quarta-feira, dezembro 24, 2014

O VERBO SE FEZ CARNE

 

 
E o Verbo se fez carne
e habitou entre nós,
cheio de graça e de verdade,
e vimos a sua glória,
glória como do unigênito do Pai.
 
Onde foi?

— Beit-leham, casa de pão, se torna local do nascimento do Pão da Vida

“E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade (Mq 5.2). “José também subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, para a Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Estando eles ali, aconteceu completarem-se-lhe os dias, e ela deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2.4-7) e “Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do rei Herodes...” (Mt 2.1). “Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo... Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede” (Jo 6.33;35).

Com quem aconteceu?
 
— Yousef ben Yacob (José)

“Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles. Ora, tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (Isaías 7.14 -- que quer dizer: Deus conosco). Despertado José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor e recebeu sua mulher. Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus” (Mt 1.20-25)

— Miriam bat David (Maria)

“Maria, não temas; porque achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus. Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim (Lc 1.30-12).

— Yeshua ha Meshiach (Jesus)

“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o seu governo, e venha paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do Senhor dos Exércitos fará isto” (Is 9.6-7)

Há melhor lugar para um Cordeiro recém-nascido do que uma mangedoura em estábulo?

“... e ela deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria (Lc 2.7-14). “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29)

Quem seriam os primeiros a saudar o nascimento do Cordeiro de Deus?

Pastores guardando os rebanhos como o antepassado rei-pastor Davi

“Havia, naquela mesma região, pastores que viviam nos campos e guardavam o seu rebanho durante as vigílias da noite... e ficaram tomados de grande temor...”

Um anjo – multidões de anjos

“E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam...”

* pessoal, – não temais
* à comunidade, – vos trago boa nova de grande alegria
*a todos os povos – que o será para todo o povo:

“é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos servirá de sinal: encontrareis uma criança envolta em faixas e deitada em manjedoura (...) e a glória do Senhor brilhou ao redor deles (...) subitamente, apareceu com o anjo uma multidão da milícia celestial, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem”.

O que fizeram os pastores?

“E, ausentando-se deles os anjos para o céu, diziam os pastores uns aos outros:

Vamos até Belém e vejamos os acontecimentos que o Senhor nos deu a conhecer.
Foram apressadamente e
acharam Maria e José e a criança deitada na manjedoura.
Vendo-o, divulgaram o que lhes tinha sido dito a respeito deste menino”!

O que fizeram os que ouviram e os que proclamaram?

“Todos os que ouviram se admiraram das coisas referidas pelos pastores... Voltaram, então, os pastores glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes fora anunciado (v.20).

Sábios do Oriente:

“Eis que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém. E perguntavam: Onde está o recém-nascido Rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo... eis que a estrela que viram no Oriente os precedia, até que, chegando, parou sobre onde estava o menino. E, vendo eles a estrela, alegraram-se com grande e intenso júbilo. Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra” (Mt 2.1;9-11).

Simeão

“Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão; homem este justo e piedoso que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava sobre ele... Simeão o tomou nos braços e louvou a Deus, dizendo:

Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo,
segundo a tua palavra;
porque os meus olhos já viram a tua salvação,
 a qual preparaste diante de todos os povos:
 luz para revelação aos gentios,
e para glória do teu povo de Israel...
Simeão os abençoou e disse a Maria...
Eis que este menino está destinado tanto para ruína
como para levantamento de muitos em Israel
e para ser alvo de contradição
        (também uma espada traspassará a tua própria alma),
para que se manifestem os pensamentos de muitos corações    (Lc 2.25-35).

e Ana, viúva de oitenta e quatro anos: “Chegando naquela hora, dava graças a Deus e falava a respeito do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém” (v 38).

José, Maria e o bebê Jesus:

“E estavam o pai e a mãe do menino admirados do que dele se dizia” (Lc 2.33)

 “Tendo eles partido, eis que apareceu um anjo do Senhor a José, em sonho, e disse: Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e permanece lá até que eu te avise; porque Herodes há de procurar o menino para o matar. Dispondo-se ele, tomou de noite o menino e sua mãe e partiu para o Egito; e lá ficou até à morte de Herodes, para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor, por intermédio do profeta: Do Egito chamei o meu Filho”.

“Tendo Herodes morrido, eis que um anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito Dispôs-se ele, tomou o menino e sua mãe e regressou para a terra de Israel. Tendo, porém, ouvido que Arquelau reinava na Judéia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá; e, por divina advertência prevenido em sonho, retirou-se para as regiões da Galiléia. E foi habitar numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito por intermédio dos profetas: Ele será chamado Nazareno” (Mt 2.19-23).

Herodes

“Enfureceu-se Herodes grandemente e mandou matar todos os meninos de Belém e de todos os seus arredores, de dois anos para baixo, conforme o tempo do qual com precisão se informara dos magos. Então, se cumpriu o que fora dito por intermédio do profeta Jeremias: Ouviu-se um clamor em Ramá, pranto, choro e grande lamento; era Raquel chorando por seus filhos e inconsolável porque não mais existem” (Mt 2.16-18).

Jesus?

“Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele,
 e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele e a vida era a luz dos homens.
 A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela” (Jo 1.2-5).
“... a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” (Jo 1.17).

E Maria?

“Maria, porém, guardava todas estas palavras, meditando-as no coração” (v.19; v. 51).

E nós?

“Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1.11-13).

Que recebamos a Jesus Cristo, Deus Conosco, não apenas neste Natal, a cada dia, porque nele vivemos e existimos – para a glória e paz de Deus e a verdade e alegria entre os homens.

Elizabeth Gomes

segunda-feira, dezembro 01, 2014

NÃO QUERO BÊNÇÃOS QUE NÃO VENHAM DE DEUS!




Assentados à mesa após a janta, Vito e Léa (nomes fictícios), hóspedes em O Refúgio, Clóvis, amigo que revíamos depois de mais de quinze anos, e a nossa família, falávamos sobre fé, oração, ação de Deus e coisas como essas. A certa altura, Vito, apelou para um testemunho que o casal achava incontestável: “Minha filha tinha uma problema no joelho; depois de mal sucedidas andanças por consultórios, nós a levamos para Minas, para uma operação espiritual com o Dr. Fritz – temos duas radiografias, antes e depois, para mostrar que ela foi curada”. Eu já me preparava para um uma incursão no esquema doutrinário bíblico, quando Clóvis atalhou: “Não quero bênçãos que não venham do meu Deus”. Boa, Clóvis! Valeu! A coisa é essa mesma.

Efésios 1.3 diz que o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus, “nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, e 2Pedro 1.3 reitera, dizendo que “nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude”. A questão é que somos tomados de dúvida em relação à palavra de Deus, e, consumidos por diversas ansiedades, vivemos à cata de bênçãos. Queremos uma segunda, terceira, e mais e mais “bênçãos” que jamais saciam a sede de santidade instantânea e indolor e de poder espiritual sem obediência e dependência da vontade de Deus. Parodiando a vai a canção: “e se Deus não der, eu vou me danar, e chega”.

Em uma das ocasiões em que a Beth esteve bem doente, uma senhora de uma das igrejas que servi falou ao telefone: “Pastor, por que você não leva a Beth para receber a oração do pastor ‘tal e tal’; ele orou por mim, e eu estou curada de um câncer”. “Obrigado pelo cuidado, irmã” – iniciei a resposta com maior cuidado – “mas o Francisco, o zelador da igreja, já orou comigo, diversas vezes, assim como os presbíteros e outros irmãos...” Antes do click do telefone desligando, ouvi um resto de frase: “O sr. é mau, pastor”. A irmã morreu um mês depois, e a Beth, pela mesma graça que levou a irmã para o céu, ainda sofre as dores deste mundo e experimenta o contentamento do Senhor.

Se creio na oração? Com toda certeza, pois é ordem do Senhor. Se creio no poder da oração, aí depende do conceito. Se poder da oração for uma figura do poder de Deus para responder orações como bênção concedida pela graça mediante a fé em Cristo Jesus, então, estou dentro para rogar, interceder, jejuar e, especialmente, para receber a bênção de obter o pedido ou para obter a bênção de sabê-lo negado. Isto, porque sei também que o instrumento da oração não foi concedido por Deus que nós o usássemos para forçar Deus a “liberar a bênçãos”. Não há como forçar o braço do Todopoderoso Soberano. A oração é uma bênção para implementar o conhecimento da vontade de Deus no coração e nas mãos do crente. Por meio dela, o crente aprende a comunhão com Deus e, nele, a comunhão com os irmãos. Na comunhão em oração, os crentes exercitam, individual e coletivamente, o conhecimento dos mandamentos e promessas do Senhor, confiantes de que suas vidas estão nas mãos dele, “que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós” (Efésios 3.20).

Ao falar de oração em tempos de perseguição, doença ou outras aflições, Tiago (5.10-20) inicia, dizendo: “Irmãos, tomai por modelo no sofrimento e na paciência os profetas, os quais falaram em nome do Senhor”. Infelizmente, muitas vezes, nós tomamos o modelo de curandeiros “evangélicos” que declaradamente adoram a oração que fazem, e não ao Senhor da oração que a atende. Tiago diz também que tudo o que falamos deve ser definido, tanto o sim quanto o não, e, para isto, usa a ilustração da unção com óleo. A unção é a bênção para o usufruto dos mandamentos e promessas do Senhor. A unção para o cumprimento de um chamado especial, como no caso de Samuel e Davi, era marcada com o óleo derramando por um profeta do Senhor sobre a cabeça do agraciada. Significava que a autoridade não residia no profeta nem no rei ungido, mas provinha da graça de Deus a ser recebida mediante a fé. Não será por meio da oração dos adoradores de Baal, ou dos adoradores da prosperidade que não permanecem no pacto em que Deus é o rei soberano e, nós, seus príncipes vassalos, que veremo0s a verdadeira bênção que procede do Pai. No caso da oração para a cura a ser feita por presbíteros, a unção com óleo demonstra que o poder da cura não está no carisma de quem ora nem na força da fé do objeto da oração – mas procede da graça de Deus. Na verdade, a fé pequena e fraca, mas poderoso é o Senhor que a concede e faz aumentar. Sim, eu creio no Deus poderoso que atende minha fraca oração, tal como foi sua resposta à oração de Paulo: “A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza”. Neste caso, a oração tece efeito completo, como é visto no comentário feito: “De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo” (2Coríntios 12.9). No exemplo de Tiago, Elias era homem sujeito a paixões e fraquezas; ele, um dia, orou ao Senhor, dizendo que haviam matado os profetas e que, agora, ele estava sozinho e com a vida em risco – o Senhor respondeu que havia ainda sete mil fiéis “que não dobraram os joelhos diante de Baal” (Romanos 11:4). Este homem fraco “como nós”, também orou a Deus pedindo chuva, e choveu!

As grandes experiências do conhecimento e da comunhão com Deus notadas no exercício da oração são realmente grandiosas, maravilhosas, terríveis, e deliciosas, mas proclamam a glória de Deus e não a ilusória glória de homens. Nossos olhos deveriam fitar o Senhor de todas as bênçãos e os nossos pés e mãos deveriam seguir seus caminhos e suas obras. A verdadeira graça não mede homens e sempre os faz crescer; a verdadeira fé não é medida segundo o poder de homens, mas cresce no acato à vontade do Senhor. Deus sempre responde as orações dos seus filhos, sempre transformando o caráter deles quer para receber a bênção pedida quer para entender a sua negação.

Wadislau Martins Gomes

sexta-feira, novembro 28, 2014

DIA DE AÇÃO DE GRAÇAS, UMA VIDA DE GRATIDÃO


Ao redor da mesa, comemorando um dia de ação de graças, dei uma dessas tiradas miserável de espírito: “a ceia está do peru”. Antes de terminar a frase, eu já antecipei reação de misericórdia – só não esperava que o caçula estatelasse os olhos e dissesse, de soluço: “ele falou do peru!” Sei lá em que ele pensou... mas eu, deixei a imaginação curtir a primariedade da minha peruada. A expressão “do peru” tem origem incerta, em referência ao país ou à ave, e é de uso dúplice, com tons de admiração ou de ironia. Por sua vez, o sentido do Dia de Ação de Graças, originado na tradição americana dos peregrinos, ação de graças, nativos, peru etc., aqui na terrinha tem cheiro e gosto de influência bradesca e de esquema comercial – mas, vá lá, se de alguma forma Deus é louvado.

Cá para nós, mais do que bom sentimento ou adorno pessoal, gratidão significa conformação com a vontade de Deus. De fato, ela é compreendida e exercitada na deliciosa e diligente comunhão com Deus e manifestada no reflexo da glória de Cristo por meio dos afetos do coração e da beleza do caráter. A gratidão, em termos bíblicos, é o exercício da fé gerada e motivada mediante o testemunho interno do Espírito Santo e baseada e praticada mediante a bênção da graça de Deus. Em suma, essa gratidão brota do tronco da fidelidade de Deus e frutifica nos ramos da nossa decorrente fidelidade. Foi assim que Paulo tratou o tema:

Orai sem cessar. Em tudo, dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco. Não apagueis o Espírito. Não desprezeis as profecias; julgai todas as coisas, retende o que é bom; abstende-vos de toda forma de mal. O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o fará (1Tessalonicenses 5.17-24).

Do mesmo modo, a gratidão que provém da graça mediante a fé é o vínculo vital da criatura com o Criador e a virtude formadora do caráter cristão. Por meio dela a pessoa conhece a divindade de Deus, a quem não vê, mas que é revelada na Escritura e em Cristo, e reconhece seu controle, presença e autoridade sobre todas as obras de suas mãos. Tais conhecimento e compreensão respondem às questões essenciais do coração humano: quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Assim, fomos criados para espelhar a glória de Deus, estamos aqui para usufruir toda sorte de bênção advinda dessa glória, e vamos para a realização da glorificação final.

Quando compreendido em gratidão e a despeito de possuirmos “este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós”, a presença do reflexo da “glória de Deus, na face de Cristo” (cf. 2Coríntios 4.6-7) estabelece a identidade e o desenvolvimento da personalidade do salvo. Para os não salvos, e para os salvos que os modelam, a ausência do reflexo da glória de Deus e da gratidão torna-os faltos em seus pensamentos e insensatos em seus corações – perdem a prórpia identidade! Foi assim também que Paulo o colocou:

Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis (Romanos 1.20-23).

Portanto, gratidão é mais do que “uma coisa do peru”. Gratidão é habitar em Deus mediante a comunhão pessoal e a habitação da sua Palavra em nós de maneira que nossa expressão verbal para com ele e para com seus filhos e nossos irmãos em Cristo seja rica de graça, e nossa ação, rica da operosidade da fé (cf. Colossenses 3.18-17). Gratidão é uma ação do Espírito de Deus no nosso espírito, inspiração de graça, respiração da alma, motivação de vida. Foi assim que o salmista praticou e cantou a gratidão ao Senhor:

Bom é render graças ao Senhor e cantar louvores ao teu nome, ó Altíssimo, anunciar de manhã a tua misericórdia e, durante as noites, a tua fidelidade (...) Pois me alegraste, Senhor, com os teus feitos; exultarei nas obras das tuas mãos. Quão grandes, Senhor, são as tuas obras! Os teus pensamentos, que profundos! O inepto não compreende, e o estulto não percebe isto (...) O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro no Líbano. Plantados na Casa do Senhor, florescerão nos átrios do nosso Deus. Na velhice darão ainda frutos, serão cheios de seiva e de verdor, para anunciar que o Senhor é reto (cf. Salmos 92.1-15).

Wadislau Martins Gomes

quinta-feira, novembro 27, 2014

THANKSGIVING - Dia de Ação de Graças


 
 
Em tudo, dai graças, porque esta é
a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco.

In every thing give thanks: for this is
the will of God in Christ Jesus concerning you.

1Tessalonicenses 5.18

 
Está chegando o dia “oficial” de ações de graça, e eu, nessa gangorra de pensamentos interculturais, fico cutucando a musa. Nos Estados Unidos, é um feriado nacional que relembra quando os peregrinos (inicialmente esses colonos do novo mundo eram reformados calvinistas que fugiam de perseguições religiosas em seus países de origem) celebraram um culto de ações de graças porque depois de terem sofrido dois invernos devastadores que dizimaram seu povo. Tinham agora uma colheita farta daquilo que plantaram e estariam guardando para os próximos meses de escassez. Para o banquete, convidaram os americanos nativos (lê-se índios) que os haviam socorrido nas suas aflições, dando sementes para o plantio, ensinado a pescar, caçar e colher os frutos da terra. Os convidados se viam não como quem tivesse carta branca para se empanturrar, mas como honrados e dignos colaboradores; trouxeram também suas comidas para compartilhar com esses claros e desajeitados colonos de um Deus único, linguagem complicada e muitos estranhos costumes.

O Brasil, copycat, não implantou muito bem esse dia. Apesar de ter havido esforço desde o empenho do Bradesco dos anos sessentas, de celebrar o Dia Nacional de Ação de Graças, o Brasil se copiou mais o comercializado Black Friday dos shoppings e sites. Somos bombardeados por ofertas de “80% OFF” de objetos de consumo que não necessitamos, num frenesi de compra, compra, gaste, gaste, eu quero, eu preciso—e esquecemos de dar graças pelas grandes bênçãos e pequenas vitórias em que vivemos e nos movemos.

Verdade é que muitos na América do Norte também se esqueceram de sua história de fé e enxergam o dia como dia de comer peru, assistir o jogo de football (o americano, não o nosso esporte nacional que eles denominam de soccer), juntar parentes que só se comunicam uma vez por ano. Por que peru? Porque para debelar a fome, os índios ensinaram a caçar a ave “in the wild”.

Eu já comprei meu peru da Sadia, que vou assar e oferecer aos cerca de cinquenta jovens de variadas idades da nossa igreja (IPP) que vêm em casa no sítio no sábado (porque aqui em nosso estado não tem feriado na quinta-feira) para um almoço comunitário. Espero que os outros quarenta e nove também tragam comida e bebida, porque um peru é pouco para tanta gente! O Senhor Jesus estará presente, sim, mas na presente era não esbanja o milagre da multiplicação dos pães e peixes do Novo Testamento sobre crentes da posmodernidade, que deverão aprender a trabalhar pelo pão nosso de cada dia enquanto simultaneamente descansam no Senhor da Vida que tudo provê. Mais um dos pensamentos e fatos que precisamos aprender a pesar, equilibrar, compartilhar e fazer multiplicar.

Lembro um Thanksgiving de alguns anos atrás em Philadelphia, quando convidamos meu tio Philip Stowell para nossa mesa. Eu fiz uma abóbora recheada de camarão, à moda brasileira, e ele nos presenteou com a historia de quando, no Navy  na segunda guerra mundial, ele era ajudante de cozinheiro, e prepararam peru recheado de “oyster dressing”—recheio de ostras—para centenas ou milhares de soldados gringos com saudades de um verdadeiro banquete de ações de graças. A propósito, tínhamos nesse almoço em Philly também um ‘stuffed turkey” cuja ave foi presente de nossa amiga (minha boss no trabalho e esposa de pastor da igreja que frequentávamos in exilio, Nina) e os fixings de cranberry sauce, corn, creamed onions, outros vegetais e cornbread. Uma mistureba internacional!

Sei que o nosso almoço não chegava aos pés daquele que Uncle Phil descreveu, mas estávamos e éramos gratos pelas misericórdias e providência de Deus em nossos tempos de escassez como também nos banquetes que Ele sempre nos oferece. E pudemos, nós “estrangeiros, esquisitos, de costumes diferentes” compartilhar com meu tio “all-American New Englander” desde os tempos de Cotton Mather e Pocahontas, um pouco da alegria de Jesus. Como milhões de idosos norte ou sul-americanos, ele estava extremamente sozinho, e nós esbanjávamos família.

Moro numa cidade fundada por bandeirantes de origem portuguesa que fincaram raízes em Mogi das Cruzes há mais de 450 anos. Lau é descendente dentre os quais um bandeirante deles com a ameríndia Bartira. Eu estou relembrando antepassados que atravessaram o oceano Atlântico em barcos pequeninos e construíram a machado, pá e toscos instrumentos, primeiramente a igreja e escola, para depois edificar seus lares em que tinham muito poucos bens—mas liam, e conheciam a Bíblia, e a compartilhavam. Lembro da relação de David Brainerd com os índios menos de cem anos depois daquela primeira colonização, e vejo a sombra de gente moldada pela Palavra, com o coração inflamado por missões, firmados na Rocha e que, por mais que lhes faltassem os bens “essenciais”, sempre tinham fé no Deus que os elegeu para serem seu povo.

 Passo um fast-forward ao vídeo deste final de semana e procuro equilibrar minhas divagações sobre comida, receber os amigos, dar e receber, agradecer em tudo e por tudo, com as histórias do primeiro Thanksgiving no Novo Mundo e as ações de graça do povo hebreu no deserto, em que, apesar das murmurações características do povo de Deus de antanho e de agora, havia fartura de codornizes em vez de perus selvagens, maná em vez de cornbread, água jorrando da rocha no meio do deserto, em vez dos abundantes rios e lagos da América. Depois, na terra de Israel conquistada, habitada, consolidada, invadida, depredada, re-edificada--quando encarnou o Pão da Vida e a Água Viva. Depois da sua morte e ressurreição, enquanto Pedro e companhia limitada resolveram voltar a pescar e nada conseguiram, Jesus ficou na pedregosa praia e preparou um café da manhã de peixes na brasa e pão, para falar-lhes sobre o amor e o pastoreio do rebanho de Deus (João 21.3-24). Antes de sua morte Jesus multiplicara o lanche de um menino e alimentara mais de cinco mil famigerados ouvintes; agora ele mesmo preparou peixe para pescadores mal-sucedidos, tornando-os em homens que edificariam a igreja, virariam o mundo de cabeça para baixo, e marcariam a história do cristianismo até os confins da terra. João o evangelista termina a sua narrativa dizendo que “Se todas as coisas que Jesus fez fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos”— essas eram as boas novas pelas quais discípulos, apóstolos, toscos pescadores e cultos teólogos, gente de todo tipo, desde o berço da civilização antiga até o ocaso da civilização moderna, têm motivo de agradecer.

Um dia faremos parte de uma grande turma que não vão mais render ações de graça locais, nem como costume nacional, tradicional ou emprestado de outra cultura, nem descendentes de ingleses e holandeses, de portugueses degredados, escravos ou senhores escravizadores –

grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas (...), todos os anjos (...) os anciãos e os quatro seres viventes (...) adoraram a Deus, dizendo: O louvor, e a glória, e a sabedoria, e as ações de graças, e a honra, e o poder, e a força sejam ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amém!” (Apocalipse 7.9-12 - ARA)

Aguardo nosso almoço de Thanksgiving seja ele sábado, quinta feira ou qualquer dia que nos ajuntarmos para festejar. Mas aguardo mais ainda um banquete de casamento do Cordeiro em que os convivas serão dos mais variados, e o Dono da Festa, único Senhor. Você está convidado!

Elizabeth Gomes

segunda-feira, novembro 10, 2014

OS FILHOS DA ALIANÇA E O ARCO-ÍRIS


Porei nas nuvens o meu arco; será por sinal da aliança entre mim e a terra. Sucederá que, quando eu trouxer nuvens sobre a terra, e nelas aparecer o arco, então, me lembrarei da minha aliança, firmada entre mim e vós e todos os seres viventes de toda carne; e as águas não mais se tornarão em dilúvio para destruir toda carne. O arco estará nas nuvens; vê-lo-ei e me lembrarei da aliança eterna entre Deus e todos os seres viventes de toda carne que há sobre a terra Gênesis 9.13-16

Como o aspecto do arco que aparece na nuvem em dia de chuva, assim era o resplendor em redor. Esta era a aparência da glória do SENHOR; vendo isto, caí com o rosto em terra e ouvi a voz de quem falava. Ezequiel 1.28

Quando Wadislau e outros iniciaram a congregação da New Life Fellowship em Boston, foram pintadas as cores do arco-íris para indicar a aliança que Deus fez com seu povo. Na época, eu trabalhava prestando assistência a pessoas portadores do vírus HIV, muitas delas envolvidas em homossexualidade. A todos falei de Cristo e demonstrei o amor de Deus na prática, sem abrir mão da fé no único Senhor e sua Palavra. Isso fez com que muitos da comunidade gay estranhassem uma atuação cristã que age com crença na Palavra Santa de Deus. Achavam que eu tinha de defender a causa GLS e desprezavam a Bíblia que eu procurava compartilhar—mas vinham a nossa casa para jantar conosco, contavam conosco para ajudá-los quando estavam doentes ou precisavam recursos para sobreviver na selva de Boston e arredores.

Um dia, um cliente disse: “Passei de carro em frente à sua igreja e vi o arco-íris. Gostei. Vocês aceitam a gente...” Pensei com meus botões: Ele acha que o arco-íris é aprovação da “causa gay”. Essa jamais foi nossa intenção! Como é comum a distorção de tantas coisas pela imitação barata e profana, foi roubado o símbolo multicolorido da graça de um Deus eterno, que fez aliança com toda a terra. Hoje em dia uma congregação presbiteriana ortodoxa não escolhe mais o arco-íris como um logo identificador da comunidade! Pensei em como é tênue a linha entre amar e acolher o próximo, pecador como eu, e aceitar a perversão e o pecado do que persiste num estilo de vida longe de Deus.

Aquele “John” jamais entrou em nossa igreja. Mas “José” veio—não atraído por suposta inclusão, mas pela promessa de que “o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede... Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” (João 6.35-40). José creu em Cristo como seu Salvador; arrependeu-se de seus pecados; deixou seu parceiro homoafetivo e seu modo de vida confuso; Wadislau o batizou e quando José professou a fé, não foi feita nenhuma menção de homossexualidade passada—somente inclusão como todo e qualquer irmão arrependido, chamado para participar da família de Deus. Ao lembrar a morte desse irmão em Cristo, penso na certeza de que José está na presença do Senhor com “vestiduras brancas” porque lavado pelo sangue de Jesus.

Hoje vemos muita celeuma nas redes sociais com respeito a homossexualidade—mais do que qualquer outro pecado, este leva a espadas e tapumes entre os evangélicos brasileiros. Infelizmente, crescem os casos que pessoas que desprezam a Palavra de Deus e “assumem” comportamentos dos quais a Bíblia afirma: não entrarão no reino dos céus os que tais coisas praticam. Conto na mão casos de amigas queridas cujos companheiros (até líderes na igreja) abandonaram o casamento e foram atrás do amor pérfido com outros homens. Alguns desses não chegaram a se casar com mulher, mas foram “pegos”, denunciados, e expulsos de nosso meio. Entre esses, alguns foram restaurados, mas restaram falatório constante e cicatrizes profundas.

Parece que outros pecados, tão sérios quanto este, não recebem a mesma importância. Uma das tristes constatações que meu marido comentava quando conselheiro de pastores era a grande incidência de adultérios e casamentos desfeitos em função de infidelidade de parte daqueles que foram chamados, treinados e atuavam pastores do rebanho de Deus. Você e eu os conhecemos, e lamentamos: “Como foi que tal e tal caiu?” Esposas, maridos indo atrás de outros, amores distorcidos! E, muitas vezes, as igrejas fazem vista grossa, porque fulano é muito bem preparado, ou bem quisto, ou bem situado...

Quando Paulo escreveu sua primeira carta a uma igreja cheia de dons e igualmente abarrotada de pecado, disse que os injustos não herdam o reino de Deus:

Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros (a versão ACFiel diz devassos), nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus. Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus. 1Coríntios 6.9-11

Parece que além dos alardeados pecados sexuais também estão na lista os idólatras, avarentos, ladrões, bêbados, maldizentes e roubadores. Se pensarmos bem, nenhum de nós escapa! O realismo com esperança, característica do ensino paulino, continua afirmando: “Tais fostes alguns de vós, mas vos lavastes, fostes santificados, fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus”...

Oh glória! E esta não é uma expressão de evangeliquês sem significado, mas a esperança que lembra a glória do Senhor presenciada por Ezequiel (1.28) e por João apóstolo, que nos faz cair com rosto em terra e adorar diante do trono o único digno de receber glória.

Como alguém que deseja viver a teologia bíblica na prática, não posso deixar de me compadecer das pessoas que, em vez de viver nas garras do Leão Cordeiro, andam pelas tramas trapaceadoras e tropeçantes deste mundo tenebroso. Debaixo do arco-íris da aliança do Deus que não pode mentir, das promessas de quem firmou o pacto com sangue na cruz e provou a verdade com o túmulo vazio, não posso ceder a falatórios quanto aos pecados de meus irmãos—tenho de me revestir da justiça de Jesus Cristo e permanecer firme, sabedora de que somente em Cristo temos condições de viver dignamente.

Elizabeth Gomes

segunda-feira, novembro 03, 2014

EXCELÊNCIA, DEFICIÊNCIA E SUFICIÊNCIA


 
De Gênesis ao Apocalipse a Palavra de Deus fala sobre a excelência: de Deus, de suas obras e seus feitos, de sua misericórdia sem fim. Descreve também a excelência de caráter de alguns de seus servos. Isso percorre a história da Igreja cristã desde os primórdios patriarcais, nas grandes lutas de pensamento e da ação cristã dos pais da igreja, dos Reformadores, dos renovadores, dos missionários—e vai ser assim até o fim dos tempos. No momento, estou traduzindo a biografia de John Owen; fico maravilhada pela excelência de sua vida acadêmica, ministerial e pessoal. Vi semelhante excelência nas vidas de Agostinho de Hipona, Martinho Lutero, João Calvino e Jonathan Edwards: unido a um intelecto privilegiado, havia disciplina e discernimento em todos os aspectos da vida. As pessoas dotadas de excelência não se orgulhavam de suas habilidades, mas humildes, as atribuíam ao Senhor a quem serviam. O apóstolo Paulo, por exemplo, afirmou: “Não que tenha obtido a perfeição, mas prossigo para conquistar aquilo pelo qual fui conquistado por Cristo Jesus (...) prossigo para o alvo: o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.12-14).
A excelência de Deus no ser humano que o serve não é sinônimo de perfeição—aliás, os grandes e excelentes conheciam sua imperfeição e deficiência, e atribuíam a Deus aquilo que os tornava singulares. Por exemplo:

• José, de quem o narrador conta que “O Senhor era com ele” (Gn 39.2-5; 21-23)—no meio de grandes adversidades, em que ele foi traído, preso, acusado falsamente.

• Moisés (Dt. 34. 10-12; At 7.20-42; Hb 11.23-29) foi criado como príncipe no Egito

• Bezalel e Aiolabe (Ex 30.2-6)

• Débora (Jz 4.4-5)

• Jó, “homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal” (1.1) reconhecia ser indigno, mas no meio de todas as suas adversidades, recebeu a mensagem de Deus: “Cinge agora os lombos como homem... Orna-te, pois, de excelência e grandeza, veste-te de majestade e de glória (Jó 40.7-10)

• Daniel (Dn 1.4,17; “sem nenhum defeito, de boa aparência, instruídos em toda a sabedoria, doutos em ciência, versados no conhecimento e que fossem competentes para assistirem no palácio do rei e lhes ensinasse a cultura e a língua dos caldeus... Ora, a estes quatro jovens Deus deu o conhecimento e a inteligência em toda cultura e sabedoria; mas a Daniel deu inteligência de todas as visões e sonhos” (Dn 6.3 ); “havia nele um espírito excelente”; e assim ele viveu no cativeiro desde o reinado babilônico de Nabucodonosor, passando por Belsazar, o medo Dario até o persa Ciro.

O apóstolo Paulo teve uma educação privilegiada. Judeu que estudou aos pés do maior rabino de sua época, vivia na diáspora como cidadão romano e movia-se com tranquilidade de Tarsis e Damasco até o deserto Arábia, Jerusalém, Antioquia, Creta, toda a região hoje conhecida com Turquia, toda a Grécia e finalmente, Roma, com intuito de prosseguir até a Espanha. Poliglota, conhecia o melhor da cultura de cada grupo étnico com que conviveu, e era hábil para apresentar o evangelho a reis como também a escravos, a mulheres como as empreendedoras piedosas Priscila e Lídia, a capitães e governantes, a jovens seminaristas convertidos do paganismo e do judaísmo, até a escrava de quem livrara do demônio de adivinhação-- a sábios e a tolos que receberam a sabedoria do evangelho. Disse ele que desejava que os filipenses aumentassem em amor no “pleno conhecimento e toda a percepção, para aprovardes as coisas excelentes e serdes sinceros e inculpáveis para o Dia de Cristo (Fp 1.9-11). Aos coríntios explicou que a excelência do poder é “de Deus e não de nós”, porque “[Deus] resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo—mas este tesouro habita “em vasos de barro” (2Coríntios 4.6,7).

O ideário de perfeição se mostra na predileção de Israel por líderes sem nenhum defeito físico. A escolha do primeiro rei, Saul, “moço e tão belo, que entre os filhos de Israel não havia outro mais belo do que ele; desde os ombros para cima, sobressaía a todo o povo” (1Sm 9.2) e na divisão depois de Davi com Absalão (“Não havia, porém, em todo o Israel homem tão celebrado por sua beleza como Absalão; da planta do pé ao alto da cabeça, não havia nele defeito algum (...) e ele furtava o coração dos homens de Israel (2Sm 14.25; 15.6). Salomão elogia a amada: “Tu és toda formosa, querida minha, e em ti não há defeito (Ct 4.7) e até hoje jovens, crentes tanto quanto incrédulos, tendem a fazer escolhas com base na beleza física—descobrindo, às vezes tarde demais, que “enganosa é a graça e vã a formosura” (Pv 31.30).

 Isso nos leva a considerar o quanto nossas deficiências estão ligadas a excelência que Deus requer. Os sacrifícios ao Senhor tinham de ser de animais sem defeito, e no tabernáculo e templo de Israel era necessário que só se apresentassem vítimas perfeitas. Mas quando Jesus veio ao mundo, disse que o Espírito do Senhor o “ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor” (Lc 4.18-19; cf. Is 61.1-3). Com isso ele voltou sua atenção aos não-incluídos, os portadores de deficiências, trazendo visão aos cegos, andar aos coxos, libertação aos demonizados e aos de espírito oprimido, dando perdão, purificação e liberdade a todos quantos, chamados por ele, a ele viessem. As boas novas de que ninguém seria excluído com base em raça, habilidade ou deficiência passaram a ser proclamadas e vividas! Hoje a igreja é composta de gente de todas as tribos, povos e raças, “vós que não éreis povo”, nós que não tínhamos esperança, que éramos pecadores e inimigos de Deus. No corpo de Cristo, segundo diz Efésios 4 e 1Coríntios 12, os membros trabalham todos em conjunto e mútua dependência.  Fomo amados e tornados “sem defeito” por Cristo: “Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito (Ef 5.25-27).

Até hoje, muitos são insensíveis aos portadores de deficiências, e quando não enxergam o milagre da cura, perguntam como fizeram quanto ao cego no caminho de Jericó a dois mil anos: “Quem pecou para que ele fosse cego: ele ou seus pais?” (Jo 9.2). No livro Ética nas pequenas coisas (São Paulo: Vida, pp 226-227), lemos:

Dentro das igrejas, persistem os mesmos problemas que fora delas. Poucas igrejas levam em conta a necessidade de rampas ou elevadores para os que têm dificuldade para andar, espaço para o cego “ver” e o surdo “ouvir” em sua própria “língua”. Apessar de todas as dificuldades que enfrenta, o portador de deficiência, como filho e servo de Cristo e irmão dos irmãos, encontra suficiência em Cristo. Poderá ser grandemente abençoado por seus irmãos quando estes abrirem os olhos para ver o que podem fazer para facilitar sua vida. Nem sempre ele precisará (ou desejará) ajuda, mas, sempre que solicitar, deveremos estender a mão, certificando-nos de que o ambiente da igreja lhe seja propício. Ele não é um coitado, maldito, tampouco um desgraçado—poderá ser mais abençoado e abençoar de forma singular seus irmãos.

Vivemos sempre a tensão entre nossas deficiências, a excelência de Deus e a suficiência que ele nos outorga. Talvez referindo a um tempo antes de existir um povo escolhido, ou seja, pré Abraâmico, um dos amigos de Jó, Zofar, descreveu a situação do ímpio que prospera: “Na plenitude da sua abastança (na sua super-suficiência), ver-se-á angustiado; toda a força da miséria virá sobre ele”—ou seja, tendo mais que suficiente de tudo, terá sobre ele toda a força da miséria! No sermão da Montanha, Jesus disse que basta ao dia o mal (Mt 6.34) – o mal é suficiente (arketos) a cada dia -- mas ao apóstolo que sofria com o “espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte” que pediu ao Senhor que o afastasse dele, O Senhor Jesus respondeu: “A minha graça te basta (arkeo, é suficiente, satisfaz), porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza”(2Co 12.9)

Em relação à luta, ao perfume do conhecimento de Deus, Paulo declara: “Graças, porém, a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento. Porque nós somos para com Deus o bom perfume de Cristo, tanto nos que são salvos como nos que se perdem. Para com estes, cheiro de morte para morte; para com aqueles, aroma de vida para vida [e pergunta:] Quem, porém, é suficiente para estas coisas? (2Co 2.16 14-15). Para expandir mais ainda as metáforas, Paulo afirma: “Vós sois a nossa carta, escrita em nosso coração, conhecida e lida por todos os homens, estando já manifestos como carta de Cristo, produzida pelo nosso ministério, escrita não com tinta, mas pelo Espírito do Deus vivente, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, isto é, nos corações. E é por intermédio de Cristo que temos tal confiança em Deus; não que, por nós mesmos, sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus, o qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica. (2Co 3.2-6) e ao referir-se à generosidade de uma igreja pobre de gentios convertidos, agora abençoando os pobres judeus cristãos de Jerusalém, disse: “Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra” 2Co 9.8.

Muitas vezes tenho sentido na pele a luta entre o desejo por excelência, a realidade de minhas limitações e deficiências, e a provisão de Deus de sua suficiência para cada dia. Não tenho ilusões de perfeição—todo dia me deparo com o quanto sou carente pecadora. Mas estou aprendendo que, ao entregar tudo ao Senhor, ele me prepara para viver tudo em nome do Senhor: “E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” (Cl 3.17).

Elizabeth Gomes

domingo, outubro 26, 2014

POLÍTICAS & POLÍTIKAS


Três firmas concorrem a uma licitação para consertar uma janela de edifício público da Capital. A primeira, do DF, depois de acurados estudos, dá um lance de R$ 25.000,00: 30% de lucro, 15% de projeto e suporte técnico, 15% de material; 15% de mão de obra, 5% de garantia, e 20% de “eventuais”. A segunda, de São Paulo, baseada em sua larga experiência com janelas políticas e depois de intermináveis conversas com técnicos e assessores, coloca R$ 250.000,00: 50% de lucro, 25% de projeto e mão de obra, e 25% de “eventuais”. A terceira, de Alagoas, sem nenhum pudor, adianta: R$ 2.500.000,00. Vence a última: 50% para o partido, 49% para a contratada, e 1% para pagar a firma de Brasília para consertar a janela.

Da janela da praça, a visão dos palácios políticos parece meio nublada, como piada de mau gosto. Em vez de descortinar horizontes ensolarados, edifícios claros de luz e de moral, e homens de bem no cumprimento da missão política, nosso povo, impassível, espera passar o trem da alegria “só pra ver se sobra algum”. Ali e lá, as margens plácidas ouvem gritos de libertação que soam mais como a sororoca da morte. São vozes que se perdem em meio ao ruído dos últimos jargões políticos criadas pelos mais recentes arquitetos do poder. Assim, a política – que deveria ser a ciência e arte de amparar as diversas esferas de soberania: do indivíduo, da vizinhança, da escola, do comércio, do estado etc. – virou sinônimo de propaganda manipulativa. Começa com o horário político obrigatório e acaba no numerário político conveniente.

E a gente? Como é possível começar a pensar em termos de uma política biblicamente correta?

Primeiro havemos de discernir o pensamento do homem não-regenerado, do pensamento do homem regenerado. Isto, Paulo faz em Efésios 2.1-4, considerando que Deus nos deu vida em virtude da sua misericórdia e do grande amor com que nos amou. Como todos, estávamos mortos em delitos e pecados, andando segundo o curso deste mundo, em plena rebelião contra Deus (cf. Romanos 1.18-32). Não entretínhamos pensamentos de verdadeira lógica nem de precisão “científica”, mas prosseguíamos no curso deste mundo após o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência. De fato, seguíamos, como alguns cristãos desavisados ainda seguem, as inclinações da carne e dos pensamentos que resultavam de uma ira pecaminosa contra Deus. A origem desse estado de coisas não nos é desconhecida; é mais velha do que a última visão do lado de dentro do Éden.

A serpente sugeriu que, em vez da oposição excludente do bem (cuja existência é real, pois Deus é o bem) em relação ao mal (cuja realidade é contingente ao rompimento com o bem), haveria uma síntese inclusiva: Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal (Genesis 3.5). Desde então, o desvio cresceu e permeou toda a cultura. Adam Smith, quando deu forma ao pensamento capitalista, não fugiu aos cenários do motivo grego da separação entre graça e natureza. Tomando a ética de trabalho e produção dos comerciantes cristãos permitida pela graça divina, Smith elaborou um sistema em que a natureza nobre do labor seria mostra suficiente da graça. Aberta a porta, a sanha individualista do pecado assumiu o controle da estrada. Esse é o caminho, também, de Platão/Sócrates e Aristóteles a Hegel/Marx e Rosa Luxemburg, e de decadência da velha esquerda após a frustração da do “destino inexorável” da deusa História em meio aos jogos revolucionários da nova esquerda e do moderno liberalismo.

Mesmo depois da Queda, a mão de Deus não desamparou a humanidade. As maldições do cap. 3 de Gênesis implicam punição, mas não dispensam a graça do Criador. Primeiro, há a promessa de redenção – Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar – Gênesis 3.15 – de acordo com o propósito eterno. Como diz Efésios 1.6-10, Deus nos concedeu gratuitamente o Amado para que refletíssemos o louvor da glória de sua graça. Não sem obra fomos remidos, mas pelo trabalho produtivo do único Criador, Vida e Luz dos homens (cf. João 1.1-14); e não sem revolução, mas com o preço do único sangue derramado possível de fazer a justiça e de vencer a morte, segundo a riqueza de sua graça. Assim, em Cristo convergem todas as coisas, tanto as do céu como as da terra.

Segundo, há as maldições, de Gênesis 3, como indicadores de uma nova ordem decaída, recebidas por uns como uma maldade de Deus e, por outros, como graciosas placas de advertência ou lombadas protetoras no curso do caminho. A primeira e básica advertência é: o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará (v. 16b); e dela se deriva o entendimento das demais, especialmente, para o nosso caso: E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida (v. 17). A partir daí, duas forças, igualmente “humanistas”, ignoraram a promessa da previdência divina da redenção: a da perspectiva de injustiça notada nos caminhos do lado de fora do Éden e a perspectiva do trabalho e da produção humana como impossíveis redentores.

O ponto é que, sendo regenerados em Cristo Jesus, temos como certa a operação do seu Espírito em toda e cada área da vida, como também disse o apóstolo Paulo (Efésios 2.13-22): estávamos longe de Deus, separados dele e, por decorrência, uns dos outros, mas fomos aproximados pelo sangue de Cristo. Sua proposta não é apenas uma idéia etérea, mas algo concreto em termos de política, mais acertadamente, da política do reino de Deus manifestado em Cristo. Ele é nossa paz mediante a qual somos unidos ao Pai e uns aos outros. Ele derribou a parede de separação, a inimizade, abolindo a lei dos mandamentos que forçam as obras da carne, tanto as de trabalho e produção individualistas quanto as de revolução e homogeneização social. A exemplo da unidade evangélica – retratada no chamado de Abraão para abençoar a terra por meio de ser o meio para o nascimento do Messias Jesus e, nele, para ser o sal da terra e luz do mundo – os verdadeiros filhos de Abraão (cf. Gálatas 3), isto é, os remidos do Senhor, evangelizamos a paz. E novamente, não será por meio de uma lei de trabalho e produção nem de uma lei de revolução e equidade que salgaremos e iluminaremos a terra, mas por meio da pregação da verdade Deus em amor demonstrada na vida da igreja pautada na política do reino (cf. Mateus 5 e 6). Se a igreja viver o fato de que já não somos estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos e a própria família de Deus, e se Cristo for a pedra angular, no qual todo edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, então o mundo será iluminado e a terra, salgada. Os escolhidos verão a igreja como farol indicador do porto seguro, e os habitantes da terra serão abençoados com o sal restaurador.

As gerações atuais terão dificuldade para ver desta janela, pois as mudanças das paisagens ao longo do caminho tomaram novas formas à medida que o discurso mudou a cada colisão com as lombadas da maldição. Capitalismo e socialismo tornaram-se, cada qual, a serpente do jardim do outro. Para uns, Deus seria o mal da humanidade e, para outros, em nome de Deus o mal seria praticado. Com toda certeza também, alguém encontrará pontos de verdade na hermenêutica do mundo em ambas as perspectivas, dado que as duas visões não poderiam evitar a graça de Deus. Contudo, a rebelião do pecado levou os homens a suprimir a verdade de Deus e a falsificar suas próprias “verdades” (Romanos 1.18-32). Assim, o problema que temos hoje não é o de uma oposição entre capitalismo e socialismo, mas uma perversão da missão original do indivíduo e o papel da sociedade na tarefa de reproduzir a glória de Deus tal como grafada nos Dez Mandamentos, especialmente no resumo do Senhor: ...e, se há qualquer outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás o teu próximo como a ti mesmo (Romanos 13.9).

Se tudo aquilo que vimos se trata de uma velha disposição pecaminosa revestida de palavras novas, talvez seja bem que coloquemos isto em outras palavras mais adequadas. Em vez de usar direita e esquerda (que não diz nada em relação a nada) uso as palavras destra e canhota. Destra é apenas uma mão mais bem treinada para a maior parte dos serviços e, canhota, uma mão treinada para alguns serviços. É certo que tem gente ambidestra, mas ilustração é ilustração... Se considerarmos a missão do homem segundo os termos dos estudos bíblicos teológicos utilizados por Abraham Kyper, Herman Dooyeweerd e Cornelius Van Til, teremos que o homem é um ser religioso, atuante, receptivamente criativo e ativamente redentivo, cuja missão é reproduzir a relação com Deus na relação entre os homens. O homem é um ser religioso, e sequer Adam Smith ou Karl Marx puderam escapar a isso. Eles foram tão religiosos quanto nós, diferenciados apenas pelo objeto da fé. Historicamente, ambos cresceram em um ambiente judaico cristão, sendo que Marx se rebelou contra o deísmo e Smith valorizou um tipo de tradicionalismo. No entanto, não puderam se evadir à teorreferência – todo homem é um ser religioso cuja referência é Deus, quer para adorá-lo que para falsificá-lo em termos de ídolos (ver Atos 17.22). Da mesma forma, o homem é um ser atuante, criado para glorificar a Deus na obediência à sua verdade e na expressão do seu amor, ambas as atuações calcadas na ordem para “guardar e cultivar” as obras das mãos de Deus. Devido à Queda, porém, e seguindo o caminho de Caim, Marx, idolatrou a história e a dialética hegeliana e, Smith, o trabalho e a produção. Ora, o homem é um ser receptivamente criativo e sua atuação jamais será autônoma, autocontida ou suficiente. Tudo vem do alto, de Deus que criou todas as coisas e que as mantém na força do seu poder. É exatamente essa dependência de Deus que torna possível a convivência entre os homens em face da luta pelo pão de cada dia e, até mesmo, pelo ar que respiramos (ver At 17.25-28). E, finalmente, o homem é um ser ativamente redentivo. Conforme o modelo do Criador, o homem anseia consertar o que está quebrado. Há injustiça? Que haja equidade! Há necessidade? Que haja trabalho e produção! Mas Marx o quis por meio de revolução, e Smith o desejou por meio de obras – meios impossíveis para redimir o homem. Um valorizou a sociedade como se fosse uma personalidade e, o outro, valorizou o indivíduo e suas competitividades, não levando em conta, a canhota e a destra, que, sem a paz de Deus e a unidade do Espírito em Cristo Jesus, o homem se destrói e a sociedade fica sem seu elemento formador.

O certo é que, assim como um quadro não será belo se cada pincelada não for bonita, assim também uma sociedade não será bela se os indivíduos que a compõem não forem bonitos. Bonitos, digo, da beleza do reflexo da glória de Deus. No caso, aqui, as tendências políticas humanas apenas revelam a feiúra da nossa cara e a maldade das nossas mãos. A destra buscando riquezas terrenas em detrimento das riquezas espirituais, e, a canhota, desferindo murros contra Deus e acertando a própria cara. Pelo menos, a destra admite que a adoração de Deus seja servida, mas, a canhota, levanta-se contra tudo que se chame Deus, exceto a mão do partido que pretende reger a sociedade.

Em uma análise realista, tanto a destra quanto a canhota são religiosas e teorreferentes, quer cultuando ao Deus verdadeiro quer cultuando a ídolos de reposição. Ambas são igualmente atuantes em termos da sua ação sobre a realidade percebida. As duas são, da mesma forma, receptivamente criativas, pois Deus é quem lhes concede a graça comum sem a qual nada poderia ser feito. E são também ativamente redentivas no sentido de notar os erros e tentar consertá-los, cada uma a sua maneira. Entretanto, a fim de serem bem sucedidas, não lhes basta seguir uma forma de lei sem atentar ao princípio da lei de Deus. Não lhes basta uma lei natural, a qual, como diz Vern Poythress, “é realmente a lei de Deus, imperfeita e aproximadamente descrita por investigadores humanos” (Poythress, Vern Sheridan. Redeeming Sociology, Wheaton, Il: Crossway, 2011, p. 75). De fato, precisariam conhecer o princípio da lei, o próprio Senhor Jesus Cristo, sua Palavra e sua obra redentora. Além disso, precisariam ter uma noção de sociologia e de economia sob uma hermenêutica bíblica.
Wadislau Martins Gomes