sexta-feira, fevereiro 10, 2012

ÓRFÃOS EM TEMPO INTEGRAL?

Árvore genealógica de pais desconhecidos

Ou seria melhor dizer: órfãos de pais vivos? Com certeza, sempre os tivemos, bem aí, ao nosso lado. Uns, com pais “fazendo a vida”, com ateias feitiçarias, como bem colocou o poeta: “Ele canta por amor / Eu só canto por dinheiro” (Dinheiro em penca, Chico Buarque). Outros, com os pais kafkianos, zelosos de si mesmos e dominadores dos filhos: “Quando eu começava a fazer alguma coisa que não te agradava e tu me ameaçavas com o fracasso...” (Kafka, Carta ao pai).

Agora, porém, alguns malcriados, de agendas ideológicas festivas, e, outros, estultos ingênuos, vêm mexer com todos os pais, indiscriminadamente. Como num arrastão, levam carteiras recheadas de documentos vigiados e parcos trocados sobretaxados de pais responsáveis e de bem. Muitos deles, pais tementes a Deus e graciosos com os filhos, criando-os na disciplina do Senhor.

Primeiro veio a lei da palmada, roubando aos pais o poder da disciplina amorosa que modela as consequencias do erro. Para aqueles que ainda são moralmente imaturos e será sempre preciso sentir suavizado no corpo as dores advindas da transgressão. Do jeito que está o filho não leva palmada em casa e, mais tarde, apanha da polícia. A esses a lei consegue impedir – e dão no pé da orelha.

Depois, vem isso de tempo integral na escola. Como se não bastasse as “palmadas” violentas das tiradas ignorantes de não poucos (des)orientadores. Malformados, irados e cheios de si (Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não aprendeu ainda como convém saber – 1Coríntios 8.2), pregam a sobrevivência do mais apto (leia-se: do mais espertinho), reivindicação de direitos, revoluções, e lançam filhos contra os pais, e contra Deus. Os poucos professores honestos e capazes têm de abaixar o facho para não levar “palmadas” de olhares enviesados, cenhos franzidos e palavras tortas.

Já houve a escola severa e punitiva, depois, a escola risonha e franca, depois, a escola do esculacho, e, agora, a escola de tempo integral. Converse com seu filho. Pergunte-lhe sobre as aulas do dia. Se você não tiver tempo ou se não tiver essa intimidade, veja as jóias que coletei dos netos.

Do pai postiço de história, futuro integral: “Jogue fora o que você aprendeu até aqui. Ninguém pode saber se aconteceu mesmo”.

Da mãe emprestada de ciências: “A ciência já provou...” – durma-se com esse ruído: a ciência experimentou, repetiu a experiência, produziu um construto logicamente inegável e estabeleceu aplicações para outras áreas do conhecimento – “que Deus não existe.

Da tia de filosofia: “A religião diz que Deus criou a mulher a partir do homem; não é a mulher que dá a luz ao homem? Depois, porque esse negócio de só a mulher dar a luz; e o homem?” Essa recebeu troco na hora, de um aluno que nem sabe que foi sábio: “Ó dona, é a evolução do mais apto”.

A questão é esta: a lei brasileira não permite a educação formal no lar, e, agora, pretende, mais ainda, afastar os filhos da influência paterna. O refrão do samba do letrista doido sai com o “dê-me teu filho que eu devolvo um cidadão”. NÃO. Deixa o filho comigo que eu crio um bom cristão, bom cidadão da terra e dos céus.

Cá para nós, de quem é a culpa? Dos representantes do povo cuja maioria sequer se eleva acima da média senão em termos de poder carismático e econômico? Dos eleitores que preferem os desmandos da esquerda ou da direita, ou o conforto do “deixa como está porque assim eu também levo o meu”? Lembremo-nos de que Deus, rico em misericórdia, nos amou e nos salvou em Cristo, dando-nos vida quando estávamos mortos em nossos pecados.  E a que pecados a Palavra se refere? Aquele em que andamos outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência... segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais (Efésios 2.1-4). Não é disso mesmo que estamos tratando?

De quem a responsabilidade? Bem, há muitas esferas de responsabilidade: a do indivíduo, cuja consciência teria de se fazer respeitar; a da família, que se deveria ser promovida; a da igreja, que deveria instruir, orientar e sustentar; a da vizinhança, que deveria exibir traços do caráter das anteriores; e as esferas do poder institucional, que deveriam surgir de todas elas. Mas não bastará que os representantes discutam, que a igreja proteste, que a vizinhança se organize, se o indivíduo que forma essa totalidade não fizer valer o mandado do Senhor: Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te (Deuteronômio 6.5-7).

Mas que bem fará alçar e voz à rouquidão, se em casa de muito cristão nominal não há preocupação com um cristianismo de tempo integral? Seria bem diferente, se houvesse compreensão mais profunda das palavras de Paulo a Timóteo: os homens perversos e impostores irão de mal a pior, enganando e sendo enganados. Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus (2Timóteo 3.13-15).

Wadislau Martins Gomes

sábado, fevereiro 04, 2012

“TROPEÇA AQUI, OI, CAI ACOLÁ...”


Lembra do cântico tirado do baú: “Tropeça aqui, oi, cai acolá”? Ainda que soe como um “melô” do bêbado, ele é significante e serve de estímulo para todos nós que tropeçamos em muitas coisas (Tiago 3.2a). É como a letra do hino: “Porém é mui certo que a gente tropeça / Por isso Senhor, eu preciso de ti”. Contudo, não é bom viver sempre tropeçando; e sempre será possível evitar a queda, como o próprio Tiago diz: Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo (3.2b). Portanto, se o discurso for um e o comportamento for outro, teremos um problema sério: seremos como árvores plantadas em terra seca, que não dão fruto na estação propícia (Salmo 1) ou  cujo fruto é enganoso (Lucas 6.43) ou sequer frutificam (Mateus 21.19).

Isso ocorre quando tiramos os olhos da pessoa de Jesus Cristo e sua obra de salvação, e os colocamos em nossas capacidades e habilidades para manter o equilíbrio. Aí, tropeçamos na fé e caímos, como o profeta também disse: a verdade anda tropeçando pelas praças e a retidão não pode entrar (Isaías 59.14). O segredo para andar na verdade reside em não confundir a corda da salvação, segura e firme, que é Cristo, com a corda bamba do esforço humano. Em Cristo, temos garantida a entrada e o desempenho no reino de Deus; firmados em nós mesmos, seremos como bêbados equilibristas no circo da vida – um pé no arame e o outro no vazio, um passo na esperança, outro no medo.

É sobre isso que trata Hebreus 6. A questão central é o progresso da vida cristã e não a pergunta secundária: os que caíram não se levantam mais?

Para bem entender a matéria, será preciso ler a totalidade da carta e especialmente o contexto próximo anterior (5.7-14) sobre a perfeição de Cristo e de sua obra, produzindo nosso aperfeiçoamento e gerando nossos frutos. Este é o ponto: os recipientes da carta deveriam ser frutíferos, mas continuavam sendo imaturos. O escritor queria balançar a árvore.

O texto é difícil – A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir (v. 11) – e faz bem quem indaga sobre ele com o desejo de entender e de aplicar o seu ensino. Para tanto, será preciso presumir que a carta foi escrita para cristãos hebreus, entendendo-a à luz da perfeição do Messias e sua obra. Assim, a fim de superar as dificuldades do assunto e atingir a cabeça e o coração do leitor, o autor lança mão de um estilo bem conhecido dos judeus, de contrastes e confrontos. 

Em primeiro lugar, há o contraste entre crianças que só suportam alimentos ralos, e adultos que precisam de coisa mais sólida (6.12-13). E há também o primeiro confronto: somos instados a, pela prática, exercitar as faculdades para discernir entre o bem e o mal (v. 14).

Seguem outros contrastes: os princípios elementares da doutrina de Cristo contrastando com o que é perfeito (v. 1a,b); os que caíram (v. 6a), contrastando com vós outros (v. 9a). Há também a diferenciação entre uns e outros, ilustrada com mais um contraste: vós outros – como a terra que absorve a chuva...e produz erva útil...da parte de Deus (v.7), e os que caíram – como a terra que recebe a mesma rega, mas produz espinhos e abrolhos, e é rejeitada (v. 8). Neste caso, a confrontação é clara: os que não produzem fruto são como os que caíram. Em face disso, nós outros poderíamos permanecer indolentes e infrutíferos (vv. 9-12)? 

A chave para discernir o bem e o mal – a redenção dos escolhidos (Romanos 8.29) e a queda de todos por causa do pecado (Romanos 3.23) – reside no entendimento espiritual da graça comum que cai sobre justos e injustos, e da graça especial que cai sobre os filhos da promessa. Esse é o discernimento entre os princípios elementares e o que é perfeito. Nessa linha de argumentação, o autor de Hebreus coloca os princípios elementares da doutrina de Cristo:

(1) Arrependimento de obras mortas e fé em Deus (6.1a) que é a iluminação do Espírito e a prova do dom celestial (v. 4), implicando a revelação de Deus (na natureza, na consciência e na pregação do evangelho), e o convencimento do Espírito Santo (do pecado da descrença, da justiça efetuada na obra de Cristo e do juízo condenatório de Deus – João 16.8-11).

(2) Ensino de batismos e imposição de mãos (6.2a), que se referem à participação nos aspectos visíveis da graça de Deus na vida da igreja (6.4). Isso ocorre também com os que são apenas nominalmente professos (Mateus 13.18-30 – este texto mostra que não se trata de nosso julgamento sobre os frutos de outrem, mas do discernimento de nossa maturidade e frutificação).

(3) Prova do dom celestial e da participação no Espírito Santo (6.2b), que são elementos da graça de Deus manifesta na igreja pela pregação da Palavra sobre a vida que é agora e a do porvir. São como chuvas de bênçãos que respingam sobre os que delas se aproximam – tal como ocorre com os filhos de crentes que são considerados cerimonialmente puros e santos ou com o cônjuge que é santificado no convívio com o parceiro crente (1Coríntios 7.14).

O último contraste é entre a impossibilidade de renovação para arrependimento e a impossibilidade de Deus mentir. Deus jurou por si mesmo, e o texto é bem claro quanto a isso: para que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, forte alento tenhamos (6.18). A Bíblia também diz que os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis (Romanos 11.29), do que se depreende que o texto não fala de perda de salvação, mas de que certeza de salvação.

Homens naturais, não nascidos de novo, não têm entendimento nem produzem frutos espirituais. São expostos à graça comum e poderão, até mesmo, participar dos aspectos visíveis do reino espiritual, mas se não fecharem acordo (gr. arapipto), será impossível renová-los para arrependimento. Se não aceitarem a obra perfeita da redenção, Cristo não morrerá outra vez para salvá-los.

À vista disso, nós, que somos salvos, nascidos de novo, deveríamos crescer no conhecimento de Deus e da herança da salvação, pois Deus é fiel e, além de produzir frutos em nós e por nós (João 15), com certeza recompensará nosso trabalho (Hebreus 11.6). Não vivemos como que equilibrando sobre uma corda bamba, mas temos a certeza da esperança, como âncora segura e firme que é Jesus Cristo (6.20) – não somos dos que retrocedem para a perdição; somos, entretanto, da fé, para a conservação da alma (Hebreus 10.39). Certamente deveríamos ser adultos na fé para compreender o que Cristo fez por nós e faz em nós, e o que ele requer de nós.

Wadislau Martins Gomes