sábado, outubro 22, 2022

A PARTIR DAS NOTAS DA XÍCARA MALUCA

 

 


Outro dia, um amigo editor nos mandou dois livros. (Queria que todos os meus  amigos editores tivessem a generosidade de nosso amigo Felipe Sabino, o qual nos regala com a palavra impressa por sua consideração e produção para a biblioteca Refugio! Tais presentes alcançarão e provocarão tantos mais leitores e possíveis escritores)! O primeiro foi a introdução doutrinária de Michael Reeve ao Deus Triuno, que expande nosso entendimento da graça e das glórias do ser de Deus. O outro livro me surpreendeu e provocou fome de beleza na escrita sobre coisas a muito conhecidas e amadas, apresentadas de forma singular, quase inacreditável — a respeito de criação e destruição, crença e descrença, e tudo imaginável entre o tempo e a eternidade. Eu ainda não ouvira falar de N. D. Wilson. Suas Notas da Xícara Maluca me prenderam com sua história estonteante, girando mirabolante, sobre a vida real em relação à vida eterna.  Com a tecidura de cada palavra, eu perguntava, na inveja pecaminosa de uma escritora menor, por que eu não imaginara metáforas tão carregadas de arte. Descobri que Nathan Wilson é muito jovem (mais novo do que meu filho caçula) Professor Adjunto de Literatura e romancista que fez sua marca com livros para crianças que estou desejosa de ler e transmitir aos meus netos. Uma amostra do desequilíbrio de parque de diversões que desequilibra gente grande:

Este universo é um retrato em movimento, um quadro comprimido em moção, uma miniatura, inevitavelmente estilizada, plois procura capturar o Infinito As galáxias são apenas uma fração de uma sílaba em um haiku do Ultimato. Em nível humano, as tentativas de tomar um por do sol de uma moldura menor do horizonte e colocá-lo em um cartão postal; tomar um refrão de blues, a vibração ritmicas das cordas, e cativá-las num sendido de perda; mármore, cunhado e formado até demonsgrar nobreza: uma moldura de cartunista, agarrando a meninice de um garoto de seis anos que toma pelas mãos avidas o o riso solto…

O que é o melhor de todas as coisas possíveis:  Aquilo que é infinito, sempre presente e imerecível. O que é muitos e único. O que é puro, último, contudo humilde. O que é espírito, no entanto, pessoal. Aquele que é justo e misericordioso. Yahweh, Deus, Pai, Filho e Espírito Santo... O melhor de toda Arte possível. Aquilo que revela, captura, e comunica tantas facetas desse Ser quanto é possível em uma moldura finita [Notes from the tilt-a-whirl, N.D. Wilson. Nashville: Thomas Nelson, 2013, p.108 – Editora Monergismo: Notas da Xícara Maluca].

Ambos os livros doados tratam de Deus e como ele define e aperfeiçoa o artista nas suas criaturas portadoras de sua imagem que “comunicam em moldura finita”. Levaram-me a pensar como é ínfima minha propria comunicação, ainda que eu procure fazer o que eu escrevo surgir e fluir com realidade coram deo.

A despeito da admoestação de Dorotéia Thompson, minha antiga professora na Palavra da Vida há mais de cinquenta anos, “seja equilibrada”, a despeito da riqueza de anos comunicando vida cristã, eu ainda cambaleio e às vezes caio de cara no chão. Tome por exemplo a condição de xícara maluca que Paulo lamenta em Romanos 7. 18-25: ... Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado (Romanos 7.18-25).

Este conflito entre o bem que eu quero e o mal que eu sou tem estado comigo desde que eu me tornei pessoa. O maior pensador, fundador de igreja e escritor, o apóstolo Paulo, e uma desequilibrada Beth Gomes que tenta pensar e escrever com consciência  — ambos asseveram que não existe jeito de fugir da nossa condição humana. Isso se exemplifica em todos os aspectos da nossa vida.

Tome, por exemplo, a espada de dois gumes de escrever e traduzir. O desejo de meu coração é escrever bem, ser lida e reconhecida como quem tem algo a dizer e o diz com acuidade e graça. Não almejo riquezas nem mesmo status de altas vendas — só quero compartilhar experiências de vida de modo que toque as vidas de muitas outras pessoas. Quero conhecer melhor a Jesus e comunicar com mulheres e homens, jovens e maduros, como ele me tocou e transformou. A sua história, as minhas histórias, as histórias de gente no mundo inteiro, de lutas internas e batalhas externas daqueles que são tanto extraodinários quanto comuns, com dores e exultações (o poder de sua ressurreição e a comunhão dos seus sofrimentos, conforme Filipenses 3.10), fazem parte do que eu quero escrever.

Como desejo escrever?

Bem, com beleza, simplicidade e pignância. Coisas práticas, os materiais práticos sobre a vida e o amor – sem ser enxerida nem cheia de ar – aprendendo das bocas dos pequeninos enunciações de mulheres e homens inesquecíveis.

O que é que escrevo?

Tenho diversos projetos, e apesar, às vezes, de achar que assumo demais e produzo demenos, propus cinco para os próximos anos:

1) Projeto conjunto com meu marido sobre mudanças na vida tempérada por estudos na carta paulina aos Filipenses –este nós já fizemos e pode ser encontrado e comprado na Monergismo;

2) Transformar em livro acessível minha tese para um curso em Questões Femininas no Aconselhamento;

3) Escrever um livro de histórias e receitas culinárias baseado no que servimos em Refúgio – seu preparo, sua apresentação e sua provisão;

4) Ficção – um romance baseado em missões indígenas versus conflitos ideários de antropólogos e indianistas seculares no Brasil de ontem e hoje. Este tem estado em minha cabeça e tenho pesquisado a vinte anos. Está dois-terços escrito —tenho de completer, achar editor corajoso para publicar, e submeter a publicação;

5) Ficção baseada em histórias muito vezes contadas de mulheres da Bíblia, começando com Ester – onde teço o tapete da Pérsia e sua ameaçada população judia na diáspora, com mulheres do Irã que buscam significado no Deus que as buscou e amou com amor eterno.

Certo, esses projetos devem manter dançando os meus dedos artríticos. Além do que eu quero escrever, há o fato de o que faço atualmente. Uns anos atrás traduzi o Super Ocupado, de Kevin DeYoung, para a FIEL. Foi uma lascada de trinta e nove chibatadas para mim: não encha a vida com ocupações desenfreadas. A tradução — essa atividade de copiar que dá um pouco de dinheiro para despesas não cobertas por ser esposa e/ou aposentada – me devora enome prato do dia.

O trabalho de traduzir livros cristãos possui numerosas vantagens:

1) Aprendo de autores que admiro, adquirindo conhecimento, entendimento e habilidades de homens e mulheres com multiperspectivas;

2) Coloco à disposição a palavra a gente de culturas diferentes daquelas dos autores originais, construindo pontes e consolidando vidas cristãs em lugares que eu nunca poderia alcançar pessoalmente;

3) Estou aprendendo a discernir o que é e o que não é entusiasmo espiritual, intelectual e prático.

Depois de mais de uma centena e meia de traduções por minha pena, perdi a conta, e as vantagens de caminhar por livros, bons e maus, e torná-los boa leitura em outra língua, são muitas para enumerar. Seguem algumas das desvantagens. 

1)      Já indiquei que o meu tempo é sequestrado: quando traduzo o trabalho de outra pessoa, não estou trabalhando no meu próprio livro. Não importa o que eu aprenda ao tornar disponiveis bons livros, contruir pontes e consolidar uma vida cristã, como também melhorar o discernimento — a minha própria produção fica impedida e bloqueada.

2)      Como tradutora, vôo do pesado para o ultra leve, do Carl Henry, Michael Horton, D. A. Carson ou Nancy Pearcey para Dave Powlison ou Ed Welch ou Paul Trip ou John Piper (os últimos quatro não são de conteúdo leve, mas um deleite prazeroso mesmo quando tratando temas pesados). O meu próprio pensamento pode se tornar não só multi-perspectival do Poythress, como tem perigo de se tornar multi-misturado e confuso da xícara maluca de Beth Gomes! 

3)      De vez em quando, aquilo que traduzi se torna tão incorporado em meu próprio trabalho que me esqueço de atribuir alguma coisa a um autor cujo trabalho tenho traduzido, reproduzindo um texto como se fosse meu. Preciso constantemente fazer revisão, verificar novamente o que eu disse e fazer dignas referências a meus precursores.

4)      Quisera existissem anos sabáticos pagos para escritores freelance! Junto com meu companheiro de vida, Wadislau, e o velho apóstolo Paulo, aprendi a estar contente em toda situação, ser huminhada ou exaltada, carente ou bem suprida (Filipenses 4:11). Mas de vez em quando, eu queria ter tempo e dinheiro para comprar mais livros e escrever as histórias do coração em vez dos ensinos doutrinários de outras pessoas! Sei que a gente cresce com os gigantes e com ótimas leituras — às vezds a gente resmunga com as insuficiências e inadequações da minha própria vida. Contudo, esta é uma palavra maravilhosa que sempre terei de compartilhar – prossigo para o alvo, agtentando para coisas que ainda estão à frente!

De algumas formas, sou a mesma menina que escreveu seu primeiro romance aos treze anos e nunca o terminou; de outras, sei que sou mulher madura que continua vendo a escrita como trabalho inacabado, desafio à fé, esperança e amor. Prosseguir não é chatice!

Se você conseguiu apreciar esta leitura, procure e compre Permanências e Mudanças, de Wadislau Martins Gomes e Elizabeth Charles Gomes, Editora Monergismo, Brasília, 2020 e aguarde a publicação do meu próximo livro – Nele nos movemos e respiramos (Título provisório), também da amada editora Monergismo.

 

sexta-feira, fevereiro 25, 2022

DISCERNIMENTO & LEITURA

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Discernindo prazer no bom e verdadeiro, certo ou duvidoso, no mundo da literatura contemporânea


 Estou me deleitando com a leitura de uma série de livros de ficção de uma autora que eu desconhecia três meses atrás: Lucinda Riley. Suas fascinantes historias sobre as sete irmãs do presente século, inspiradas nas Plêiades da mitologia grega, misturam relatos distintos de história da cultura em diversos lugares do mundo com as estórias ligadas à experiencia e personalidade de cada irmã. 


Sempre fui fã de romances históricos, desde os livros de James Michener (A Fonte de Israel; Hawaii) e Pearl Buck (A Boa Terra), Scholem Asch (o Apóstolo e O Nazareno), Taylor Caldwell (Amado e Glorioso Médico) e Ann Frank (não ficção, mas um diário realista de uma jovem judia holandesa na Segunda Guerra) para começar em minha adolescência, até alguns de ontem e hoje como Lewis, Noah Gordon, Geraldine Brooks, BarbaraBarbara Kingsolver, JodiJodi Pcault, Jane Austen, Hemingway, Dickens, Follett, Hailey, Lawhead, Van Trease e uma infinidade de outros. Pela Kindle, acesso mistérios de crimes medievais ou elizabetanos ainda melhores que os de Agatha Christie do século passado. Aprecio uma boa trama, personagens complexos, com conflitos reais e imaginários, vidas plausíveis e verdadeiras em meio ao vasto imaginário de gente que pensa e age e reage, numa narrativa coerente e corajosa. Isso sem falar nos brasileiros Machado de Assis, Viana Moog, Monteiro Lobato, Jorge Amado e meu paraninfo de formatura do Colégio Batista Americano em 1964, Érico Veríssimo. Desde que comecei a ler aos cinco, seis anos, não parei, e devorei livros bons, excelentes, péssimos, inesquecíveis e alguns desprezíveis. 


Como cristã consciente desde pequena, eu me perguntava por que tão poucos livros que eu amava ler transmitiam pensamentos e valores autenticamente cristãos. Claro, há brilhantíssimas exceções, como de Lewis e Lawhead, mas a maioria dos bons livros de ficção não demonstram boa filosofia teológica nem cristianismo prático — e eu penso que uma meta básica do escritor seria demonstrar a verdade mais profunda por meio das suas histórias — como nas parábolas desde os tempos de Moises, confirmadas e expandidas por Jesus.


Volto à mais recente série de livros da Lucinda Riley de que falei. É óbvio que ela faz constantes e extensas pesquisas. (Lembro-me da bibliotecária chefe da Elkins Park, onde trabalhei trinta anos atrás, contando que James Michener e seus assistentes a consultavam em suas pesquisas trinta anos antes disso, antes da existência de Google e as facilidades múltiplas de viagens internacionais e dinheiro infindo para autores de best-sellers). O fato é que o bom escritor estuda, lê, pesquisa, lê mais, viaja, fuça tudo, revira as pedras do caminho, entrevista quem quer que esteja ligado de qualquer maneira à história que ele/a quer contar.) Admito que muitos “Wanna Be Writers” cristãos como eu são preguiçosos. Pensam que sabem tudo que querem dizer e lançam sobre o papel ou teclado a primeira coisa que vem à mente — sentimentos e idéias ainda não amadurecidas, os pensamentos não levados às ultimas consequências. 


É como certas pessoas que conheci as quais querem publicar um livro de historias bíblicas para crianças simplesmente recontando as historias que ouviram na escola dominical de sua igreja. Afinal de contas, não precisam conhecer História, teologia, nem mesmo conceitos básicos de comunicação em prosa moderna — as crianças não sabem nada disso e adoram as historias contadas pelos tios da comunidade. Porém, tais narrativas não merecem ser contadas, porque poderão incorrer em mentiras! Transformam as verdades eternas da Palavra de Deus em palavras vazias, ocas, que ressonam como eco de sons melhores, mas não oferecem melodia e ritmo autênticos. O bom escritor de ficção (ou de fatos), mesmo ao relatar histórias inverídicas, conta-as com verossimilhança, como a verdade que toca e transforma o íntimo da pessoa.


Outra característica de uma boa escritora como Riley é que, por mais diferentes e complexos que sejam, as suas personagens são apresentadas de forma simples, real, sem subterfúgios. A historia pode ser bastante complicada e dá suas voltas e seus sustos, mas não é absurda: já houve coisa semelhante comigo, ou com minha irmã, ou com meu tio-avô. Eu me relaciono com o texto e o aplico à realidade. Mesmo em historias fantásticas, aprendo verdades para a vida.


Um professor de literatura que tive, afirmou que o que importa é a narrativa, sem importar se é ou não verdade — como certo politico internacional que gabou-se de distinguir entre fatos e verdade e mais outros tantos como Fernando Pessoa, que diz que sempre o poeta é um fingidor. Mas isso é totalmente contrário ao conceito judaico-cristão do Melek Koheleth (rei pregador, escritor sábio) que escreve: “Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu” (Ec 1.13) e 


“Procurou o Pregador achar palavras agradáveis e escrever com retidão palavras de verdade.  As palavras dos sábios são como aguilhões, e como pregos bem fixados as sentenças coligidas, dadas pelo único Pastor.  Demais, filho meu, atenta: não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne. De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem. Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más.” Ec 12.10-14.


Há sim, diferenças seminais que temos de observar entre o escritor secular e o cristão. O escritor secular usa e abusa de conceitos e conflitos teológicos e espirituais, em busca de redenção, mas a sua  libertação é centrada no que “eu consigo”, “eu posso”, “eu venci” — enquanto o cristão vê um Deus que ama e intervém apesar do ser humano muito verdadeiro nada merecer. 


Um dos temas comuns das tramas psicológicas são o sentimento de culpa e falta de valor próprio. O sentimento de culpa, no escritor não cristão, é vencido, negando e justificando o erro, enquanto para o escritor cristão, a culpa real é confessada e perdoada por um Deus verdadeiro (não mitos ou vagas ideias espirituais que podem ser etéreas e diferentes para cada pessoa). Muitas vezes, o não cristão apresenta suas personagens “cristãs” como falsas e hipócritas, enquanto as pessoas “autênticas” vivem sempre duvidando e aceitando más escolhas morais como inevitáveis e opções viáveis. Suas culpas não são redimidas — são assumidas como parte natural do ser humano. É verdade que muitas pessoas se dizem cristãs e vivem segundo o mundo, a carne e o diabo; porém, é responsabilidade do cristão escrever e descrever o que realmente acontece, sem disfarces—dando soluções redentivas.


Confesso que me empolgo mais com uma historia fantástica de viagem entre duas eras da Diana Gabaldon ou a trilogia histórica do século xx de Ken Follett do que com escritos de meus irmãos de fé que jogam palavras e pessoas impensadas no papel e não entendem por que os editores têm receio de publicar seus intragáveis tratados. Felizmente, hoje Estão surgindo novos escritores cristãos sérios, que enlevam e  inspiram e nos fazem exclamar “não consegui largar o livro!”


Em meio a tantas palavras sobre amor em sua epístola, João advertiu que é imprescindível guardar-nos dos ídolos, e mesmo a boa literatura pode se tornar em ídolo se ela de alguma forma tenta substituir a Palavra de Deus ou o Deus da Palavra por outra coisa que não a verdade eterna. Mas somos transformados pelo Verbo Vivo, que nos deu palavras e ideias para ensinar, comunicar e levantar as pessoas que nos cercam. Como Moisés lembrou ao repetir, cantar e gravar a Torá:


“Aplicai o coração a todas as palavras que, hoje, testifico entre vós, 

para que ordeneis a vossos filhos que cuidem de cumprir todas as palavras desta lei. Porque esta palavra não é para vós outros coisa vã; 

antes, é a vossa vida; e, por esta mesma palavra, 

prolongareis os dias na terra à qual, passando o Jordão, ides para a possuir.” Dt 32.41-42


Quero aplicar o coração a palavras vivas, porque comunicar e escrever é transmitir e prolongar a vida! Escrever com retidão sabedoria e exatidão as palavras que fincam a realidade no coração e na cabeça. Ê referir-se ao passado, conhecendo a realidade do presente, tendo viva esperança para o futuro!


Elizabeth Gomes