segunda-feira, fevereiro 07, 2011

ACONSELHAMENTO E PORCO NO OMBRO

Aconselhamento, essa palavra comprida demais para “pegar” tem sido usada, aqui na terrinha, como sinônimo de psicologia de “meia sola”. Psicólogos e psiquiatras, psicanalistas pastores e uma multidão de seguidores da plausibilidade só aceitam por que é a gente que fala, mas olham com cara de quem viu bicho sem cabeça. Na verdade, o termo conselheiro é muito usado para descrever funções em diversas áreas: tutela, autarquias, psicologias, em Machado de Assis, nomes de ruas, – e bota conselho nisso. No entanto, que negócio é esse de aconselhamento cristão? Teologia aplicada? Psicologia aplicada? “Uma mão lava a outra?”

Para dizer o que é e o que não é aconselhamento cristão, primeiro será preciso ver o que vem antes do termo, isto é, antes da descrição funcional. De modo geral, aconselhamento é um termo que sinaliza um relacionamento pessoal. Isso, a menos que você goste de conversar com seus botões; daí, você tem um conselheiro, precisando de aconselhamento. Portanto, aconselhamento envolve pessoas e palavras; e pessoas e palavras são os grandes motivadores de pessoas – primeiro Deus e sua palavra e, segundo, nós e nossas palavras.

Ora, quando você se aproxima de mim, deve haver um propósito e algo para conversar, se não, fica meio engraçado (na fila do cinema ou na porta do elevador, a intenção é clara). Até mesmo o “oi, tudo bem” tem um propósito consciente ou subconsciente baseado em uma visão da vida. É toda uma estrutura de pensamento, umas “de nascença” e outras, aprendidas: Deus (Romanos 1.18), eternidade, beleza e desejo de saber (Eclesiastes 3.11), e, de maneira particular para nós, aqui, uma autoconsciência (1Coríntios 2.11a). No contexto dessa última referência há informações interessantes: (a) essas coisas são reveladas por Deus, o qual não pode ser conhecido a partir da observação humana (v. 10); (b) há dois tipos de estrutura de pensamento, a saber, o do Espírito de Deus e o do espírito do mundo, sendo que o primeiro tem condições para discernir os dois, e o outro não pode entender o que é revelado (v. 12-16).

Portanto, aconselhamento cristão é uma construção do pensamento sobre uma base de conhecimento, como Salomão descreve em Provérbios 8.1-30: conselho e sabedoria são coisas de cima, eternas, e também do dia a dia, das ruas, que podem ser intencionalmente vistas ou ignoradas. Um ladrão de porco foi pego no ato, e interpelado: “Que é isso aí no seu ombro?” Com um olhar para o lado, o matreiro foi pronto: “Ai! Tira esse bicho daí”. Verdadeiramente, o conhecimento de Deus e o que a pessoa tem de si mesma está aí, no ombro da gente. É coisa pessoal. O texto acima referido diz: Meu é o conselho e a verdadeira sabedoria, eu sou o Entendimento, minha é a fortaleza (v. 14). “Eu sou” foi a expressão que Deus usou para se descrever a Moisés, em Êxodo 3.14, e, em Atos 5.38-39, o mestre judeu não cristão disse que o conselho de Deus entre os homens sempre permanece, mas os dos homens não tem permanência. Assim, esses textos apontam para o aconselhamento como sendo entendimento em ação no relacionamento do homem com Deus, refletido no relacionamento entre os homens.

O relacionamento entre Deus e os homens e entre os homens decorre do conhecimento, mas não é baseado nele. De fato, é anterior a ele. Vem do coração (figura usada na Bíblia para descrever o amado e a totalidade da pessoa). É importante notar como o Sábio, em Provérbios 4.20-27, identifica as fontes do coração com os atos do corpo. Essa distinção do coração é significante por duas razões: mostra que nossa escolha por uma linha de aconselhamento é coisa do coração, antes de ser intelectual, e que nosso propósito é atender à sabedoria de Deus ou de provar a sabedoria segundo o mundo (cf. 1Coríntios 1.18-31).

Paulo enfatizou esse aspecto, dizendo que Deus tem um propósito e faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade (Efésios 1.11). As pessoas, criadas por Deus, refletem essa disposição relacional e, sobre isso, o Sábio de Provérbios também disse que sem conselho fracassam os projetos, mas com bons conselheiros há bom êxito. O homem se alegra em dar resposta adequada, e a palavra, a seu tempo, quão boa é! (Provérbios 15.22-23). Dessa maneira, aconselhamento é parte da função humana quantos às relações do mundo do homem interior (coração) com o mundo exterior (você nunca receitou um melhoral contra dor de cabeça?). Dado que o coração humano, por coerência, só poderá ter dois movimentos, de amar a Deus ou de odiá-lo, os aconselhamentos humanos só podem exibir direcionamento bondoso ou malicioso. Paulo disse assim: existe um caminho, trilhado por aqueles que obtiveram vida por meio da obra de Jesus Cristo, que é caracterizado por obediência e amor a Deus que lhes permite agir com misericórdia para com o próximo; existe outro caminho, em que estávamos e em que muitos continuam, o qual é segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência (cf. Efésios 2.1-10).
As questões são estas: Como andar com o coração no caminho da vida, se os pés – e os olhos, os ouvidos, a boca e as mãos, ainda contemplam os caminhos deste mundo? O que é que temos sobre os ombros: a vocação e a fé na força que Deus supre ou um porco que pretendemos ignorar, mas que está aí, à mostra?

Onde está posto aquilo que é o tesouro do nosso coração, pois Jesus disse: onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração (Mateus 6.21).  Os aspectos que devem ser considerados nem sempre estão claros para todos, mas certamente estão envolvidos, em algum nível de consciência. A resposta tem dois aspectos: o segundo é que temos de saber quem somos e quem são os outros (senão, seremos cegos, guiando cegos); e o primeiro, que quem somos depende do que pensamos sobre Deus. Esse é o discernimento necessário para o bom aconselhamento, como o salmista divinamente inspirado cantou em prosa e verso, no Salmo 1 (interessante, exatamente o primeiro): [o conselheiro] bem sucedido não anda no conselho dos ímpios nem se detém no caminho dos pecadores nem aprova os escarnecedores do conselho de Deus (ver Salmo 14.6); o futuro de um é frutífero, o dos demais é palha no vento – e um e outros prestarão conta a Deus de suas andanças.

Quanto aos que se aborrecem de Deus, a Bíblia é clara em dizer que não temos de nos preocupar, pois Ele apanha os sábios na sua própria astúcia; e o conselho dos que tramam se precipita (Jó 5.13). Meu foco, aqui, são aqueles que, dizendo-se cristãos, deixam-se levar por psicologias só humanas, dos quais Deus diz: Porque o meu povo é gente falta de conselhos, e neles não há entendimento. Tomara fossem eles sábios! Então, entenderiam isto e atentariam para o seu fim (Deuteronômio 32.28-29). A diferença entre o conselho de Deus e o dos homens foi expressa por um judeu não cristão, acadêmico professor de Paulo: se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá; mas, se é de Deus, não podereis destruí-los, para que não sejais, porventura, achados lutando contra Deus (Atos 5.38-39).

Quanto a nós, que sabemos que nada poderemos saber se Deus não nos manifestar, Jesus, a manifestação de Deus, aconselha que compremos: ouro refinado pelo fogo, que é a Palavra de Deus, a fim de compor nosso tesouro; vestiduras alvejadas em seu sangue para que não seja manifesta a vergonha de nossa nudez, e colírio para ungir os olhos, a fim de que vejamos com clareza (Apocalipse 3.18; ver 7.14). Deus ordenou claramente, por meio do profeta, que déssemos ouvido à sua voz, acatando o pacto de ele ser nosso Deus e nós, o seu povo; esse compromisso do coração tem um rumo (andai em todo o caminho que eu vos ordeno), uma promessa (para que vos vá bem) e uma advertência: os que não deram ouvidos, mas  andaram nos seus próprios conselhos e na dureza de coração, esses andaram para trás e não para diante.

Essas coisas são mais antigas do que andar para frente e, no entanto são novas como sapatos fortes em pés bonitos (Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas! Calçai os pés com a preparação do evangelho da paz – Romanos 10.15 e Efésios 6.15). São coisas do coração, antes de na cabeça, nos pés, nas mãos. No entanto, muitos de nós preferimos seguir a cabeça de homens que andaram para trás, para as velharias, porque nosso coração está com eles. Aquilo que chamamos de pesquisa científica moderna não é verdadeira ciência, sabedoria. Antes, é baseada na intuição de um coração rebelde que deseja retirar Deus do mundo que ele criou para, em troca, governar seu próprio ser decaído, rebelde, dissoluto, contencioso, e governar o próprio mundo.

Assim é que todas as psicologias – com pressuposições e métodos divergentes, contraditórios, brotam do abandono da matriz psicológica que Deus criou à luz sua imagem, para outras que jamais encontraram suporte empírico inequívoco. São teorias sem base senão as das observações – às vezes, geniais sim, mas ainda sem comprovação – de homens cuja imagem original se encontra distorcida, observando reflexos distorcidos, em espelho embaçado.

Não estou dizendo que todo estudo secular seja sem sentido, mas que esse ouro precisará ser refinado no fogo da Palavra de Deus para livrá-lo de muita ferrugem, terra e palha; o laboratorista precisará de vestes purificadas no sangue de Cristo a fim de não contaminar o processo; e o observador precisará de colírio da luz da comunhão com Deus para clarear a vista. Noutras palavras, se não usarmos o conselho de Deus como crivo para exame das teorias de homens (que, pela graça comum, recebem genialidade tal como recebem chuva e sol) não poderemos fazer mais do que disfarçar o porco no ombro por meio de enfeitá-lo com um piercing no focinho (cf. Pv 11.22).

Para aqueles que descobrem que o relacionamento de ajuda é mais do que ação humanitária, vindo do propósito de Deus ao coração humano, e que brota do coração do homem para o coração do outro, o aconselhamento é como óleo na ferida e docilidade e alegria para a alma (Provérbios 27.9). Esse propósito pessoal não é somente psicológico, social ou antropológico – ele é centrado na Pessoa de Cristo, em quem habita o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor (Isaías 11.2).

Wadislau Martins Gomes

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