O papagaio da minha avó não gostava de menino de calça curta. Atacava o incauto aos gritos: “Sá Laura! Tem moleque da rua!” A parentalha ficava dividida sob o olhar grave/zombeteiro do Vô Venâncio. Eu, é claro, com a barra nas canelas, era contra o louro. O que ficou foi o comentário murmurado do primo Ézer: “Criança tem direito”. É isso aí! O termo “direito” é tão papagaiado que virou palavra de contacto. O primo era mais a favor da pessoa humana do que a favor da “pessoa humana” do penado. Percebe aonde eu vou? Há gente verde que é pró-vida de bicho e pró-aborto de humanos. Ainda bem que os direitos do corpo não têm implicações retroativas, senão, menino de calça curta que se cuide. Um dia, lanço o movimento pró-chupa ovo de psitacídeos, e vai ser aquele angu de caroço. Para fugir das piadas de papagaio, faço uma troca: uso o termo “privilégio”. Assim: Privilégios e responsabilidades da pessoa.
Toda pessoa têm o privilégio de viver! Viver é bom, como disse o Gonzaguinha: “É a vida, é bonita e é bonita...”. Sem falar na outra vida, esta já é boa! Só viver já vale a pena de ter nascido... O que é que é? É que, para ser realista, a gente dói para nascer e continua doendo e com dor até que chegue a hora de enterrar o terno. Mas nos momentos em que a dor passa, a vida se mostra linda, gostosa, (casando passa, soprando alivia, dormindo esquece...). E é Deus quem dá a todos essa alegria: vida, respiração e tudo mais (Atos 17.25). Pois olha: esse privilégio concedido por Deus vem com um pacote de promessas que nos habilitam a viver a vida eterna já aqui na terra (2Pedro 1.3-4). Já pensou, ser feliz que só Deus? Quanto é que custa? Na verdade, a vida é tão cara que ninguém pode comprar (Salmo 49.8); e, no entanto, é de graça (Deus, sendo rico em misericórdia... estando nós mortos... nos deu vida juntamente com Cristo – pela graça sois salvos (Efésios 2.4-5). Portanto, o privilégio da vida é seu direito adquirido pelo Autor da vida e a efetividade desse direito é contingente à permanência nele (João 15.1-5).
Toda pessoa tem o privilégio de ser amada por Deus e de amar o próximo. O papagaio popular diz que sem amar a si mesmo não dá para amar aos outros. Mentira; você já se ama tanto que, até quando fica bravo, cruza os braços e se abraça. O privilégio de amar é contrário ao direito de ser amado. Para que o amor seja sentido, é preciso que haja amor: sair para o encontro; acolher o outro; fazer o bem (Romanos 12.3, 8-10). Deus já provou seu amor, entregando o Filho eterno para entrar na humanidade e dar a vida por nós (Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos, João 15.13; ver 3.16). O amor ao próximo adquire altura e profundidade no entendimento de que alguém só é autêntico se o semelhante experimentar seu amor. Esse é um privilégio que gera o direito divino (Salmo 89.14). Amor sem justiça é papagaíce, som de metal frio, paixão sem dedicação, assistencialismo sem compromisso pessoal. O verdadeiro amor, às vezes, pode ser duro e forte, mas é sempre paciente, benigno, sem inveja ou ciúme, humilde, convenientemente, altruísta, bondoso, inimigo da injustiça, e verdadeiro; esse amor é um privilégio e um direito: O amor jamais acaba (1Coríntios 13).
Toda pessoa tem o privilégio do acesso à verdade e de ser verdadeira. Foi o Ben Franklyn que saiu com essa de que ninguém poder chegar à verdade, se não for livre para buscá-la. O que Jesus disse, foi: Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (João 8.32). Tente, um dia desses. Com efeito, a verdade está aí, para todo mundo ver. A natureza a proclama com sua ordem inteligente (até papagaio, sem inteligência, repete) e a consciência a sussurra mais que grilo falante (Romanos 1.19 e 2.15); a Bíblia revela seu sistema e Jesus Cristo torna-a experimental (Salmo 19.1 e Hebreus 1.1-4). Só não vê quem cerra o cenho ou olha de lado. No entanto, a verdade merece ser vista. Ela é bonita, quando bem entendida e vivida. Às vezes, usamos a verdade como desculpa para a maledicência e ela fica mais feia que filhote de papagaio “Olha, quero ser franco” (isto é, mal educado); “Sabe, eu falo a verdade: fulano...”. Mas quando a verdade é dita em amor, até injeção na testa a gente aceita. Esse privilégio vem de conhecer o caminho da verdade que conduz à vida, isto é, Jesus Cristo (João 14.6). Ele pagou o preço da verdade para que obtivéssemos o privilégio de sermos verdadeiros. Certamente não será fácil, pois, custou para o Senhor e custará também aos servos da Verdade. O movimento dos “sem Deus” se ocupa de suprimir a verdade (Romanos 1.18), sem perceber o autoengano que existe na mentira. É como o nadador que “colou” na prova de nado livre. Dizem que brasileiro mente “por educação”: se disser que vai, poderá não ir; se disser talvez, é certo que não irá; e se disser que não vai, poderá ser que apareça. Ah! Se conhecesse o privilégio da verdade e de ser verdadeiro, com justiça e em amor! Privilégio que é também direito à habitação segura. O rei Davi descreveu a pessoa que habita na nobreza de Deus: O que vive com integridade, e pratica a justiça, e, de coração, fala a verdade (Salmo 15.2, ver 1-5). Quando este mundo não concede a preferencial à verdade, o privilégio do crente está em manter sua palavra (Salmo 15.4) e em sofrer injustiças em nome do Senhor (Mt 5.10-12).
Toda pessoa tem o privilégio de ganhar sustento para a vida por meio do trabalho honesto. Esse é outro ponto em que há papagaiada. Já ouvi de tudo, de “quem trabalha não tem tempo para ganhar direito” até “bobo é relógio que trabalha de graça”. O princípio bíblico do trabalho reside em quem Deus é: um Deus de obras. Ele criou o mundo e nele opera, incansável. “Mas” – o espertinho vem, de novo – “Ele não descansou, no sétimo dia?” Não de cansaço, mas descansado na essência da criação (Colossenses 1.15-17), o próprio Filho, o qual disse: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também (João 5.17). A razão para o trabalho humano é o reflexo do caráter de Deus, em verdade e em amor. Assim, ele é formador do caráter e seu salário é evidência da bondade divina. Como o apóstolo Paulo disse, não roube; trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado (Efésios 4.28). Se você não pode trabalhar, descanse no Senhor, orando pelo pão do céu e em favor daquele que trabalha de verdade e com amor, pois ele terá o privilégio de repartir com você as bênçãos de Deus. Quando ao descanso, Jesus disse que o sábado foi estabelecido por causa do homem (Marcos 2.27). O binômio trabalho/descanso (tanto no sentido repouso quanto de confiança em Deus) é um princípio sem o qual não bastará redistribuição de terra, casa para todos, auxílio família, bolsas sem fundo e daí em diante. Nem mesmo redistribuição de renda funcionará (tudo justo, justíssimo, mas posto a perder se a preguiça der em cima como infestação de saúva – e olha que ela trabalha!). Por exemplo, quando impedimos a criança de aprender o gosto pelo trabalho, ensinamos a preguiça. Assim, esteja certo de duas coisas: embalo da rede sem ter do que descansar é fábrica de espertinho ladrão; e Melhor é o que se estima em pouco e faz o seu trabalho do que o vanglorioso que tem falta de pão (Provérbios 12.9). Trabalho também é privilégio, e o cuidado com quem não pode trabalhar, é direito dele.
Toda pessoa tem o privilégio de ser chamado para conhecer e para cumprir o mandado da educação. A história, aqui, é a mesma do princípio do trabalho. Deus, que tudo sabe, revela o conhecimento dele mesmo e da criação, de maneira que, pelo conhecimento dele e de nós mesmos, experimentemos a vida verdadeira, justa e amorosa (ver Jeremias 9.24; Eclesiastes 7.25; Jó 38—41). Ele não somente nos ensina à distância, mas formalmente na Palavra, informalmente na comunhão de Cristo e não-formalmente na experiência com seu Espírito (João 14—16; 2Timóteo 3.16). Agora, dizem por aí que educação é direito de todos – e vamos ensinando por linhas tortas. Educação é um privilégio, e ainda que seja do direito divino que os filhos sejam ensinados (Deuteronômio 6.6-9), deve ser considerado um privilégio e não um meio “espertinho” de conseguir “diploma” (leia-se cartucho para arranjar emprego). Nesse sentido, o Estado tem o dever de prover educação básica que dê condições para estudos mais elevados; contudo, não podemos perder de vista as diferenças de mérito. Educação subida é para quem sobe, e não elevador de carga montado para a construção da economia nacional. O privilégio da educação segundo o mérito enobrece a nação, mas a massificação do ensino torna o povo medíocre. Quem usufrui o privilégio do verdadeiro conhecimento é como praia banhada pelas ondas da sabedoria (a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar, Isaías 11.9), mas aquele que toma a educação como direito sem dever de sabedoria, é imprudente (Todo prudente procede com conhecimento, mas o insensato espraia a sua loucura, Provérbios 13.16).
Toda pessoa tem o privilégio de cuidar da saúde do necessitado e de ter a própria saúde cuidada segundo as necessidades. O que é que você prefere: ser pobre e doente ou rico com saúde? Mas que dúvida! O problema é quando a saúde vira direito. Se fosse assim, eu aderiria ao sindicato dos enfermos para fazer passeata na porta do hospital: saúde já! Saúde é um privilégio! Aqui, o espertinho tentar explicar: “A proposta é que todos tenham direito ao cuidado da saúde. Ah! mas essa é boa! Então, o mesmo anônimo que fomenta o comércio de remédios é que vai cuidar da minha gripe? Vai nessa! O resultado é esse que está ai. A mulher grávida, no posto de saúde, reclama para outra de bucho inchado: “Com essa merreca do auxílio natalidade nem vale a pena de ter filho”. Esse tipo de mentalidade acaba dando no lugar comum de maus tratos, negligência e abuso de “otoridade” na recepção de hospitais. Depois, vêm as explicações no jornal da TV: falta de verba, de pessoal, de vergonha na cara. Não se engane não. Saúde é um privilégio; o direito de Deus dirá que o Estado é responsável por manter o trem nos trilhos, mas os viajantes são responsáveis pelo bem estar na viagem. No antigo Israel bíblico, o governo era civil e religioso (que não deve ser o caso agora, posto que, em governos não teocráticos, a separação entre a igreja e o estado é coisa saudável e necessária). Contudo, o princípio permanece, cada uma das esferas cumprindo suas funções. Naquele caso, Deus falou, por boca do profeta, que era lamentável que os dirigentes do povo enchessem o pandulho do melhor, vestissem com o melhor, mas se descuidassem do povo. Esse, como ovelhas sem dono, cerca ou aprisco, esperava a hora da degola (depender da previdência pública). A doente não curastes... mas dominais sobre elas com rigor e dureza (Ezequiel 34.4, ver vv. 2-4). Saúde é um privilégio – bênção – e o cuidado com os enfermos incapacitados, especialmente se contribuem para a malha geral da previdência, é direito assegurado pelo privilégio do Estado, de fazer o bem.
Toda pessoa tem o privilégio de andar em bons caminhos com liberdade para ir e vir. Ir e vir são privilégios de quem anda em bons caminhos. Sabe aquele sinal de preferencial que a gente só tem se o caminhão der? Pois é, o privilégio de andar é preferencial. No entanto, eu não posso ir e vir como entender e quiser. Há caminhos que me parecem bons, mas que conduzem à morte (Provérbios 14.2). Eles poderão até parecer puros, mas Deus pesa o espírito (Provérbios 16.2). O fato é que eu devo andar prudentemente, não como néscio, mas como sábio (Efésios 5.15). O néscio pretende ignorar a Deus (Salmo 14.1), mas o sábio considera a Jesus, aquele que disse: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida (João 14.6a). De que me adianta o “direito” de ir e vir, se não for para o lugar que eu quero nem for para voltar inteiro? Minha origem e meu destino é Deus, para salvação e juízo, e o sinal de preferencial é como Jesus conclui a frase: ninguém vem ao Pai senão por mim (João 14.6b). Isso apresenta dois problemas. O primeiro é que as estradas andam um acidente! Tem seca que cresta a terra, tem chuva que desaba e leva o morro, têm furacão e terremoto roncador, todos atos de Deus, com justiça e amor. Discutir isso é ficar de mal com Deus porque ele é justo (de minha parte, sei onde o calo aperta), e significa abandonar sua casa só por que ele não me permite o que quero. Nesse caso, livre ir e vir é meu direito à inimizade contra Deus e homens (Jeremias 14.17). O segundo é que o direito de ir e vir anda na contra mão, e não só quando vamos de visita aos parentes nos feriados ou ao nordeste para ver as dunas e tomar banho de suor. Acontece assalto nas esquinas e nos pedágios. De todo lado tem gente competindo, dando trança-pés, cortando a frente, e gritando: “Liberdade !” Liberdade é um privilégio mantido pelas doces cadeias da verdade em amor. O apóstolo Pedro fundamentou a ideia, dizendo que não podemos usar a liberdade por pretexto da malícia; antes, reconhecendo que somos seres dependentes (do ar, de gente, especialmente de Deus), vivamos a liberdade para servir a Deus no serviço aos homens (1Pedro 2.15). Ir e vir bem sucedidos só vivendo sob o temor de Deus, mas jamais sob o temor de homens; honrar ao rei, mas adorar somente a Deus; servir a Deus com humildade, servindo a todos com nobreza, sem servilismo; tratar o bom e o perverso com verdade em amor (um ou outro em primeiro, conforme a situação, mas sempre os dois), principalmente, indo e vindo de consciência limpa (ver 1Pedro 2.16-19).
Toda pessoa tem o privilégio de abdicar de seu direito em função do bem estar de outros. Essa é a parte mais difícil, mas que é o comportamento final que denuncia a crença básica e possibilita tudo dito acima. O direito que eu tinha era o de ser responsável pela minha vida diante de Deus, mas, com a inflação do pecado, só de juros já era um inferno. Contudo, Jesus Cristo pagou as contas e adquiriu o direito sobre minha vida. Minha responsabilidade é, agora, quanto for possível e necessário, abrir mão da impressão de direito que ainda resta, e passar a justificação de Cristo à frente. Isso envolve muita coisa: ler, obedecer e falar da Palavra de Deus, orar por mim, pelos amigos e pelos inimigos; por pernas nessas orações, ser bênção de Deus na comunidade em que ele me colocou e daí em diante. Tudo isso é um privilégio!
Declarações finais (Mateus 5.1-6) – todo cristão tem privilégio de:
1. Exercitar humildade e, assim, viver na terra segundo o direito do reino dos céus.
2. Ser consolado por Deus quando lamenta a natureza decaída deste mundo.
2. Exercer mansidão (entrega de direitos), para herdar a justiça dos céus, na terra.
3. Desejar a justiça de Deus sobre toda a terra em vez de reivindicar justiça própria.
3. Ser misericordioso como Deus é em vez de se sentir miserável.
4. Considerar e confessar os próprios pecados, na justificação de Deus pela fé em Cristo.
5. Buscar a paz com Deus, com as pessoas e entre os homens, e ser chamado filho de Deus.
6. Ter coragem para sofrer perseguição por causa de exercer a justiça de Deus, na terra.
7. Ser luz do mundo e sal da terra, em todas as áreas da vida, para os homens glorifiquem a Deus.
Wadislau Martins Gomes
2 comentários:
EstiAmado Rev. Wadilau,
Li com interesse, prazer e sensação de desafio o seu post.
Ponderações das mais sérias e muito necessárias em face da mentalidade "notável" que marca o psitacismo de nosso tempo.
Sou um privilegiado por conhecer o irmão e, assim, ter acesso a esse texto tão sábio, sincero e bíblico.
Você é um filósofo cristão e da melhor cepa. Por isso, oro para que Deus use-o ainda mais.
Acate aí o meu abraço.
Robson do Boa Morte Garcez.
estimado Robson, bênçãos. Suas palavras são bondosas. Irmãos amigos como você nos enchem de coragem para continuar.
Wadislau
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