terça-feira, fevereiro 15, 2011

CANSAÇO DE POBREZA


Dá para entender como quiser. Já teve o bordão de TV, “detesto pobre”, o quadro do primo rico/primo pobre, no rádio e na telinha, e, hoje, a logomarca do sitcom nacional: “País rico é País sem pobreza”. Mas, qualé? O que eu quero dizer é que há um cansaço de pobre: do pobre, de ouvir tanta promessa vazia; do homem honrado, rico, pobre ou remediado, de ver a exploração da indústria da pobreza; do homem sensível, de ver mal sem remédio; de todo mundo, de se ver explorado pelo engano ou pelo autoengano – uns, pensando que lucram da desdita e, uns e outros, sentindo-se logrados. Como é que a gente deveria entender esse ruído todo, e descansar em uma solução realista com esperança?

Primeiro, será preciso estabelecer essa visão de mundo realista com esperança. Jesus, que rico, se fez pobre, disse: os pobres, sempre os tendes convosco e, quando quiserdes, podeis fazer-lhes bem, mas a mim nem sempre me tendes (Mateus 14.7). Dois aspectos da realidade estão aí:

(a)     Pobreza não é coisa que acaba, pelo menos, neste lado da vida. Isso é fácil de ver, de todo lado. Pobreza e riqueza não são categorias exatas. Um centavo a mais e sou rico e um centavo a menos e sou pobre? Suponha que eu bamburre na fezinha: 500 bi! É muito? Mas é ficção e sonhar não custa. Compro uma casa em Maiame, de frente pro mar, e boto carro de verdade entre eu e a praia. O que não é ficção e sempre custa caro, é que, no dia seguinte, vem um desses tios patinhas da vida e compra a casa do lado. Do dia para a noite sonhei rico e acordei pobre. Outra suposição é mais conhecida: a sanha de lucro imediato: o ladrão rouba de casaca, de colarinho, de camiseta e até de uniforme de presídio; a traça anuncia mais comilança do que o pregão da bolsa, e a ferrugem corrói mais do que as ideologias românticas.

(b)     Jesus não disse que os pobres estariam sempre ali, e que ele queria a atenção agora. O que ele disse foi que, sem ele no coração, nada poderíamos fazer pelos pobres. Confira isso com outro dito de Jesus: Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra... mas ajuntai para vós outros tesouros no céu...; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração (Mateus 6.19-21). A realidade é que riqueza e pobreza são afeições do coração, e não, afeitos a conforto e abastança. Tem rico miserável, pobre irado, vice-versa etc., como tem rico e pobre de boa vontade. O que faz a diferença é o contentamento do coração.

A esse respeito, Paulo disse: Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação (Filipenses 4.11). Não é o caso do estulto de Provérbios 30, que pediu a Deus que não lhe desse riqueza nem pobreza porque, rico, o abandonaria e, pobre, blasfemaria. Como muitos de nós, atolados até o pescoço de tanta miserabilidade rica ou pobre, vamos pedindo baixinho que ninguém faça ondas.

Qual é a solução? Dá uma olhada em Deuteronômio 15.4-5, de onde Jesus citou o “pobres sempre tereis”. A passagem trata da responsabilidade dos pobres e dos ricos em face da realidade de que nem todos têm as mesmas condições nem passam pelas mesmas situações que lhes permitam autossuficiência. Isso é verdadeiro em termos materiais e, muito mais e principalmente, por causa da miserabilidade do coração humano. Assim, Deus trabalhou com o povo hebreu no sentido de arrancar do seu peito a maldita raiz de ganância que bota as ramas da miséria nos corações de pobres e ricos.

O primeiro passo foi o de instituir um imposto “de contentamento”. Nos brasis, em que estamos mais para jaburús do que para bravos, os impostos estão mais para as partes das hienas do que para a nobreza do leão. Não era assim com o dízimo de Deus – nem como é hoje, nas igrejas. O membro do povo de Deus deveria separar 10% dos seus ganhos para, uma vez por ano, levá-lo ao santuário do Senhor. Se morasse distante dele, poderia fazer o câmbio por moeda, em sua cidade, e trocá-lo por produtos, no santuário. Então, vem o que é importante notar: o contribuinte e sua família tinham de proceder a uma refeição de confraternização, diante de Deus. O restante ia para a manutenção do sistema e para a ajuda aos necessitados do povo e, até mesmo, para os estrangeiros. Foi assim que Deus planejou transformar o coração das pessoas, fazendo-os trabalhar para seu próprio sustento e para acudir ao necessitado (cf. Efésios 4.28: Aquele que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado.)
               
Você pode imaginar um povo brasileiro de coração transformado (contribuintes e fisco), aprendendo o princípio do imposto? Pode imaginar, com realismo e não como o beatle, um povo contente com o trabalho e com a generosidade? Pode imaginar um sistema de imposto em que nós, de salário minguado, e as indústrias de produtos e de dinheiro, todos pagássemos 15% (olha, hein! É mais do que dízimo)?  Para isso será preciso retirar do coração tanto o conservadorismo quanto a revolução legalistas. O imposto de Deus tinha essa característica que o “dízimo” da igreja de hoje despreza: a cada ciclo de sete anos, quando a terra teria de descansar e não haveria colheita, as dívidas eram suspensas até que viesse nova safra, e o devedor acertasse com seu credor. A cada três anos dentro desse ciclo, o imposto era dedicado ao socorro do necessitado a fim de que ele e a família tivessem suprimento para suas necessidades, e partilhassem aquela refeição contente na presença do Senhor.

                Sei lá como é que o Estado poderia aplicar a verdade de Deus, quando sequer crê nele para usufruir seu contentamento! O que sei é que a chuva e o sol que Deus dá, caem sobre crentes e incrédulos, e que as bênçãos de Deus podem ser estendidas pelos cidadãos do reino de Deus também aos estrangeiros. Se houvesse essa transformação do coração para amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, ninguém sairia no carnaval de ano inteiro, vestido de Dom Quixote na escola de samba de Macunaíma, cantando o refrão: “País rico é País sem pobreza”. Seria mais uma refeição de contentamento na presença do Senhor feita possível para todos, ao som de reco-reco, pandeiro e bandolim: “Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”.

Wadislau Martins Gomes

2 comentários:

João Inácio disse...

Êh, Lau, tu é o cara!
Muito bom.
JI

coramdeo disse...

Oi, João Inácio.
Seus comentários são sempre bons e felizes -- e graciosos. Obrigado.
Wadislau