terça-feira, janeiro 25, 2011

SOBRE A BOA EDUCAÇÂO

Tem crente que não percebe que o fundamento determina o método. Em vez de ser professor cristão, contenta-se com ser cristão nas horas vagas e professor na vida real. Deveria ler alguma lista de “Por que não sou...”: não sou tradicionalista por que não creio que o saber esteja centrado no professor; não sou novaescolista nem construtivista por que esses são métodos humanistas que pressupõem a doutrina da autonomia do aluno para ser ensinado segundo suas próprias luzes; não sou tecnicista por que não aceito que o aluno seja uma máquina a ser treinada para funcionar conforme as solicitações ambientais; não sou progressista libertário, por que o ensino da pedagogia crítica cristaliza o aluno em seu próprio cenário social (o pobre aprende carroça e, o rico, Lamborghini), e daí em diante. Mas, então, o que sou? Sou cristão, (e paulista do interior). Como Schaeffer gostava de dizer, o evangelho é um sistema com método próprio.

O método cristão é o do discipulado. Só que não se parece em nada com esse discipulado evangelicalista que há por aí. É um discipulado de conservos aprendizes que guardam uma ordem hierárquica baseada no Senhorio de Cristo, sensibilidade ao Espírito Santo, fidelidade à Palavra de Deus e acato aos mestres no Senhor (cf. Hebreus 13.17). Para que o método seja aplicado, o professor terá de ser experiente no conhecimento do Senhor e naquilo que Deus ensina sobre o conhecimento, sendo obediente a Deus na prática das virtudes cristãs na vida pessoal, familiar, profissional e eclesiástica (2Timóteo 3.10-17). Da mesma maneira, o aluno deverá ser obediente, disciplinado, motivado pela injunção bíblica quanto à obrigação do conhecimento e ao deleite do aprendizado. O aluno deverá ter mudanças em seu senso de valores (pessoas antes do estudo, saber antes de notas de avaliação, e crescimento espiritual antes de sucesso pessoal) e em seu senso de propósito do conhecimento e do treinamento: “e de o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros (cf. 2Timóteo 2.2).
           
O método cristão de educação, com efeito, é baseado, de parte do mestre, na congruência entre o que diz e o que faz; e, de parte do aluno, no entendimento do testemunho de vida do professor e na disposição para sua própria coerência de vida. Se o professor é motivado por necessidade, isto é, se é professor por que precisa do salário, gosta de exercer autoridade sobre os pobres ignorantes ou de demonstrar seu imenso saber, ele formará estudantes, não das matérias lecionadas, mas das táticas de manipulação vivenciadas em sala de aula (cf. Tiago 3.1-2; 1Timóteo 1.5-7; Lucas 6.40).
           
Na mesma linha de pensamento, o método cristão de ensino não poderá ser entendido como “aula de religião”. Trata-se de educar a mente e o coração para pensar após os pensamentos de Deus (frase de Van Til), interpretando o mundo como Deus interpreta. Não basta fazer uma oração antes de estudar economia sob os perdigotos de John Locke e Adam Smith ou de Karl Marx e Proudhon. Há uma “teologia de economia”, e o professor cristão de economia deverá ser mestre no assunto. Há uma teologia de justiça e lei, e o mestre cristão deverá dominar essa área. Há uma teologia do homem a que todo antropólogo, sociólogo, psicólogo ou administrador cristão, deverá submeter seu pensamento. [1] “Ah! – você dirá – “mas o que fazer com as ciências exatas; há uma teologia da física, da química, da matemática?” Vern Poythress fornece uma longa argumentação[2] que sintetizo, aqui: a Palavra de Deus, Viva e Escrita, produz uma unidade harmônica que permite harmonia na matemática e física e entre essas disciplinas. Acho que isso é suficiente, aqui.

O Senhor Jesus estabeleceu exemplo para a interação mestre/aluno:

(1) Há uma só fonte primária para o ensino da verdade, e essa é pessoal: “Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos. A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque só um é vosso Pai, aquele que está nos céus. Nem sereis chamados guias, porque um só é vosso Guia, o Cristo” (Mt 23.8-10, cf. vv. 11-12; cf Mt 20.16); “Mestre, sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus, de acordo com a verdade, sem te importares com quem quer que seja, porque não olhas a aparência dos homens” (Mt 22.16).
(2) Professores humanos pertencem à mesma categoria dos alunos, e o alvo da educação é o de reproduzir nos alunos o conhecimento e o caráter do professor: “O discípulo não está acima do seu mestre... Basta ao discípulo ser como o seu mestre” (Mt 10.24-25).
(3) A tarefa do mestre é uma de servir ao aluno na reprodução do caráter de Cristo: “Vós me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque eu o sou. Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros” (João 13.13-14).
(4) O Senhor Jesus concedeu mestres aos alunos “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação da igreja” por meio de trazê-los à unidade do conhecimento de Filho de Deus, “à medida da estatura da plenitude de Cristo”. Essa tarefa implica no discernimento entre o ensino confessional e o ensino secular: “para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro” (Efésios 4.11-14; ver vv. 15-18).
(5) Quanto ao aluno, Paulo instruiu Timóteo a permanecer “naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste”. A Palavra de Deus é o elemento essencial para interpretação de toda a realidade e para a implementação da verdade em todas as fases da boa educação (2Timóteo 1.14-17).

Quando comecei a usar o termo “implementação”, algumas sobrancelhas levantadas me perguntaram se a palavra aplicação não seria mais familiar. Por isso mesmo – eu respondia; é familiar demais para denotar a nuance de sentido que eu quero dar. Aplicação poderá ser uma abstração da verdade, assim como aprender a nadar por correspondência. “Olha, isso se aplica àquilo”, ou “isso se faz assim”. O sentido que eu quero dar é o da experiência prática dessa aplicação. O ensino cristão é definitivamente pré/pós/teórico (De novo!? Está bem, eu explico: uma dada aplicação da verdade existe no pensamento de Deus [pré] que, uma vez revelada, torna-se verdade para o nosso pensamento, quando entendemos seu enunciado, apreendemos sua realidade e atuamos de conformidade com ela [pós]).

O melhor exemplo de implementação, na Bíblia (ih! acho que deveria ter dito “de todos os exemplos”) é o contexto da família, registrado em Deuteronômio 6.1-9. Primeiro, porque o conceito de família é mais amplo do que sexo e filhos; o próprio construto divino (gostou dessa?) é pedagógico, ensinando a aprender amor gracioso e dependência amorosa, o que, por sua vez permite a relação discípulo mestre. Por isso que me oponho à soberania do estado em questões do ensino; creio que o governo tem um papel a desempenhar, mas não é o de assumir meu filho para fazer dele um cidadão da terra; antes, o filho é meu e eu tenho o dever de educá-lo para exercer dupla cidadania, como embaixador dos céus na terra que também é de Deus. A tarefa dos pais é uma de acatar e usufruir os “mandamentos, os estatutos e os juízos que mandou o Senhor, teu Deus, se te ensinassem, para que os cumprisses” (v. 1), “tu, e teu filho, e o filho de teu filho, todos os dias da tua vida” (v. 2b). A motivação para a implementação está no v. 3: “para que bem te suceda, e muito te multipliques na terra que mana leite e mel, como te disse o Senhor, Deus de teus pais”. A experiência prática vai assim implementada:

1. Para realmente aprender conforme manda o figurino, os pais/mestres terão de botar para funcionar mente e coração, vontade e músculos, com a disposição do turista nadador, levado pelo refluxo da maré. “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração” (vv. 5-6).
2. O ensino deve ser constante, repetido, a tempo e fora de tempo, em todos os lugares, que é para o filho perceber que não se trata de “arranjar diploma”, mas que é questão de vida ou morte; e para que o temor do único Senhor lhe seja por sabedoria, isto é, para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal” (Hebreus 5.14).
3. Uma vez entendido o ensino na mente e no coração, e compreendida a aplicação, os pais são instados a realizar junto com os filhos, os atos implicados na verdade ensinada e, então, requerer que eles mesmos repitam as tarefas. “Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas” (vv. 8-9).

            É, entendo que me estendi demais e apreendo a sua apreensão; agora, é melhor guardar a viola no saco e ir saindo. Mas não sem pôr em suas mãos, para você pôr na testa e pendurar na porta de casa – até que entre em seu coração:

Filho meu, se aceitares as minhas palavras e esconderes contigo os meus mandamentos, para fazeres atento à sabedoria o teu ouvido e para inclinares o coração ao entendimento, e, se clamares por inteligência, e por entendimento alçares a voz, se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a procurares, então, entenderás o temor do Senho e acharás o conhecimento de Deus. Porque o Senhor dá a sabedoria, e da sua boca vem a inteligência e o entendimento (Provérbios 2.1-6).


Wadislau Martins Gomes



[1] Um bom exemplo da aproximação de matérias deste mundo sob a luz de uma bio-cosmovisão cristã é a dissertação de mestrado de Cláudio da Silva Cruz: “Governança de TI e Conformidade Legal no Setor Público: Um Quadro Referencial Normativo para a Contratação de Serviços de TI”. http://www.cscruz.org/publico/CRUZ,2008,DissertacaoFinal.pdf  .
[2] Poythress, Vern S., Redeeming Science: A God-Centered Approach: Crossway Books Wheaton, Illinois, p. 317. Ver capítulo sobre matemática, em forma de artigo, em http://www.frame-poythress.org/ .


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