocha, e nele não há injustiça” Salmo 92.12-15.

Elizabeth Gomes