sexta-feira, janeiro 04, 2013

CAFÉ COM TEOLOGIA

 
 
Alguns rojões antes da passagem, tomei uma resolução: nos primeiros clarões da manhã do ano da graça do Senhor Jesus de 2013, degustaria um cafezinho de verdade; um “Sumatra” que ganhei do Márcio Conte, no dia de Natal. Dito e feito. O pacote abriu aroma, os grãos chacoalharam no moedor, a água resolveu no ebulidor, e os sentimentos gratos todos acharam caminho para a alma. Foi assim que, depois do “em nome de Jesus, amém”, quando a xícara grande (que café pequeno é coisa pouca) ainda prometia gosto, eu sorvi estas palavras da Bíblia: Graças, porém, a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento. Porque nós somos para com Deus o bom perfume de Cristo, tanto nos que são salvos como nos que se perdem (2Coríntios 2.14-15).
 
Gosto do cheiro bom de café com teologia. Os dois combinam bem porque, de fato, são coisas do dia a dia, de cada minuto do dia. O que não me cheira bem é essa infusão da fé “tradicional” ou “extra forte” em água fervida ao exagero e sabendo a gosto de palha. De fato, uma boa teologia não é feita de um blend de grãos doutrinários com toque tradicional. Antes, é feita de frutos nobres, maduros, aprovados ao tempo e ao sol da sabedoria de Deus, torrado e moído na obediência à Palavra.
 
Claro que há mérito no trato técnico do café. A escolha do tipo, a seleção dos grãos, a secagem, a moagem, a frescura, a água na temperatura certa, as proporções, tudo conta. E para que saibamos de tudo isso, há diferentes pessoas que estudam os aspectos botânicos, procedimentais e culinários do coffea Rubiaceae. É mesmo bonito ver um provador em ação, lavando a boca, degustando os mais variados tipos – e cuspindo de lado o ouro preto. Mas daí a fazer o mesmo com a teologia já é um despropósito.
 
O objetivo final da prova do café não é um de cuspir. Do mesmo modo, o propósito final da teologia não é um de citar informações. Certamente há mérito no exercício da reflexão teológica, mas como base para o aprimoramento da vida de união com Deus e com seu povo para o bom desempenho do seu serviço. Deus mesmo nos revela o que devemos saber sobre a teologia, do cultivo à degustação, quando, por meio de mandamentos e promessas proposicionais, de estilos literários, de parábolas e figuras de linguagem, diz-nos que a planta conhecida como graça é cultivada por meio de semeadura da Palavra no solo do coração especialmente preparado com o concurso da fé operada pelo Espírito.

Nesse sentido, graça e fé devem ser sabidas como uma experiência única de encontro com Deus e seu propósito de espelhar sua glória por meio do corpo de Cristo. Assim, para que experimentássemos sua vontade – boa perfeita e agradável – ele estabeleceu na igreja pessoas espiritualmente dotadas: evangelistas, pregadores e pastores mestres, os quais se especializam em diferentes aspectos técnicos do estudo do plantio e frutificação da Palavra. Todos nós, como eles, sacerdotes de Cristo, recebemos os benefícios dos diversos ministérios, mas não por meio de repetir e discutir as minúcias dos seus estudos analíticos.
 
A facilidade do “café com teologia” provida pela comunicação na internet, muitas vezes, traz as mesmas dificuldades do “telefone sem fio” de outros tempos. Lembra-se? Uma frase era dita ao ouvido e repassada a outro e, no final, o dito “café com teologia” virava “a fé da sua tia”. Na confusão, um diz que é de Van Til, outro de Frame, outro de Cristo; um diz que é pressuposicional, outro evidencialista e outro ainda, evidentemente pressuposicional; alguém é reformado, outro é original e, outro, bíblico. E por aí vai que, discutindo opiniões, perdemos o propósito do café com teologia.
 
Se nós entendermos um pouco dessas especialidades e seus processos, poderemos compreender a suma do seu propósito.
 
Veja isso: Bíblia, teologia e apologética não são termos de preferência exclusiva – (1) a Bíblia é a planta a ser cultivada mediante súplice leitura para obediência; (2) a teologia bíblica classifica suas proposições por meio de honesta exegese; e (3) a teologia sistemática processa o material final através de boa hermenêutica para aplicação de toda a verdade à totalidade da vida. Não temos, aí, partes isoladas, especialidades de alguns e para alguns; antes é uma totalidade abrangente para o crescimento de todos os ramos da Videira que é Cristo.
Veja mais: pressuposição e evidência também não são termos opostos a não ser quando tratados como termos de uma mesma categoria, cada qual pretendendo estabelecer uma referência universal. No caso, o pressuposicionalismo é de uma categoria transcendental e, o evidencialismo, de uma categoria imanente.
 
E ainda: ser bíblico, reformado e original são termos descritivos de aspectos de uma mesma posição em Cristo.
 
Acertados alguns pontos dialéticos, nosso café com teologia poderia ser um de grande valia, mormente guardada a finalidade dos batepapos, isto é, a verdade em amor. É sempre bom conhecer e prosseguir em conhecer o Senhor e sua Palavra, sabendo que a mera repetição da lei produz carnalidade, mas a experiência do verdadeiro conhecimento produz caráter cristão. Uma vida de obediência a Deus requer que a verdade seja dita sempre e que o amor seja sempre demonstrado. Verdade em amor. Sempre. Até mesmo quando o amor tiver de dizer palavras duras. A Bíblia se presta a instruir para discernimento do bem e do mal, a testar a convicção de fé quanto ao pecado e à santidade, a corrigir e reorientar a vida em obediência a Cristo, e a cultivar as virtudes espirituais que se manifestam nos atos do corpo (2Tm 3.16). Nesse mister, ela jamais deixa de assegurar esperança ao penitente e jamais esconde a denúncia do pecado na vida do impenitente. Paulo nominou aqueles que lhe tinham acarretado males por causa da apostasia a que se entregaram. Obediente, Calvino confrontou nominalmente os opositores da fé. E nós temos a recomendação: prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina (2Tm 4.2). Contudo, esse não é o foro do “café com teologia”, mas, sim, o lugar do treinamento para a batalha e da defesa da fé.

O lugar do café com teologia é mais sabático, aconchegante, estimulando mais as entranhadas afeições do que estranhados desafetos. Quem aprecia, sabe que fragrância, corpo, riqueza, suavidade e acidez são elementos essenciais de um bom cafezinho. E quem gosta de café com teologia entende bem o que a Palavra diz: A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para saberdes como deveis responder a cada um (Cl 4.6). Acolhei ao que é débil na fé, não, porém, para discutir opiniões (Rm 14.1). Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente (Rm 14.5) e Todos, pois, que somos perfeitos, tenhamos este sentimento; e, se, porventura, pensais doutro modo, também isto Deus vos esclarecerá (Fp 3:15).
 
Wadislau Martins Gomes

PASTORES, SACERDOTES E SANTOS


O comentário de minha amiga, expressando o desejo de conhecer mais santos, homens como São João de Compostela ou Santo Agostinho, – “gente de comprovada santidade e caráter ilibado em lugar dos padres e pastores atuais” –, não é apenas o anseio de uma moça católica romana (ela) nem de uma senhora protestante reformada (eu).

Pastorado santo.
Tenho observado análises semelhantes feitas por diversos amigos pastores e por “simples ovelhas” como eu – que anseio por santidade ante a realidade de um mundo corrompido. Frente à corrupção na igreja, que se estende também aos líderes de todas as colorações, temos de nos voltar ao que o profeta Jeremias comentou, quase seiscentos anos antes do nascimento de Cristo: Porque os pastores se tornaram estúpidos e não buscaram ao Senhor; por isso, não prosperaram, e todos os seus rebanhos se acham dispersos (Jr 10.21); e analisado pelo seu contemporâneo Isaías: seus atalaias são cegos, nada sabem; todos são cães mudos, não podem ladrar; sonhadores preguiçosos, gostam de dormir. Tais cães são gulosos, nunca se fartam; são pastores que nada compreendem, e todos se tornam para o seu caminho, cada um para a sua ganância, todos sem exceção. Vinde, dizem eles, trarei vinho, e nos encharcaremos de bebida forte; o dia de amanhã será como este e ainda maior e mais famoso (Is 56.10-12).

Sou grata a Deus por conhecer e participar da vida de pastores honestos que amam ao Deus da Palavra e pensam segundo seus pensamentos – e creio que esses homens têm o grato privilégio de contribuir para mudar a face da vida evangélica no Brasil (pela graça de Deus, começando na minha própria família). Quando comecei a entrar no facebook, procurei fazer amigos entre pastores e líderes cristãos, visando conhecer melhor o que acontece em nosso país e ver as diferenças que ocorrem quando assumimos uma face autêntica, mais cristocêntrica. Acessei também sites de artistas de variadas naipes para constatar o que eles falam (compoem, cantam, poetam, produzem) sobre as condições do evangelho brasileiro atual.

Alguns que se manifestaram meus “amigos” já não estão no pastorado, ou assumiram suas heresias como se fossem suas verdades particulares (e constato que em vez de distribuir pão da vida, estão expondo sujeiras e vergonhas próprias). Mas em sua maioria, os pastores amigos que conheço ainda têm a Bíblia como regra de fé e prática e não se envergonham do evangelho explícito do poder e sabedoria de Deus.

No entanto, muitos dos que assumem um cristianismo autêntico, comprometidos de pensamento e vida com a Escritura e com o Deus Trino, não demonstram uma fé reformada que nos reforma sempre segundo a Palavra de Deus no amor de Jesus Cristo e no poder do Espírito Santo. Agarram-se a “pedaços” desse evangelho, migalhas – palavra, amor, poder, visão – e, fracionando-o, dilaceram a verdade e tornam-na em convenientes mentiras posmodernas. Porque os pastores se tornaram estúpidos e não buscaram ao SENHOR; por isso, não prosperaram, e todos os seus rebanhos se acham dispersos (Jr 10.21).

A invectiva de Jeremias diante de Jeconias antes da dispersão para o cativeiro babilônico se aplica igualmente aos profetas hodiernos diante da vida a nosso redor: Ai dos pastores que destroem e dispersam as ovelhas do meu pasto! – diz o Senhor. Portanto, assim diz o Senhor, o Deus de Israel, contra os pastores que apascentam o meu povo: Vós dispersastes as minhas ovelhas, e as afugentastes, e delas não cuidastes; mas eu cuidarei em vos castigar a maldade das vossas ações, diz o Senhor. Eu mesmo recolherei o restante das minhas ovelhas, de todas as terras para onde as tiver afugentado, e as farei voltar aos seus apriscos; serão fecundas e se multiplicarão. Levantarei sobre elas pastores que as apascentem, e elas jamais temerão, nem se espantarão; nem uma delas faltará, diz o Senhor (Jr 23.1-4). Convertei-vos, ó filhos rebeldes, diz o Senhor; porque eu sou o vosso esposo e vos tomarei, um de cada cidade e dois de cada família, e vos levarei a Sião. Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência (Jr 3.14-15). O relacionamento com o Supremo Pastor do Israel de Deus é familial: somos filhos rebeldes, mas nos tornamos seu cônjuge – ele é nosso esposo; é cordial: darei pastores segundo o meu coração; é de ação constante “com conhecimento e com inteligência”.

Quando Jesus percorria as cidades e povoados da Judéia, comoveu-se por ver seu povo como ovelhas sem pastor (Mt 9.36; Mc 6.34) e ainda usou uma metáfora mais “de fundo de quintal”: Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! (Mt 23.37; Lc 13.34). Rebanho ou pintainhos também são desgarrados e não querem se aninhar sob suas asas! E isso leva ao segundo anseio:

Um povo santo.

Agora chegamos ao ponto central de contraste entre o catolicismo romano e o cristianismo bíblico. Pelos próprios escritos de São Pedro, concluímos que aquele que é crente em Jesus Cristo como Salvador e Senhor de sua vida é um sacerdote. Não temos um sacerdócio como casta separada de apenas clero escolhido – todo crente é sacerdote! Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia (1Pd 2.9). Não precisamos de algum santo que reze por nós para alcançar, mediante méritos seus, uma graça desejada. Nós somos santos e temos livre acesso ao Pai (Ef 2.18; Rm 5.2). Gente comum, como eu e você, “tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel” (Hb 10.19-23). Deliciosa audácia – o véu que separava o povo do sacerdócio foi rasgado com a morte de Jesus Cristo, e ele mesmo é o caminho – não precisamos outro mediador (1Tm 2.5; Hb 12.24). E quanto à graça, ela é redundantemente graciosa, de graça: porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nela (Ef 2.8-10).

Na certeza de que participamos com o próprio Senhor Jesus de um sacerdócio santo, somos também um povo separado. Por mais que hoje queiramos assimilar o mundo de forma terrena e demoníaca, na verdade pertencemos a outro reino em que somos conclamados, como foram os primeiros habitantes da terra, a assumir nosso chamado das trevas para sua maravilhosa luz, pois por ele temos acesso ao Pai em um Espírito (Ef 2.18). Paulo se dizia o menor de todos os santos (Ef 3.8), e nós, que somos ainda menores do que ele, temos ousadia e acesso com confiança, mediante a fé nele (em Jesus – não em São Paulo nem outro santo qualquer do passado ou no futuro da história da igreja!).

Não anelo ser pastora, como algumas amigas feministas desejam esse papel de liderança – creio que o pastoreio do rebanho de Deus é para homens fiéis e idôneos, cujo requisito inicial, segundo Jesus, é uma resposta positiva a: Amas-me? (Apascenta os meus cordeiros; Pastoreia as minhas ovelhas; Apascenta as minhas ovelhas – João 21.15-17). Aos pastores de almas e igrejas, ele conclama: Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória (1Pd 5.2-4).

Como mulher cristã, minha missão é semelhante à da mulher de Lapidote na época dos Juízes, ou à mulher de Áquila, na época apostólica. Anseio aprender e ensinar como Eunice, Loide e Priscila – nos bastidores, diante de escrivaninha meio desarrumada, forno e fogão e mesa posta, esclarecendo pensamentos de Apolos ou Timóteos enquanto cosia tendas junto ao marido ou espelhava a fé ao filho ou ao neto. Participo, sim, do genérico todos os crentes – sobre quem a oração paulina é para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e alicerçados em amor, a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus. Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém! (Ef 3.14-21). Existe maior glória que essa?


Elizabeth Gomes