sábado, dezembro 31, 2016

SUPERSTIÇÕES, SENTIMENTOS, E NOVOS SIGNIFICADOS



Muitas vezes os melhores chefs são os homens, mesmo aqui em casa, mas, geralmente, quando vamos decidir o que preparar para um jantar especial, cabe a nós mulheres a compra, o preparo e a apresentação. Divido com minha nora o prato principal. Valente, apesar de uma mão costurada e imobilizada Adriana assou um chester e uma verdura gratinada. Felizmente, meus netos se encarregaram de preparar um pavê delicioso e mais algumas guloseimas.

Lembrei de uma conversa sobre o cardápio para a ceia alguns anos atrás: era bom ter romã entre as frutas, e não pode faltar lentilha—as moedinhas garantem prosperidade para o ano.
(Os judeus fazem rodelas de cenouras cozidas em suco de laranja e açúcar mascavo: suas moedas são maiores e doces!) Sou contra usar o formato do alimento para prognosticar um futuro próspero, ou as cores vestidas (o clássico branco para muita paz, vermelho para uma nova paixão, amarelo para atrair mais ouro). Ficaria contente se nosso pezinho de romã já estivesse produzindo grandes frutos que, partidos, parecem centenas de rubis para enfeitar uma boa salada de frutas. Mas resolvi fazer lentilha, porque tinha meio pacote em casa e isso faz excelente acompanhamento ao cordeiro ensopado e cuscuz marroquino com aperitivos de falafel que preparei.

É costume fazer uma boa faxina antes de casa e gente ficarmos arrumados para a festa, e não deixar itens pendentes de um ano para outro. Desde pequena, minha família participava do culto de vigília nas igrejas por onde passamos, e tenho lembranças doces dos propósitos e decisões que esses cultos proporcionavam. Lembro de muita gente que só pisava na igreja na páscoa, no Natal, e no “Ano Bom”. Isso garantia que Deus abençoasse para o ano, diziam. Hoje nossa igreja se reúne em hotel e não temos o horário de ceia e vigília, e muitos aproveitam o feriado para zarpar para longe. Vamos ter o culto normal do Dia do Senhor às dez da manhã, ainda que outros desistam de ir para não ter de “madrugar” no domingo. Lembro-me, com embaraço, de cultos de vigília em que recebíamos folhas de papel em que escrevíamos umaa lista de pecados que queríamos que Deus perdoasse, queimando-os para simbolizar o recebimento do perdão. Outra vez em culto semelhante, listávamos as pessoas que nos magoaram e queimávamos, perdoando uns aos outros. Lembrava muito os cultos da fogueira nos acampamentos, em que, jovens, colocávamos gravetos no fogo simbolizando a entrega de nossas vidas em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus.

Com o passar das gerações, muitas pessoas, crentes e descrentes, foram acrescentando costumes, alguns bons (como é bom louvar a Deus em todo tempo, e passar a “virada” em oração), outros inócuos (o tipo de roupa ou comida, por o pé direito para frente para dar o primeiro passo, desejar felicidade e bem estar ao próximo, listas, fogueiras etc.), outros até brincando com as coisas do maligno (se banhando sete vezes ou dando sete saltos sobre as ondas do mar—ué, essa é do candomblé—não foi o que o profeta Elias mandou Naamã, o capitão do exército da Síria fazer?).

Estamos na gangorra de guardar dias, meses e anos de modo negativo, como Paulo mencionou em sua carta aos Gálatas (4.19), ao mesmo tempo em que Deus nos manda aprender a contar nossos dias para encontrar coração sábio (Sl 90.12)—e o próprio Deus é quem “Coroa o ano da tua bondade; as tuas pegadas destilam fartura” (Sl 65.11). Descobrimos que a contagem do tempo, dos dias, meses e anos pode ser um exercício em piedade e contentamento, ou de amargura e incredulidade. Depende de como vemos nosso tempo coram deo. Ao iniciar o seu ministério terreno, Jesus declarou que apregoava o ano aceitável do Senhor, pois “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos...” (Lc 4.19)
Do mesmo modo como aprendemos a administrar o espaço onde Deus nos coloca, temos de aprender a administrar o tempo que ele nos dá. Lembranças do passado podem ser pensadas e resgatadas, sonhos para o futuro são parte de nossa esperança criativa, mas o tempo que se chama hoje é o tempo que temos agora para viver conforme a vida tem de ser vivida. Hoje é tempo de louvar a Deus. Hoje é tempo de engrandecê-lo, quer pela vida quer pela morte.

Que em 2017 tudo seja para a glória daquele em quem confiamos e confiaremos a cada ano, década, século, por toda a eternidade.

Elizabeth Gomes

terça-feira, dezembro 20, 2016

NOSSAS BODAS E AS BODAS DO CORDEIRO




Quando nos casamos, em dezembro de 1966, éramos da primeira turma de estudantes do agora Seminário Palavra da Vida. Na noite anterior à cerimônia, uma amiga que viera de Goiânia para assistir nosso enlace perguntou-me se eu não tinha dúvidas quanto ao casamento. Disse-lhe que não, porque se tivesse alguma dúvida, teria desistido, já que tínhamos tudo contra nós: éramos muito jovens, não tínhamos dinheiro, ainda estudávamos e não tínhamos empregoç os professores do IBPV aconselhavam que esperássemos nos formar antes de casar—só tínhamos um ao outro com a fé posta em Jesus Cristo. Soube depois que, quando minha amiga voltou para sua cidade, rompeu o noivado. Nós, porém, prosseguimos, certos de que Deus nos uniria para toda a vida e que cresceríamos juntos, estudaríamos e trabalharíamos juntos, aprendendo da Palavra de Deus o que Jesus queria que crêssemos e fôssemos. Romanticamente, imaginávamo-nos em algum campo missionário distante em que viveríamos até quando bem velhinhos.

Meu vestido, os sapatos e as luvas foram emprestados. O enxoval, comprei com US $ 40 que ganhei com a venda de um artigo para um periódico cristão e complementado pela generosidade de Da. Eulina, minha sogra-mãe amiga, e da Tia Tide de Limeira. Os pais do Lau não mediam esforços para nos ajudar e não somente proveram para o filho como também para sua filha estrangeira—euzinha. Tivemos um casamento simples com a igreja de Araras enfeitada pelo próprio Lau, os tios pastores Ari Barbosa Martins e Benedito Alves, a prima Isa tocando e o primo Claudio solando. Meu pai veio dos Estados Unidos e conduziu-me como um rei à sua princesa até a frente da igreja lotada de parentes e amigos. Tivemos um almoço “em casa” depois do casamento civil, e bolo e balas de côco, na recepção depois da cerimônia. O cunhado nos levou em seu carro até Campinas, onde passaríamos a noite antes de seguir de ônibus a Campos de Jordão no dia seguinte (não tínhamos carro). Um primo pediu carona até Campinas, e foi nos “entretendo” com piadinhas sobre recém casados, até chegarmos ao hotel.

Começamos o casamento sem dívidas e com as insondáveis riquezas de Jesus Cristo—e nada mais. Nove meses depois veio nosso filho Davi, que eu cuidava nos intervalos das aulas. Em casa, estudávamos ao cheiro de fraldas (de morim) sendo fervidas sobre o fogão. Desconfio que ele se alimentava de teologia bíblica junto ao leite materno que eu dava enquanto estudava para terminar o curso. Às vezes nossa colega Edith Moreira (há mais de cinqüenta anos no trabalho missionário entre os ianomâmis) e outros colegas vinham “dar uma mãozinha” a essa mãe nova super atarefada e um pouco atrapalhada. Muitas vezes, recebemos professores ou outros colegas em nossa casa para uma refeição—as horas em que Dr. Shedd humildemente partia o pão conosco marcaram para sempre nossa visão bíblica e prática da Palavra.

Descrever nossa vida iniciante em ministério daria um livro todo e eu quero aqui só localizar nosso contexto existencial para falar das bodas. O Salmo 45 fala do casamento do Rei a quem nós consagramos, antes mesmo de conhecermos a alegria do casamento, a meta de extravasar a graça de Deus, (v.2) ungindo-nos com o óleo da alegria (v.7), pois ele é nosso Senhor (v. 11). A promessa de que “serão teus filhos os quais farás príncipes por toda a terra. O teu nome eu farei celebrado de geração em geração, e assim os povos te louvarão para todo o sempre” (Sl 45.17-18). Essa promessa marca o casamento do Rei a quem servimos e em quem nossas vidas se misturam—com a dedicação: “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Romanos 11.36—inscrito em nossas alianças).

Vivemos, por um tempo, o “já e ainda não”. Pela graça de Deus, fomos libertos da escravidão do pecado. Somos pecadores que, por Cristo, disseram “sim”, bem cedo buscando em Jeová o que fala o salmo seguinte: “nosso Refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações” (Sl 46.1)—porque angustias e tribulações certamente fizeram parte de nossa vida! Mas “ele pôs termo à guerra ... quebrou o arco e despedaçou a lança, queimou os carros no fogo” (Sl 46.9).

Pela primeira vez em minha vida pude planejar uma festa como queria. Teríamos de limitar os convites, mas abri para igreja em convite geral RSVP. Embora Deus seja dono de todos os bois da terra, ele deu a nós desfrutar de tudo com parcimônia e discrição. Resolvemos convidar cinquenta pessoas: o conselho da igreja e suas esposas e quem mais confirmasse a vinda. Dos mais de cem parentes e amigos que nos acompanham em nossa jornada há muitos anos, sabíamos que muitos não teriam condições de vir, e imaginamos que acabaríamos com cerca de cinquenta à mesa. Lembrei do conto de fadas onde o rei só tinha doze pratos e talheres de ouro e decidiu convidar apenas doze fadas para o banquete, ficando a décima terceira fada furiosa por não ter sido incluída, e amaldiçoando a Bela a dormir durante cem anos. Mas nossa vida não é conto de fadas e Jesus Cristo já nos despertou do sono. Cinquenta era um número sustentável para reunir junto à churrasqueira do sítio; cinquenta eram os anos de vida conjugal, e cinquenta o número de canecas comemorativas que encomendei de um irmão artista. Nossa casa tem portas abertas; tem de ter também portão fechado!

A parábola de Jesus sobre as bodas do Filho do Rei (Mateus 22) começava a ter aplicação prática em nossa vida—muitos convidados não apareceram. Imaginei chamar os pobres das ruas de Mogi, mas não havia como. Não tivemos o problema de penetras que não estivessem vestidos para a festa—todos estávamos de jeans e roupa esporte como convém a gente simples no campo. Na hora da cerimônia de culto de gratidão e renovação dos votos, Lau e eu nos trocamos para algo mais formal—mas quem não permaneceu totalmente ataviada como noiva adornada para o noivo fui eu, depois do culto—tirei os sapatos e fiquei de chinelos velhos, e foi desse episódio a primeira foto que uma convidada postou nas redes sociais.

Tivemos abundância de comida, um lindo, grande e delicioso bolo, abundância de lembranças gostosas e memórias gratas da bondade de Deus de geração em geração. No ano passado, quando Wadislau esteve mal de saúde, não podíamos imaginar que este ano festejaríamos assim. Sentimos muito a falta de Deborah e de Daniel com suas famílias—entendemos, porém, que eles estão servindo a Deus onde foram chamados, e alegramo-nos com a participação do primogênito, que pregou, da esposa, que tocou e cantou, e dos dois netos, carinhosos fotógrafos incríveis. Realmente, nossas Bodas de Ouro abençoaram a todos que aqui estivemos, fechando com chave de ouro nossos primeiros cinquenta anos.

Decorei, ainda jovem, a poesia de Robert Browning dizendo “Grow old along with me; the Best is yet to be” (Envelheça junto a mim: o melhor está ainda por vir... - Rabbi Ben Ezra) e hoje digo que o melhor já veio, está aqui agora, e vai continuar para a eternidade! Somos infinitamente gratos a Deus por este privilégio singular.

O tema do casamento do Rei com sua noiva perpassa a Bíblia toda e cobre de graça todo casamento no Senhor. Em Efésios 5.22-32, o marido é comandado a amar a esposa “como Cristo amou a igreja e se entregou por ela”, e a esposa a ser submissa como a igreja a Jesus Cristo. Pedro (1Pe 3.1-12) começa falando da submissão da mulher “para que o marido seja ganho sem palavra alguma, pelo honesto comportamento, o “homem interior do coração unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranquilo”; e dos maridos, vivendo a vida comum do lar com discernimento e consideração, tratando a mulher com dignidade”, lembrando que os dois são “juntamente herdeiros da mesma graça de vida, para que não se interrompam as suas orações”!

Pecadores teimosos que somos, Deus nos uniu e deu-nos condições de viver em santificação a vida comum e do lar, de maneira incomum e graciosa, amando como Cristo, sendo revestida como noiva gloriosa ataviada para bodas. Não como a nossa festa singela, limitada, imperfeita, mas para as Bodas do Cordeiro de Deus que foi morto em nosso lugar e reina para sempre. Já pensou na festa perfeita?!
Aleluia! Pois reina o Senhor,
Nosso Deus, o Todo Poderoso.
Alegremo-nos, exultemos e demos-lhe a glória,
Porque são chegadas as bodas do Cordeiro,
Cuja esposa a si mesma já se ataviou
Pois lhe foi dado vestir-se de linho finíssimo,
Resplandecente e puro. Porque o linho finíssimo
são os atos de justiça dos santos.
Então me falou o anjo:  escreve:
Bem-aventurados aqueles que são
chamados à ceia das bodas do Cordeiro.
E acrescentou: São estas as verdadeiras palavras de Deus.
(Ap 19.7-8)



Elizabeth Gomes