terça-feira, dezembro 25, 2012

O TEMPO PASSA, O TESTEMUNHO FALA

Maria do Carmo de Souza, Casa Branca, SP, 1934

“Aos seis, um ano demorava 1/6 da vida para passar; hoje, vai a 1/67... eh! passou: 2013 vem aí!” Eu ia assim, no trem da vida vendo passarem postes, pastos, casas, e coisas antigas, quando dei com uma nota no Estandarte (http://interdocs.com.br/ipibdig/oestandarte/digital/1935/ano_43_n20_21-07-1935.PDF) sobre o falecimento de minha bisavó materna, que me fez pensar no valor que Cristo concede à nossa vida. Segue como se escrevia:

Repousando

Cada um na sua ordem, um dia; uns mais cedo, outros mais tarde, todos voamos rapidamente, atravessando a vida como um sonho. Saindo eu de Assis a 22 de maio findo, vinha a esta cidade para tratamento de minha saúde, devido a uma machucadura em viagem perto de Presidente Prudente. Esperava, logo que melhorasse, ir até o Rio, e, voltando, chegar a Casa Branca especialmente para visitar minha parente enferma, d. Carminha [Maria do Carmo Coelho Barbosa], que sofrendo da paralisia se achava presa ao leito há quasi dois anos. Entretanto, peorando o meu estado de saúde, fiquei preso ao leito até hoje, recebendo a noticia do passamento de d. Carminha, a 19 do corrente, em Casa Branca, onde residia, em casa do seu genro, prof. Cornelio Martins. Conheci-a ainda menina e assisti em Dois Corregos ao seu casamento juntamente com o de sua irmã Idalina, já falecida; desposaram dois distinctos irmãos, Antonio Coelho Barbosa e Jeronimo Martins Coelho Barbosa, já falecidos. D. Carminha era filha de nossos irmãos Francisco Mendes de Souza e d. Benigna Lima Barboza, descendentes da família Oliveira Horta, de Socorro. Era prima da minha saudosa esposa que nos tempos da mocidade se chamava Maria Santana. Era sogra de meu filho Calvino Ferraz, casado com sua filha, Leonor Barbosa Ferraz, e de minha filha Edith, casada com seu filho, sr. José Coelho Barbosa. Ligada assim por laços de parentesco e comunhão de crenças religiosas tão estreitos, e possuindo um carater cristão bem comprovado na sua resignação e paciencia e no amor e dedicação para com todos que a conheceram, seria impossivel deixar de traçar estas ligeiras notas, apreciando c traço luminoso de sua curta existencia. Era uma verdadeira santa. Descansa agora dos seus sofrimentos fisicos e certamente foi poupada de outros sofrimentos e apreensões de um mundo instavel, onde tudo parece escuro e ameaçador. Ela desfruta a realidade do que Cristo disse: "O que crê em mim não morrerá". Oxalá possam todos os seus orar como o Salmista: "Ensina-nos a contar os nossos diasde tal maneira que alcancemos um coração sabio". Sal. 89:12. Corações sabios! Saber viver ê saber morrer. Desprender-se alguem desta vida em paz com o seu Deus, eis a verdadeira sabedoria. Na hora do seu passamento, ás 19,15, no templo, a igreja reunida para o culto entoava o seu hino predileto: "Vai, alma tristonha, teu pranto depôr, entrega os cuidados aos pés do Senhor". No seu sepultamento oficiou o rev. Daniel Moraes. Por nosso intermedio a familia agradece a igreja de Franca as manifestações de simpatia durante a longa enfermidade e por ocasião do passamento da querida irmã. Queira o nosso bom Deus consolar os seus queridos com a fé sublime do Evangelho de Paz.
S. Paulo, 24 de junho de 1935.
Belarmino Ferraz

Continuando minhas divagações senio-infantis (gostou?), quase pensei: “Eu, cá na meia idade, vivo pelo menos até os 134 – quero ver se alguém, em 2080 poderá dizer que eu fui chamado, ‘possuindo um carater cristão bem comprovado na sua resignação e paciencia e no amor e dedicação para com todos que a conheceram’”.
 
Feliz 2013!
 
Wadislau Martins Gomes

domingo, dezembro 23, 2012

VENI EMMANUEL, CAPTIVUM SALVE ISRAEL!


Está chegando o dia em que celebramos o nascimento de Jesus Cristo e, ao ler mensagens de amigos do mundo inteiro, não posso deixar de ler nas entrelinhas o sofrimento de muitos deles. Talvez uns dez (que eu saiba) estejam enfrentando a dor da descoberta ou difusão de um ou muitos cânceres. Cansados de diagnósticos e tratamentos, de desejos de vitórias e curas, alguns, como Jó, glorificam a Deus afirmando “Sei que meu Redentor vive” e trazem ânimo e alento para outros irmãos. Outros não sabem nem por onde começar a pedir misericórdia ao Pai de Amor.

O período de festas é também um tempo quando muitos lembram as carências: um casamento rompido, uma amizade ferida, uma igreja em lutas internas e externas.

Eu me lembro de um 25 de Dezembro, há anos, quando fomos passar a festa em Araras, com os pais do Lau, e encontramos a casa vazia e a empregada respondendo à nossa pergunta sobre onde estavam, com um lacônico: “No hospital”. A paleta de carneiro que eu preparara e os cookies ficaram em cima da mesa, os presentes que trouxemos ainda no carro. Fomos direto ao hospital que testemunhara o nascimento de nossos filhos e tantas surpresas agradáveis. Ali encontramos Da. Eulina junto ao leito do sempre alegre – agora mudo – Sr. Wadislau. Com os familiares estava a vigília: longa e entediante, intercalada com chegada de diversos parentes amados que vinham à medida que sabiam da notícia.

“Que ele viva – ainda que tenha de ficar de cadeira de rodas!” foi uma súplica a Deus. Mas Deus escolheu levá-lo, fazendo-o viver numa esplendida eternidade sem dor, na presença do Senhor da Vida – no dia em que fazia aniversário – 26 de dezembro; sua partida partia nosso coração, mas ele foi em paz. Em vez de “Noite Jubilosa”, cantamos seu coro predileto: “Que a beleza de Cristo se veja em mim / Toda sua admirável pureza e amor...” e vimo-lo partir, calmo, sereno e tranquilo. Minha querida segunda mãe perdera o companheiro de quarenta e seis anos – “Queria tanto fazer bodas de ouro!” ela suspirava. Meu companheiro de vida tinha perdido seu melhor amigo na terra. Mas a beleza de Cristo era visível em cada um cuja vida fora tocada pelo Redentor.

Voltando para as cenas do Natal, conforme as festejamos na igreja de Cristo, lembrei-me de que o primeiro deles, junto com o júbilo de anjos e pastores, estava prenhe de pressentimentos. Um cordeirinho em uma estrebaria – para que, afinal, nascia o Cordeiro de Deus que a mãe colocou na manjedoura? Ele se encarnou para dar a vida pelos que estavam mortos em delitos e pecados. Dar vida, não fazendo com que ficássemos apenas joviais e alegres para festejar o infante Jesus, mas dar vida trinta e três anos mais tarde, consumando todo o plano eterno de Redenção sobre uma tosca, horrenda cruz.

A previsão de Simeão, alguns dias após seu nascimento, foi de que esse menino seria “luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo de Israel”. Era a razão pela qual o velho podia agora descansar (podes despedir em paz o teu servo (...) porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de todos os povos: luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo de Israel – Lucas 2.25-38). José e Maria se admiram do que foi dito, mas certamente Maria lembraria por muitos anos a profecia que continuava: Este menino está destinado tanto para ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição, (também uma espada traspassará a tua própria alma), para que se manifestem os pensamentos de muitos corações.

Em Belém, receberam a visita dos sábios da Mesopotâmia que lhe presentearam com ouro, incenso e mirra; e, avisados por um anjo sobre os intentos de Herodes, os magos não voltaram a Jerusalém. A família sagrada fugiu com o Menino para o Egito. A horripilante matança dos inocentes foi o jeito que o mundo se manifestou no nascimento do Rei dos Reis (Mt 2.1-18).

Quando Jesus iniciou seu ministério, aos trinta anos, João Batista anunciou o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. E o evangelista João descreve o relato dizendo: O Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai (Jo 1.14).

Para meus amigos que se alegram neste Natal: Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança (Tg 1.17) – desfrutem, aproveitem, regozijem-se em tudo que há de bom e honesto para se alegrar.

Para meus muitos amigos queridos que sofrem neste Natal – ou em outras épocas festivas da vida, o mesmo Tiago partilha: “Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes. Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida” (Tg 1.2-5).

Quer estejamos em situação de alegria quer em profunda tristeza, neste Natal tenhamos nítida e constante lembrança da razão pela qual Jesus veio ao mundo: “Hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor”.

Em época do Advento, na Idade Média, monges cantavam: “Ó vem ó vem Emanuel / vem resgatar a Israel / que geme em exílio / sem ter de Deus o Filho. / Regozijai! Emanuel virá a ti ó Israel!” Cantamos porque ele veio. Celebramos porque ele está aqui, Deus conosco! E aprendemos a viver contentes em toda e qualquer situação – porque ele nasceu para nos dar fé confirmada: perseverança a fim de sermos perfeitos e íntegros, em nada deficientes!

Glória a Deus e Feliz natal!

Elizabeth Gomes

sexta-feira, dezembro 07, 2012

ESTRANGEIROS, PEREGRINOS, EMBAIXADORES, CIDADÃOS

Nascer do sol em O Refúgio
Você já odiou, desprezou ou zombou de algum estrangeiro? Quando menina, eu tinha o duvidoso status de estrangeira – onde quer que estivesse! No interior de Minas Gerais e depois Goiânia, filha de missionários norte-americanos, cabelo quase branco de milho novo e olhos azuis, tudo dizia que eu não era de lá. Mesmo que tentasse apresentar sotaque e costumes brasileiros, eu era gringa, alemoa, imperialista americana e “da estranja”. Quando, após cada cinco anos em nossa terra adotiva (como papai chamava o Brasil), íamos aos Estados Unidos para as “férias missionárias”, para renovar os contatos com as igrejas mantenedoras, pessoas também me diziam: “Até que você fala bem o inglês para uma brasileira” – quando não perguntavam a minha mãe: “Os nativos do Brasil usam saiotes de capim ou andam nus?” ou exclamavam para meu pai: “Brasil, eh! Então o senhor deve falar muito bem o Espanhol”! Tempos mais tarde, algumas pessoas se instruíram um pouco e indagavam sobre a nova capital do Brasil e as belezas do Rio de Janeiro, do futebol e do carnaval. Havia desentendidos, mal entendidos e entendimentos errôneos em profusão.

Eu mesma não sabia a que pátria pertencia. Pela manhã tinha aulas do curso de língua e cultura inglesa, por correspondência sob a tutela de minha mãe, e ainda atendia a escola brasileira (Ipê, Doze de Agosto e depois Colégio Batista Americano) no resto do dia. Aprendi o “Pledge Allegiance to the Flag” dos USA e cantava “Ouviram do Ipiranga” de mão no peito no hasteamento da bandeira na escola brasileira – sentindo-me cidadã dos dois países. No entanto, nunca fui naturalizada brasileira e tenho um sentimento dúbio quanto à situação de jamais ter votado em eleições no país que escolhi viver. Nos Estados Unidos, só votei uma vez na vida, quando calhei de me encontrar lá em época de eleição presidencial (e já estou na casa dos velhos sessentas)!

Era ainda bem novinha, recém-alfabetizada, quando aprendi o hino: “Sou forasteiro aqui, em terra estranha estou,/ Celeste Pátria sim, é para onde vou. / Embaixador por Deus do Reino lá dos céus,/ Venho em serviço do meu Rei!”[1] Isso amenizou o sentimento de sempre ser estrangeira – saber que minha identidade nacional não é daqui ou dali -- e sim de embaixatriz do Reino de  Deus, o que é incomparavelmente melhor e mais importante. Mas em termos terrenos – afinal, não éramos alienígenas nem estávamos alienados das ocorrências na terra em que Deus nos colocou – sempre olhei com simpatia para os que vinham de fora ou eram “diferentes do povo em geral”.

Encontrei respaldo na Bíblia para a valorização do estrangeiro e peregrino, e na cultura evangélica, muitas referências a essa peregrinação, do Brilho Celeste até Da linda Pátria estou mi longe. Toda a história do povo de Deus era ligada ao fato de “não ser daqui” ou de “ser de lá”, e as leis dadas aos judeus ressaltavam a necessidade de tratar bem ao estrangeiro “pois estrangeiros fostes na terra do Egito” (Lv 19.34) e a realidade é que “Sou forasteiro à tua presença. peregrino como todos os meus pais o foram (Lv 25.23-24; Sl 39.12) – seja qual for minha origem étnica! Tratar mal ao estrangeiro era idêntico a maltratar o órfão e a viúva! (Dt 24.17- 21). Quando Jeremias repreendeu o povo de Judá por perverter a justiça e o juízo, ele disse, pelo Senhor: “livrai o oprimido das mãos do opressor; não oprimais ao estrangeiro, nem ao órfão, nem à viúva; não façais violência, nem derrameis sangue inocente neste lugar” (Jr 22.3).

O Novo Testamento expande a visão do estrangeiro, valorizando a cidadania verdadeira da qual fazemos e somos parte: “embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus” (2Coríntios 5.20). Paulo ainda pede que Deus lhe dê ousadia para falar por ser ele “embaixador em cadeias” (Ef 6.20). Outrora rude pescador, o apóstolo Pedro faz um sensível apelo a uma vida cristã exemplar em razão de nossa condição de peregrinos e forasteiros:

Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma, mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação. Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem. Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos; como livres que sois, não usando, todavia, a liberdade por pretexto da malícia, mas vivendo como servos de Deus. (1Pedro 2.11-16)

A razão principal de um comportamento digno para com todos, porém, é que todos os cristãos “já não são estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus” (Ef 2.19). Em Jesus Cristo, pessoas de todas as tribos, povos e raças virão louvar juntos ao Senhor do Universo – e não haverá mais barreira de língua, cultura, etnia – seremos participantes da “grande multidão que ninguém pode enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas” que se encontram em pé diante do trono e diante do Cordeiro (Ap 7.9). Será uma Internacionale autêntica, singular e única, que inclui a todo ser humano!

 Quando adolescente, eu me correspondia com pessoas de muitos países – Gana, Camarões, Israel, Malásia, Estados Unidos, Suécia – e boa parte da minha mesada era gasta em selos, e meu tempo em escrever para meus pen pals. Hoje ainda tenho amigos de todas as partes, embora os meios de comunicação sejam outros e os comunicadores vão desde missionários, pastores e pensadores até questionadores sinceros, hereges incertos, e debatedores intransigentes. Continuo no ministério santo de servir ao Senhor do Universo e a seu povo por todo o mundo – escrava e embaixatriz, singularmente estrangeira e forasteira, participante de um povo separado, unido em um só Rebanho pelo sangue de Jesus Cristo.

Elizabeth Gomes



[1] Hinário Novo Cântico # 288

sexta-feira, novembro 23, 2012

MENTALIDADE DE TELEGRAMA PT CURTÍSSIMA PT


 
Quem sugeriu foi o Firmo Malasartes vg primo do Pedro pt Contou que recebeu um e-mail com um link (httpptpt//ibuikyptblogspotptcomptbr/2008/11/crimes-contra-honra-no-dia-dia-quem-porpthtml ) que acessou e ficou pasmo ptpt se a gente chamar alguém por aquilo que ele é vg é crime de preconceito pt Em plena era da internet vamos ter de chamar a coitadinha de telegrama a fim de não incorrer em crime de preconceito virtual pt

Não parece coisa de sábio? Quero dizer, chamar a pessoa pelo contrário do que ela é? Certo que não é coisa nova; os jornais escritos e falados da bola plim plim já vinham fazendo isso há algum tempo em termos de notícias de agenda política: “A turma da terra atacou os sem terra da faixa só porque estes estavam comemorando São Yahya com cem foguetes terra terra por dia”. Só que agora é pior, pois, se chamar alguém de honesto é capaz de ir parar na hospedaria de vitimizados; se disser a alguém que ele é aquilo ou aquela, o poder desce de chicote; pior ainda, se chamar alguém de conceituoso prévio, aí, não tem jeito, a que dá leite foi pro brejo.

Parece-me que essa fobofobia vai longe. O povo está ficando cada dia mais instruído, como se vê do exemplo recente – o Supremo manda prender os honestos e o povo ainda vota neles. Que mais podemos esperar? Já pensou, que dizer que somos protestantes reformados chiítas (viu como escapei do crime?) é xingamento, mas se for o próprio protestando, é elogio?

E o que dizer do clima de paz e segurança que está aí? Alguém vai ter de processar a Bíblia, pois ela diz sem nenhum medo: Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade; põem o amargo por doce e o doce, por amargo (Isaías 5.20)!

Saúde pt

Wadislau Martins Gomes

sexta-feira, novembro 16, 2012

"SEU" GARCINDO E O JOÃO DE BARRO



 

– Que passa, véio?

O ar brejeiro de dona Déia deixava-a linda

– Está com jeito de quem viu passarinho verde – ela completou

– Não é verde não, é o João de barro ali na barriguda.

No galho espinhento da paineira o pássaro ia, de bico em bico, fazendo sua casa.

– Estou aqui, matutando sobre o caso daquele pastor que veio na outra semana. Parecia ave sem ninho.

– Que foi que vocês andaram falando?

– Das coisas. Tem crente que de tanto escutar a canção do João de Barro parece que virou ave sem perdão para dar. Sabe? “O João de Barro pra ser feliz como eu...” – cantarolou.

– ?!

– Tem crente que é joão de barro só de pena. Peito estufado, bico agudo, faz e acontece, mas se a mulher escorrega, fecha a porta da casa com ela lá dentro.

– Estou voando.

– É essa coisa de a gente pregar o que não vive e querer que os outros vivam o que a gente prega. É só trilado de salvação, transformação, mas só no vento. Para muitos, o Deus que cuida das aves só se ocupa com as “perdidas”; as de casa eles acham que não têm jeito não. Assim é melhor nem casar com joão de barro.

–Ainda estou no ar.

– Esse moço, o pastor, andou batendo asas e a passarada arreliou. O homem já mudou, é construtor sério, asa forte, canto firme, só que não é joão de barro, é curió, e por isso os outros penados não lhe dão trela.

– Ah!

– Pois é, fico pensando no rei Salomão que não se vestia bem como as aves, mas sofria como uma. Queria ser passarinho só para por música no seu poema: “Como o pássaro que foge, como a andorinha no seu voo, assim, a maldição sem causa não se cumpre” (Provérbios 26.2). É letra bem mais verdadeira do que a do João de Barro; tem esperança.

– Ainda não entendi tudo, mas começo a ver alguma coisa no céu.

– Os joãos de barro não sabem que Deus tem poder para criar passarinho do nada. Se soubessem o que Deus pode fazer na vida da gente não ficavam se apoiando em galho seco.

– Agora é que não sei mais nada!

– Nem eles, nem eles. Conversa vai conversa vem, saiu um comentário bobo que nem grasnada de urubu, e veio diz que me disse de periquitos, conversa de ajurujuru; e o moço estava no meio. Ficou jururu que nem o passarinho do Salomão. Disse que fez até uma canção.

– E como é?

– Uma coisa do rei Davi: “Tu fazes rebentar fontes no vale, cujas águas correm entre os montes; dão de beber a todos os animais do campo; os jumentos selvagens matam a sua sede. Junto delas têm as aves do céu o seu pouso e, por entre a ramagem, desferem o seu canto” (Salmo 104.10-12).

– E o que ele quis dizer?

– É nisso que eu pensava enquanto via o João de barro. Enquanto tem crente fechando as portas das casas, o moço abria para eles a casa do Senhor. Disse que era tristeza sem mágoa, que orava por eles e que, se pudesse, ainda dava de beber. Imagine, no bico!

Wadislau Martins Gomes

quinta-feira, novembro 15, 2012

TRABALHO INFANTIL: A ÉTICA PROTESTANTE DO TRABALHO E O QUE ENSINAMOS AOS NOSSOS FILHOS

São José Carpinteiro - Georges de La Tour, Paris, Louvre

Cena um: após o culto vespertino de um dia cheio tomado pela conferência missionária, três pastores e suas esposas estão em uma pizzaria ao ar livre. Um menino com não mais de oito anos vem até a mesa para pedir uns trocados e, quando um dos pastores pergunta onde estaria sua mãe e quem havia deixado que ele estivesse na rua a essa hora, ele responde:

 – Tá’li esperando meus irmão trazê o dinheiro. Ela que mandou a gente trabaiá nessas hora que gente rica come e tá cansada.

Eu era uma das mulheres e fiquei, como as colegas, indignada com o trabalho a que o menino era submetido a essa hora da noite. Tive vontade de dar um pito na mãe por explorar a vulnerabilidade do filho, mas isso não resolveria o problema. São centenas, milhares de mães, pais, tios e outros parentes que usam crianças como fonte de renda, explorando a compaixão alheia. Não me lembro de como acabou a cena. Estávamos condoídos pela situação que se repete por todo o país, apesar dos programas assistenciais e assistencialistas do governo e das tentativas de cristãos para mudar o estado de coisas por meio de um evangelho ativo que corrobora a pregação das boas novas de Cristo. Tem muita criança pelo Brasil afora que garante “os trocados” dos pais mediante seu trabalho – esmolando, limpando parabrisas de carro, vendendo drops e chocolates ou, pior ainda, vendendo o próprio corpo mal iniciado na adolescência. É a escravidão do mais fraco oprimido pelo mais forte.

Cena dois: um menino em zona rural atrela um bode ao carrinho feito pelo pai carroceiro a quem imita levando sua pequena carga até um destino vizinho. O menino tem orgulho do trabalho realizado depois das aulas e, apesar da idade, faz serviço útil e bem feito que lhe dá mais do que um senso pessoal de valor. Quando foi mostrada sua história no programa rural da TV, imediatamente diversas pessoas se manifestaram contra a “exploração do trabalho infantil”.

Cena três: uma mãe hospedada na casa de amigos observa que os filhos da casa prontamente tiram a mesa, lavam, enxugam e guardam a louça, e se explica à mãe hospedeira:

– Em casa meu marido não admite que nossos filhos ajudem na cozinha ou arrumem suas próprias coisas. Ele diz que o trabalho de criança é estudar e que adulto não tem o direito de exigir que meninos façam qualquer trabalho doméstico.

Trabalhei por alguns anos como assistente social de língua portuguesa para uma agência de defesa da criança abusada e negligenciada, em Somerville, Massachussetts. Era triste averiguar situações de abuso físico e psicológico que algumas crianças e adolescentes sofriam. Esses abusos ocorriam não apenas em famílias de baixa renda, mas também em famílias abastadas que “davam tudo para seus filhos”. O horror do abuso sexual deixa marcas para toda a vida. É injustificável a violência do abuso físico a que pais, mães e responsáveis submetem as crianças, quebrando-lhes braços, queimando-as com cigarros ou ferro elétrico, ou lanhando-lhes as costas com surras que derrubam até gente grande e forte. Nas escolas, as crianças eram instigadas a delatar qualquer abuso que tivessem sofrido, verdadeiro ou produto de mentiras para obtenção de alguma vantagem. Muitas vezes a única solução que o Estado tinha era retirar a criança do “nocivo convívio familiar” e colocá-la sob o cuidado temporário de famílias substitutas pagas para isso. A fim de se qualificarem a esse trabalho, os “pais substitutos temporários” recebiam treinamento psicossocial dado pelo departamento de serviço social do governo dos Estados Unidos e pagamento por cada criança sob seus cuidados. Supostamente eram visitadas a cada mês para reavaliar a situação com vistas à recondução aos progenitores. As crianças recebiam dinheiro para roupas, calçados e pertences pessoais – um “bom dinheiro”, muito mais do que teriam se estivessem vivendo com os pais. Cria-se assim uma indústria de assistência à criança em que os pais substitutos lucram, as crianças perdem os vínculos familiares e, além da vitimização real, desenvolvem um senso inflado de vitimização juntamente com um senso de “direitos” (entitlement) sem um mínimo de responsabilização pelos próprios atos, atitudes e faltas.

Foram quase dois anos na assistência de crianças e foi com alívio que passei para um trabalho duro, mas menos sofrido – com adultos portadores do vírus HIV. Contudo, valeu a lição. Nas situações de abuso ou negligência infantil, sequer um caso havia de serem forçadas a trabalhar. Antes, tudo era lazer e divertimento – mesmo no trabalho escolar. Meu coração se condoia ao pensar nas muitas crianças brasileiras, mendigando moedas e migalhas junto à mãe ou tia, dormindo ao relento e sob marquises de imponentes prédios ou pontes. Apoio os esforços de cristãos conscientes que procuram mudar o quadro. Amigas assistentes sociais – como Alva, Mary, Júnia – desenvolviam trabalho compassivo em prol da criança, ensinando aos pais (quando existentes) a pescar em vez de lhes dar o peixe podre do assistencialismo – dando chance às mães de cuidar, alimentar, educar e manter a criança na escola.

Realmente, o primeiro trabalho da criança é estudar, e ela tem de ter condições e estímulos ambientais para isso. Infelizmente tanto o ambiente quanto o estímulo são pouco propiciados para grande parte de nossas crianças. Mas um aspecto da educação que aquela mãe da cena três ignorava ao defender o ócio lúdico do filho é que é responsabilidade primeira dos pais ensinarem os filhos para a vida – não apenas mandá-los para uma boa escola. A criança aprende pelo exemplo: pais que valorizam o estudo e não tem medo do trabalho terão filhos com gosto de estudar e trabalhar. É questão de criar um gosto permanente (Provérbios 22.6: “Ensina a criança no caminho que deve andar, e ainda quando for velho, não se desviará dele”).

Brincar também é trabalho da criança – com a brincadeira e o brinquedo ela aprende por imitação, em doses adequadas para a idade, sobre todas as coisas da vida. Proponho também que essa brincadeira inclua boa dose de trabalho: não apenas brincar de professora, bombeiro ou médica, mas de ajudar nas tarefas do cotidiano. “Gosto de ajudar” era uma cantiga que hoje poucas crianças conhecem – porém, o senso de valor infantil cresce quando o menino e a menina aprendem a cuidar e guardar seus brinquedos. Com isso, ensinamos-lhes a ética de Gênesis 1.28, de cultivar e guardar a terra, de ter domínio sobre a natureza e todas as coisas criadas.

O menino da cena dois não estava sendo forçado ou sendo abusado com o trabalho. Com certeza seu pai conseguia transportar uma carga maior sem atropelos – mas o garoto aprendia e brincava ao trabalhar de verdade com sua carrocinha. Aprendia na escola, na roça ou em casa, e a carga lhe era leve por ser prazerosa. Responsabilidade diária, sim. Ajuda verdadeira ao pai, sim. Esse trabalho infantil que realizava não era abuso – era melhor que andar de bicicleta ou na roda gigante!

Quando ensinamos a criança a expressar criatividade nas atividades corriqueiras – a limpar o que sujou, a arrumar o que desarrumou, e a valorizar um trabalho bem feito – não a faremos sentir-se abusada, mas, sim, importante e participante da família, da vida cotidiana. Ela aprenderá habilidades que nunca deixará de usar.

Claro que pai e mãe não podem dar aos filhos tarefas acima de sua capacidade nem lançar sobre eles responsabilidades que os próprios pais não queiram desenvolver. Às vezes, deixar a criança ajudar dá mais trabalho do que fazer a tarefa sem ela (por exemplo, chão molhado pela criança que orgulhosamente lavou sozinha a louça), mas o motivo de deixá-la participar do trabalho não é a perfeição e sim a educação na justiça e no amor. Mesmo se a família tiver ajudante para os serviços domésticos, será importante, por exemplo, que a criança aprenda a estender sua própria cama. Lembro-me da vergonha de uma moça de quinze anos quando pela primeira vez na vida teve de arrumar a cama, em um acampamento de jovens, e não sabia como! Arrumar a mesa para o lanche e lavar alguns copos e pratos deve fazer parte do currículo de cada criança. Quando for maior, saber esquentar uma comida ou fritar um ovo serão úteis, mesmo se tiver sempre quem o faça por ela. Nunca me esquecerei do orgulho de minha filha de sete anos, ao esquentar, por à mesa e servir o jantar a seu avô que nos visitava, antes de a mãe chegar da faculdade.

Uma das mais preciosas lições que podemos dar às crianças é aquilo que Jesus disse quando interpelado por trabalhar no sábado: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). Quando Jesus lavou os pés dos discípulos (trabalho para os servos menos valorizados na escala hierárquica) e Pedro protestou, Jesus insistiu que dava o exemplo – que o servo não é maior do que o senhor e o discípulo será bem-aventurado se praticar o que aprende do Mestre (Jo 13.15-17).

Uma das grandes diferenças do pensamento protestante e do pensamento escolástico romano estava na perspectiva do trabalho. De um lado os reformadores, destacando a salvação somente pela graça mediante a fé, independente de obras, davam valor ao trabalho, por mais humilde que fosse, vendo toda obra bem feita como cumprimento do chamado de Deus. De outro lado, a graça de Deus sendo comprada mediante méritos e pagamento, sendo o ideal contemplativo obtido no ócio[1]. Na prática, países estabelecidos por protestantes tinham forte ideal de operosidade, enquanto em países de índole romana o ideal era o de ganhar dinheiro e posição suficientes para colocar outros para trabalhar no lugar dos senhores (e das senhoras). Isso se reflete na maneira como vemos a vida e como ensinamos nossas crianças.

Temos de dizer “não” ao abuso de crianças em qualquer forma que ele se instaure. Temos de dizer “sim” à criança quanto à valorização de seu estudo e aprendizado, sua vida lúdica e também sua tarefa de aprender a trabalhar, cuidar e criar conforme Deus designou desde a infância deste mundo criado por ele. Não exploramos as crianças quando as ensinamos a desenvolver tarefas e responsabilidades na vida – preparamo-las para vidas mais criativas, úteis, completas e plenas, da meninice à velhice!

Elizabeth Gomes



[1] GUINNESS, Os, O Chamado. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, “A distorção católica e a distorção protestante pp. 39-40 e pp. 47-48.

segunda-feira, outubro 29, 2012

O CRISTÃO, O FACEBOOK E O FAKEBOOK

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Facebook é como telefone sem fio. Para os recém vividos, não é o sem fio antigo nem o celular; é uma brincadeira do tempo que as festas eram animadas numa roda em que alguém cochichava um status no ouvido próximo e ele era compartilhado com o seguinte, até voltar à origem. Dava um bué! Saia coisa como “salada de mamão macho” e voltava como “sai de baixo que vem a mão”. No Facebook, cada um lê quando e como quer. Outro dia, alguém me perguntou quando é que eu viajaria, a que de pronto respondi: “amanhã, às 8”. A mensagem era de uns dias antes e já havia outra na linha: “Bom dia, dr. Tudo bem?” Ainda bem que o cara tinha cérebro.

Você abre a página principal e vê um monte de coisas que a pessoa “está pensando”: mesas postas, pratos feitos, árvores, eventos, dentros, foras, saudações gerais, tratativas pessoais de cunho delicado tal como “o que você está fazendo?” Nem me pergunte! Outros mandam notícias, fotos, citações, altos pensamentos, risos, choros, mesas postas, pratos feitos, árvores, eventos, dentros, foras, saudações gerais, e a gente curte; as de interesse pessoal, compartilha.

Entre tapa e beijos, eu gosto do Facebook. Demorei para entrar, mas dou uma boiada para não sair. O Facebook é bom por uma centena de comentários, mas, aqui, vão dois: um, revela a pessoa como ela é e, dois, revela a pessoa como ela é. A diferença é que um é o Facebook e o outro é o fakebook. O fakebook não esconde a espinha inflamada da foto nem da alma. Facebook é superficial e profundo; fakebook é superficial e chato. Adaptando o que disse o meu filho Davi, Facebook é intimidade aparente e fakebook é nudez real.

De fato, facebook é um instrumento de comunicação que permite de oi e oba até boi e boba. Tem gente que envia graça até que com certa graça, tem gente que faz graça, e tem quem curta e compartilhe desgraça. Vai lá! Não gostou, é só deletar o feião. O problema é o que fazer com amigos amigos. Amizade não se faz num dia nem se apaga num clique; assim, o negócio é separar as coisas em categorias: sala, cozinha e banheiro.

Noutras palavras, há papo que é público, outro que é reservado e outro que é privado. A coisa toda está à mostra e deve ser tratada com inteligência, arte e bons afetos. Inteligência, bem... Já arte tem um lado inteligente e outro de bom gosto, e essas não são opcionais. Tudo que dizemos e exibimos, além de expor quem somos, porta um tanto de responsabilidade quanto ao Senhor a quem amamos e servimos e ao próximo a quem deveríamos amar e servir no Senhor. Como disse o Paulo da Bíblia em um lugar: “pouco se me dá de ser julgado por vós (...) nem eu tampouco julgo a mim mesmo (...) quem me julga é o Senhor (1Coríntios 4.3-4) e, em outro: “que ninguém se preocupe comigo mais do que em mim vê ou de mim ouve” (2Co 12.6). E essa é a chave: na sala, estamos à vista e sem cochichos; na cozinha, ensaiamos um dedo de cafezinho com cuidado e fala mansa porque a porta tem ouvidos; no lugar de lavar o rosto e escovar os dentes, aí é melhor fechar a porta e ligar um mata som – não podemos expor as vergonhas.

Na sala, o bom tom manda que não cobremos, acusemos ou corrijamos as pessoas. Além do lugar comum da frase “errar é humano”, tem aquele risco de aparecer nosso próprio erro, no mínimo, de falta de educação. Se a pessoa for amiga, deixa pra lá porque “o amor cobre multidão de pecados” (1Pedro 4.8), e, se for amigo mesmo, também, porque “O que encobre a transgressão adquire amor, mas o que traz o assunto à baila separa os maiores amigos” (Provérbios 17.9).

Tem disso e tem daquilo, mas na sala, cruze as pernas com elegância, não sacuda os braços nem lance perdigotos juntamente com as palavras. Na cozinha, a conversa é mais íntima, reservada. Se for você quem estiver lá, exponha o coração, mas não os intestinos; dobradinha e buchada ficam bem na panela. Se outros estiverem lá, lembre-se de que sapo de fora não chia nem se intromete nem critica senão vira perereca venenosa. Espere o chamado do tanoeiro ou do cururu ou do sapo boi. Se for colhido de surpresa, finja que está no pântano, dê um coaxado, uma limpada de garganta, uma tossidinha e vê se dá para filar um bolinho de chuva. No banheiro, ah! você acha que eu preciso disso? Não quero ver ninguém lá, nem rusga de casal nem iras nem náuseas.

Vamos lá, pessoal! É divertido – até que alguém bote aquela foto ou aquele comentário. Aí, jacaré tem boca maior do que a do sapo. Tem não, gente; o jacaré é manso.

Wadislau Martins Gomes

sexta-feira, outubro 26, 2012

MISSÃO DE DEUS OU "FAZER" MISSÕES?


Nasci em família cristã e vim ao Brasil aos quatro meses de idade com meus pais. Sempre nos foi transmitida a idéia de que éramos “missionários” porque saíramos de nossa terra e viéramos a outro país realizar a obra de evangelização e plantação de igrejas. Meus pais labutaram dezessete anos no Brasil, ligados ao Board of Foreign Missions da Southern Presbyterian Church e afiliados ao West Brazil Mission. Nosso primeiro lar foi em Patrocínio, MG, onde fui batizada ainda pequenina. Meus pais aprenderam a língua portuguesa e eu aprendi a falar na língua deles bem como na língua dos “objetos do seu esforço”. Após “dominar” a língua, meu pai foi designado para o pastoreio em Monte Carmelo, Minas, e minha mãe atuava como educadora cristã, enfermeira, parteira, organista ou acordeonista, dependendo de o culto ser dentro da igreja ou algum outro lugar, para onde o acordeão era facilmente transportado. Eu acompanhava meus pais para todo lado e sentia-me privilegiada por ser missionária com eles.

Com quatro anos de idade, sob forte convicção de pecado, percebi que nunca aceitara pessoalmente a Jesus como meu Salvador, e orei com minha mãe para receber Jesus no coração.  Meus pais liam a Bíblia comigo e, depois que aprendi a ler, orgulhava-me de fazê-lo sozinha, orar e cantar hinos e corinhos – e evangelizar outras crianças vizinhas. Um hino que aprendi cedo foi “Mesmo um menino pode crer na salvação de Deus” (Cânticos de Salvação para Crianças, APEC) e também cria fielmente na letra de outro: “Posso se um missionariozinho ao falar de Cristo ao meu companheirinho; posso trabalhar em minha terra; manda-me pois Senhor”.

 A ideia que eu imitava e compartilhava com meus pais e com outros crentes – tanto missionários quanto “objetos”[1] da missão, era que seríamos missionários por haver saído de uma terra de origem para pregar a outro povo – e assim, éramos um pouco mais importantes (e mais dedicados!) no reino de Deus do que os crentes comuns. Isso trazia também mais responsabilidades: eu tinha de ter um melhor comportamento que o de meus amiguinhos, ser exemplo de crente e sempre agir como “filha do Rei” (ou filha de missionário).

Depois de um ano de férias nos Estados Unidos, onde de certa forma éramos “celebridades” – pelo menos entre as igrejas que participavam de nosso sustento – voltamos ao Brasil, desta vez para Goiânia. Ao pastorado papai acrescentou a atividade de programa de rádio, e minha mãe nos ensaiava (minha irmã e eu) para cantarmos duetos na rádio – críamos piamente que nós mesmas estávamos evangelizando através da música. Jamais admitimos (a nós ou aos outros) nosso orgulho exibicionista (eu sou filha do Rei… herdeira com Cristo, sim, sou filha do Rei, uai! É bom demais da conta!) porque estávamos proclamando o evangelho.

Aos onze anos viajei com uma família da missão Novas Tribos para o norte de Goiás (hoje Tocantins) onde atuavam como missionários entre os índios. Fiquei empolgada com seu trabalho. Um ano depois, em uma conferência de um avivalista em Goiânia, fui à frente atendendo o chamado de Jesus, decidindo que serviria ao Senhor onde quer que ele mandasse. Na época, estava fascinada pelo evangelismo de judeus e até me correspondi com diversos missionários (adultos) para aprender mais sobre esse trabalho. Missões, até então, era um trabalho que dependia da nossa decisão e realização!

Meus pais deixaram a missão presbiteriana e se tornaram batistas independentes, e nessa ocasião eu os acompanhei “às águas”. A igreja a que nos filiamos era avivada e zelosamente legalista. Passei a ensinar na escola dominical para uma classe de meninas de oito anos. Sentia-me realizada como missionária mirim que se achava grande coisa para Jesus.

Muitas pessoas foram influenciadas por meus pais. Em 1984 – apesar de ele haver se afastado do ministério desde 1965 e abandonado minha mãe, bem como suas filhas, desde o meu casamento em dezembro de 1966 –  diversos “frutos de seu antigo ministério” agora atuantes líderes nas igrejas pelo Brasil afora, pela graça de Deus estavam presentes no sepultamento do papai.

Juntamente com meu marido e outros nove alunos, fui da primeira turma do Instituto Bíblico Palavra da Vida, preparando-me para missões. Continuava com a visão missionária de “ir” – sair de uma terra para um lugar distante a fim de compartilhar as boas novas – como fez Carrey, o primeiro missionário da era moderna.

Ali, começamos a aprender que o imperativo de Mateus 28.29-30 não era um de ir, mas de fazer discípulos onde quer que estivéssemos indo. Respirávamos missões desde o acordar até o dormir – e muitas vezes sonhamos com algum lugar distante onde serviríamos com abnegação ao Senhor da Seara.

Quando nos casamos, tínhamos em mente que seria em algum canto obscuro entre índios, mas começamos a nos empolgar também pelo evangelismo de judeus e, em janeiro de 1969, logo após a ordenação do Wadislau, fomos para Belo Horizonte como os primeiros missionários da Missão Brasileira Messiânica. Nosso filho Davi, “pequeno missionário” (com um ano e três meses!) nos acompanhava nas idas para “levantamento de fundos” e pregação da palavra.

Os anos foram passando, e alguns conceitos foram mudando. O evangelho de Jesus Cristo conforme ensinado no Antigo e no Novo Testamento, não muda – mas nosso conceito de missões foi se expandindo e sendo burilado pelo Espírito Santo. Hoje entendemos que não somos nós que “fazemos missões” – a missão é de Deus – parte de Deus e não de nossas obras, e é realizada por ele. Missão é um termo de propósito ou alvo em longo prazo que será atingido mediante objetivos próximos e ações planejadas. Dentro dessa missão tão ampla, há espaço para missões subordinadas, no sentido de tarefas específicas designadas por uma pessoa ou grupo de pessoas, que serão realizadas como passos em direção à missão mais ampla. Mas temos uma abordagem missiológica de toda a Bíblia, porque a missão é de Deus e ele fala através de sua Palavra, ensinando “o propósito pelo qual a Bíblia existe, o Deus que a Bíblia nos entrega, o povo cuja identidade e missão a Bíblia nos convida a compartilhar, a história que a Bíblia conta sobre Deus e sobre esse povo, bem como sobre o mundo inteiro e seu futuro, que abrange passado, presente e futuro, a vida, o universo e todas as coisas…”[2]

Estamos aprendendo missões na palavra de Deus. Lemos a Bíblia de forma missional, como matriz hermenêutica para nosso entendimento da Escritura e do mundo. Enquanto cumprimos a missão de Deus no mundo de fazer convergir nele (Jesus Cristo, Deus encarnado – Ef 1.10) todas as coisas, para a sua glória, ele faz em nós tanto o querer quanto o realizar.[3]

Não tenho a profissão de missionária; sou professora de inglês ainda que hoje não a exerça; sou tradutora de livros, comunicadora e escritora. Minha função primária é de ajudadora de meu marido e apoio para filhos, noras, netos e quem porventura chegar a nossa casa.

Tenho funções polivalentes, como um canivete suíço, mutáveis e sempre em transição, com a meta de amar, obedecer e servir a Deus em casa ou por onde passar até os confins da terra. Sou enviada a cumprir a missão de Deus, pois desejo proclamar o evangelho da missão de Deus em palavra e vida. Sou uma missionária fracassada, pois não tenho grandes feitos em meu currículo – mas sirvo a um grande Deus de visão missional – e continuarei nisso até que ele me leve à sua presença total nas bodas do Cordeiro.

Aqui na terra, aprendo a cada dia com obreiros que servem às crianças, aos atletas, aos idosos, aos jovens, aos hospitalizados, aos indígenas, aos universitários, aos judeus, aos pescadores e a toda espécie de pecadores – aprendendo cada dia a conhecer melhor a Jesus, o poder da sua ressurreição e a comunhão de seus sofrimentos (Fp 3.10). Não existe vida melhor que essa! Não existe outra missão senão essa – glorificar a Deus e gozá-lo para sempre[4].

Elizabeth Gomes



[1] Essa idéia de “objeto” ou “alvo” estava sempre implícita nessa “bulls’-eye theology” (centro do alvo) adotada por missionários, obreiros e “crentes comuns.”
[2] Wright, Christopher, The Mission of God, Downers Grove: InterVarsity, 2012, p. 23
[3] Ibid, p.32
[4] Primeira resposta do Catecismo de Westminster
 

terça-feira, outubro 16, 2012

UMA DO "SEU" GARCINDO


Lá na pequena Bocaina, os quase setenta anos do seu Garcindo fazem gosto. Bole na horta, inspeciona a cozinha da dona Déia, paga um tempo no quarto munido de óculos e Bíblia, larga o corpo na cadeira de preguiça do alpendre e vê passarem os amigos e a semana. Aqui e ali, um dedo de prosa com o seu Amâncio, vizinho da esquerda que havia se convertido, com o da direita que ainda reluta um pouco, ou com um e outro conhecido. Mudança, muito pouca. Mas a espera do sábado com promessa de domingo enche-lhe a alma e os dias. Sábado tem filhos e netos chegando, reunião de famílias amigas “para falar de Cristo” e, domingo, a igreja.

Seu Garcindo conheceu a fé ainda moço na fazenda onde ouviu um pregador falar de “Jesus Cristo, do povo de Deus, e de mim”. Vida simples, devoção profunda, muito gosto de orar com e por dona Déia, de orarem juntos pelas famílias já saídas de casa, e pelo pastor e “irmãos da igreja”. Um evangelho simples, entendido e obedecido em oração.

Outro dia, vieram uns moços de igreja da Capital para passar o fim de semana. Encheram as casas dos crentes com histórias e risos parecendo assuada de passarinhos. Tinha de tudo, pardal, andorinha, sanhaço, beija-flor, corruira... e também falavam de tudo, de folha de alface e quirera até painço e farinha de minhoca. Em igrejês, havia um tal de louvor diferente, umas coisas de célula, oração de poder, estratégia de crescimento de igreja – “tudo muito longe do meu bico”. Umas aves mais sofisticadas falavam de neoisso, neoaquilo, quem era mais penado, mais colorido, mais bicudo...

Seu Garcindo ficou a semana inteira com a visita enroscada na cabeça “que nem colerinha no visgo”. Eram os trilados que a passarada usava para cantar na mesma língua, “bem afinados, mas muito novidadeiros”, as críticas dos urubus aos gorjeios dos curiós, os eu acho e eu preciso que era mais para ter o que ciscar do que para comer.

Enquanto regava o canteiro, arrancava uns matinhos e juntava mais terra ao pé da planta, seu Garcindo dava tratos à bola, digeria uns pensamentos e dava lá suas tiradas com os próprios botões. Na sexta-feira, depois das orações, ele disse à dona Déia:

— Sabe, mulher, não sei se vou conseguir ser crente do jeito que os crentes da Capital falaram; já devo estar velho pra isso. Pensei, meditei, e cheguei a umas coisinhas.

— Que coisinhas?

— Ah! concluí que vou ficar com o que tenho, arrancar o que não presta, e crescer naquilo que ainda não tenho.

— Como assim?

— Bom, é melhor chorar com o que deve ser chorado do que rir a toa e fazer graça para parecer alegre; é melhor ter fome do reino de Deus do que ciscar na terra da insatisfação.

— Explica, meu velho.

— Por exemplo: quero ter humildade para saber o meu lugar no reino de Deus, mansidão para não querer controlar as coisas, misericórdia para entender os problemas dos outros, limpeza de coração para ver o que Deus está fazendo, e paz do nosso Senhor para viver com todos.

— Mas será que não vão dizer que você não é bom crente?

 Wadislau Martins Gomes

segunda-feira, outubro 15, 2012

MISSÃO DE MÃE?!



A expressão mulher cristã requer um entendimento de que é coisa imprescindível que todos os aspectos da vida sejam vividos diante de Deus. Assim, tenho me alegrado e me condoído, questionado, estudado, sofrido, e compartilhado as condições de mulheres dentro e fora da igreja de Cristo. Sempre estive envolvida no trabalho feminino das igrejas. Nossa igreja nascente ainda está firmando os passos doutrinários éticos para estruturar trabalhos da infância, adolescência, mocidade, mulheres ou dos homens. Temos pessoas de todas as idades em nossa congregação – homens, mulheres, crianças e jovens vão se convertendo dia a dia e se firmando na fé, aos poucos firmando compromisso com a igreja em obediência e amor ao Senhor da mesma. Nossos pastores demonstram amor aos pequeninos e aos grandes, procurando preparar a todos – solteiros ou casados, para participar da família da fé. Grupos se reúnem nos lares para instrução, comunhão, adoração e serviço a fim de trazer os indivíduos à maturidade no corpo de Cristo.

Estudando sobre o que significa estarmos “arraigados e alicerçados” em Cristo, uma coisa que ficou clara é que temos de entender e cumprir as razões bíblicas para cada atividade. Para isso, estamos estudando os dons espirituais e descobrindo qual nosso dom e como desempenhá-lo. A Bíblia tem diretrizes muito nítidas para o ministério feminino, especialmente nos escritos de Pedro e de Paulo no Novo Testamento. Pedro era casado, e em seu ministério (como a maioria dos apóstolos) fazia-se acompanhado de sua esposa (1Co 9.5) – daí sua sabedoria ao falar sobre os relacionamentos decorrentes da conversão: “Estáveis desgarrados como ovelhas; agora porém vos convertestes ao Pastor e Bispo de vossa alma (1Pe 2.25). Mulheres, sede vós a igualmente submissas...para que se ele ainda não obedece a palavra, seja ganho sem palavra alguma...(1Pe 3.1); Maridos, vós igualmente vivei a vida comum do lar com discernimento e consideração...” (1Pe 3.7).

Paulo, talvez, seria solteiro, ou viúvo, mas pelo mesmo Espírito Santo escreveu também com grande sensibilidade sobre os relacionamentos no lar e fora dele como a relação entre Cristo e sua igreja: “sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo” (em seguida ele exemplifica com as esposas) “As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor (...) Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela... Assim também os maridos devem amar a sua mulher como ao próprio corpo. Quem ama a esposa a si mesmo se ama” (Ef 5. 22,25, 28). O relacionamento entre os cônjuges é primordial e protótipo para os demais relacionamentos na igreja. Assim, para viver plenamente nossa feminilidade, após aprimorar nosso relacionamento com Deus (Mt 5.33), o primeiro aspecto a considerar será nosso relacionamento com o marido e com as outras pessoas que fazem parte da igreja. Queremos ser mulheres que auxiliem a igreja – de Gênesis até o Apocalipse, a função feminina é de auxiliadora idônea (far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea, adjutora que esteja como diante dele – Gn 2.18).

Nem todas as mulheres são casadas – aliás, ser mulher cristã inclui desde as meninas e moças a viúvas e mulheres que estão sozinhas por escolha ou pelas vicissitudes da vida – e nossa identidade como mulheres está em participar do corpo e noiva de Cristo – não em nosso relacionamento com homem algum. Vemos em Jesus Cristo que a pessoa solteira é inteira e íntegra – jamais identificada pelas pessoas a quem está ligada, mas pela Pessoa do Deus Conosco. Em todos os casos, nossa função, tanto na igreja quanto na vida familiar, é a de ajudar – e nossas ações devem sempre levar isso em conta. Daí a importância de qualquer atividade que tivermos não ser exclusivista, e sim, proativamente inclusiva. Na vida atarefada de hoje, temos pouco tempo livre e esse não deve ser dedicado a atividades em que nos afastemos da família, dos filhos, uns dos outros. Existem, sim, aspectos e interesses diferentes para homens e para mulheres – não alvos diferentes, mas perspectivas múltiplas e singulares que requerem comunhão diferenciada.

Uma igreja irmã resolveu essa questão fazendo as reuniões das mulheres e as dos homens simultaneamente – no caso dela, em casas próximas uma da outra, com temas de estudo interligados, com as perspectivas femininas vistas no estudo bíblico das mulheres e os de problemas e soluções dos homens a questões ligadas a sua condição masculina. A família sai juntos para o estudo bíblico e se divide para intensificar e praticar seu entendimento dos aspectos particulares a cada um. Interessante que um menino de uns nove anos tenha comentado para a avó: “Estou estudando o trecho para a reunião dos homens que vamos ter hoje à noite”. As crianças também são incluídas – valorizadas como participantes desse aprendizado.

Quando Paulo iniciou seus conselhos distintos para homens e mulheres, começou dizendo aos homens “Quero que os varões orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e animosidade” (1Tm 2.8). Muitas pessoas acham que a oração é atividade típica das mulheres – e temos visto na história da igreja que mulheres que oram têm visto grandes transformações. Mas Paulo enfatiza a necessidade dos homens se envolverem em oração, levantando mãos (os instrumentos de seu labor e labuta) santas, sem animosidade! Uma típica atitude ostensivamente masculina não poderá ser contraposta com descaso, ressentimento ou competição, mas terá de ser amparada pelo espírito manso e tranquilo que Deus requer de homens e de mulheres!

Logo após, Paulo dá alguns conselhos às mulheres que, de início, poderão parecer sexistas: “as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, porém com boas obras (como é próprio às mulheres que professam ser piedosas). A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio” (1Tm 2.9-12). Por que é que ele começa este assunto falando de traje exterior? Não parece superficial? Por que enfatiza para as mulheres a recomendação de modéstia e bom senso, e vestes de boas obras e piedade? E como é que ele ordena que aprendamos em silêncio e não exerçamos autoridade ou ensinemos o marido na presença de outras pessoas?

Como mulheres do Século 21, temos a tendência de ser mestras – não aprendizes – ruidosas e autoritárias! Uma reflexão timoteana nos dará novas perspectivas sobre nosso ser e nosso fazer. Depois de nos “contrariar”, o apóstolo acrescenta que a mulher “será preservada através de sua missão de mãe, se ela permanecer em fé, e amor, e santificação, com bom senso” (1Tm 2.15).

Hoje em dia as mulheres querem fazer nome por meio da autorrealização – não por sua “missão de mãe”— mas Cristo quer fazer de nós pessoas que cumpram a missão materna, quer tenhamos filhos de barriga quer os tenhamos do “Espírito,” como exemplos de doadoras de vida ou até sendo mentoras e instrutoras. Missão de mãe não é uma de ficar na cozinha, grávida, pilotando fogão. É gerar vida, parir vida como na figura de Paulo: “meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós” (Gl 4.19). Toda mulher cristã em submissão a Cristo possui essa missão de mãe! Ah! irmãs amadas, mães, sem filhos, que os perderam, que os tem pequenos e talvez temam não saber educar: Deus nos dá uma missão preciosa e pródiga! aos presbíteros e em seguida aos diáconos, Paulo enfatiza que “da mesma sorte, quanto a mulheres (...) sejam respeitáveis, não maldizentes, temperantes e fiéis em tudo” (1Tm 3.11).

Em outro artigo quero delinear algumas estratégias práticas que nós mulheres podemos realizar, mas hoje fica a pergunta: o que quero ser como mulher cristã? Temos de entender quem somos e para que fomos criadas. Somente depois de entender o que seja refletir a glória de Deus como mulheres, poderemos começar a desempenhar alguns aspectos especiais de nosso trabalho, que não será em vão. Rebecca Jones lembra: “É somente o amor de Jesus, o amor do único perfeito e santo homem, que pode nos ensinar quem são verdadeiramente as mulheres. Ele nos compreende e nos ama melhor que ninguém. Deus criou as mulheres à sua imagem, e, enquanto as redime e renova, Jesus Cristo as recria à sua imagem”.[1]

Elizabeth Gomes



[1] JONES, Rebecca, A Mulher segundo a Bíblia, p. 100.

sexta-feira, outubro 05, 2012

COMUNICAÇÃO TRIVIAL OU PERENE?


 

Depois de ler um livro impactante que me faz pensar dez vezes antes de emitir um parecer, e lembrando as inúmeras vezes em que “morri pela boca” ao dizer a coisa errada em hora imprópria a pessoas amadas, estive navegando no facebook e observando as diferenças no que as pessoas postam. Algumas usam o “face” para emitir suas idéias políticas ou censurar a banalização que ocorre em plano geral. Outras o aproveitam como oportunidade para contar suas novidades na cozinha e mesa ou dicas de moda e design. Alguns pastores e estudiosos escrevem para convencer os outros que suas idéias são as melhores, as únicas bíblicas, academicamente sensatas ou teologicamente corretas. Mães e avós recentes compartilham as fofuras de seus rebentos, e pais orgulhosos os prêmios atléticos ou acadêmicos de seus filhos. Algumas pessoas colecionam dizeres e fotos “bonitinhos”, “agradáveis”, angariando pontos para as fãs clicarem o “curtir”.

Confesso que “entrei” no facebook para encontrar amigos(as) e compartilhar idéias, visando especialmente oportunidade de tornar conhecidos nosso ministério e nossos livros. Descobri que essa comunicação é efetiva, rápida, de longo alcance – e super-superficial! Amigos, achei muitos, até quem antes não tinha grande amizade, e algumas grandes amigas de há muito perdidas.

Confesso que dou o “curtir” até mesmo doce apetitoso ou sugestão de sapato confortável e que não custe uma fortuna, ou dicas de onde arrumar livros gratuitos ou passagens mais econômicas. “Curto” todas as fotos de bebês e crianças de amigos, filhos, sobrinhos ou netos, e geralmente “curto” fotos de bichinhos de estimação – embora eu mesma não queira mais tê-los em casa. Descubro mudanças de profissão em algumas amigas: de médica para empresária, de enfermeira para fotógrafa; de aeromoça para psicóloga de agente de viagens para missionária; de dentista para advogada; e um ex-pastor agora é dono de pousada.

Porém, se quero que minha comunicação virtual tenha repercussão eterna, tenho de me concentrar no foco e olhar para Jesus (Hb 12.2). Parodiando o título de um livro genial publicado por um amigo (O que Jesus beberia?) – o que Jesus diria nas redes sociais? Com certeza ele não descartaria as comunicações que as pessoas fazem sobre o que comem ou bebem (ele mesmo foi criticado por comer e beber com os pecadores), mas estaria mais atento ao que está por trás das comunicações escritas, mesmo as que usam emoticons, acrônimos ou siglas, como hehehe, kkkk, LOL e J, e as múltiplas citações heréticas de secularistas ateus ou panteístas, “evangelistas” aloprados como Osteen e Benny Hinn, e “feel good psychologies” centradas em “amar a mim mesmo” e “eu sou mais eu” em vez de “careço de Jesus”.

Às vezes minha própria tendência é de criticar os que pensam diferente de mim, e me calo quanto às suas confusões – quando na verdade, meu coração deveria chorar com os que choram, e ser instrumento da paz de Cristo. Jesus olhava a multidão confusa, com carências e querências maldirigidas, e via-a com compaixão, porque eram como “ovelhas sem pastor” (Mc 6.34).

 Alguns amigos se enveredaram por caminhos que levam de mal a pior, escolhendo relacionamentos tortos ou filosofias torpes – mas ainda assim, são amados pelo Criador, e eu devo usar os meios de comunicação para alcançar seus corações com a Boa Nova do perdão de um Salvador perfeito. Algumas amigas voltaram a doutrinas que aprisionam aqueles que já foram libertados por Jesus. Eu não fui chamada para criticá-las, mas para amá-las a ponto de elas voltarem ao primeiro amor, como diz o antigo corinho baseado em Ap 2.4. Muitos amigos e amigas que vendiam saúde e primavam por atletismo estão doentes: câncer, coração, até HIV acometem servos do Senhor! À medida que vamos envelhecendo, vamos pensando mais na efemeridade da vida que achávamos perene, e precisamos focar a vida eterna, que Jesus definiu assim: “Que te conheçam a ti, o único Deus Verdadeiro, e a Jesus  Cristo, a quem enviaste” (Jo 17.3).

Percebi que o facebook não substitui outros meios de propaganda para meus serviços (como tradutora) ou divulgação dos livros que Lau e eu escrevemos (vaidade ou ministério?). As pessoas geralmente abrem apenas os comentários que têm seus próprios nomes como chamariz – afinal, todos nós somos incorrigíveis narcisistas. Aquilo que falam de nós – bem ou mal – é o que nos toca e nos move a agir, ou protestar, ou contemplar no espelho. E nisso não somos em nada como João Batista, que disse “Convém que ele cresça e eu diminua” (Jo 3.30).

A meta missionária de alcançar mulheres como eu com o amor de Jesus não pode ser de “torta no céu e tolices na terra” – por esta razão, preciso trazer o foco da comunicação ao trono de Cristo, e reconhecer que é só dele todo trabalho, todo mérito, e toda glória. Como é fácil ser “furtadora da glória” e com a cara mais lavada, procurar refletir a mim mesma em vez de resplandecer a glória de Cristo! Preciso que minhas irmãs e meus irmãos enviem “feedback” mais sério do que apenas “curtição”. Tem de comentar: “Está certa, irmã, e eu também luto com isso” e “Minha irmãzinha, pense biblica, e não bethmente sobre isso, e se arrependa!” Preciso constantemente derrubar os ídolos do próprio coração, em vez de apontar para as idolatrias tolas de outros irmãos. Acima de tudo, em vez de concentrar em meu facebook, tenho de reconhecer e assumir para mim: “Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo”(2Co 4.6).

Elizabeth Gomes