quinta-feira, janeiro 20, 2011

SOBRE EDUCAÇÃO E FALTA DE EDUCAÇÃO

Quando o mundo ainda não vinha pela net, mas já andava de TV, um humorista inventou um ovo que para em pé: a faculdade de cinco anos em cinco minutos. Em uma entrevista, o anfitrião introduziu a ideia e o humorista explicou: “Você, por exemplo, quando é que terminou a faculdade? “Há uns cinco anos”. “O que é que estudou?” “Inglês e espanhol”. “E o que você se lembra, hoje?” Uns dez segundos, contando nos dedos, e o apresentador ensaiou um espanglês que mal encheu cinco minutos. “E só isso?” “És todo”. “Então, por que não ensinar em cinco minutos só o que será lembrado depois de cinco anos?”

É claro, você vai pensar, o raciocínio está incorreto. Mas quem é que falou de raciocínio; estamos falando de educação no Brasil! Será que há mais raciocínio nessas luzes de cinco minutos do que as que brilharam nas cabeças que deram à luz nossa estrutura de ensino? Conta só: elaboração do ensino massificado, diluição do conteúdo programático, popularização da academia, aprovação quase automática, aumento da carga horária do aluno com diminuição do tempo de preparo dos professores em função de salários mais baixos para o ensino basilar. A falta de raciocínio é a piada. Imagine que, desde segunda-feira, os estudantes que tentam se inscrever no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do Ministério da Educação (MEC) esbarram na lentidão do programa da internet “e os que conseguem entrar no sistema correm o risco de serem direcionados aos cadastros de outras pessoas”.

Educação ou falta de educação? O que falta para ser educação: cinco anos ou cinco minutos? Vamos lá: os 2.632.320 minutos que totalizam cinco anos não serão mais do que lembranças de escola, se for mantido tipo de estrutura educacional que temos nesta Terra de Santa Cruz. Claro que tem quem aprenda de verdade, mas esse não se limitou a cinco anos e cinco minutos de traseiro do banco escolar. Com efeito, esse é o que comprova o que eu digo. A recíproca também é verdadeira e sintomática: se o próprio órgão que cuida da badalada educação brasileira carece de competência para aplicar as matérias de administração, de informática e de cuidado ético moral propostas no ensino, aonde é que estaremos daqui a cinco anos?

Lembra-se de como era há cinco anos? Começávamos a sair da alienação, mas ainda sem conseguir “se libertar desse mal”.[1] A frase teve cinco minutos de razão quanto à persistência do mal, mas, o resto do tempo, ficou na velha política de educação homogeneizada. A questão não é uma de elevação do ensino por meio de ingerência do estado social. A continuar o tratamento da educação com base nesse princípio, vamos prosseguir no esbarro da ineficácia do Estado e nos pressupostos políticos, econômicos e ideológicos correntes. A proposta clássica de nossas agências educacionais[2] comete um erro central. Conquanto tenha a ver, e muito, com comunidade, a educação não pode ser fundada na sociedade, sob risco de cair em um círculo vicioso de julgamentos individuais subjetivos, sendo substituídos pela consciência do Estado que, por sua vez, determina a educação do indivíduo.


Ensino não é apenas comunicação de informação e treinamento para passar de ano, fazer teste do ENEM ou se dar bem, financeiramente falando. Ensino que leva o sobrenome de educação tem de ser um de conhecimento verdadeiro que prepara para a vida, e seu primeiro nome é sabedoria. A falta de sabedoria distorce o conhecimento e leva o povo a essa falta de educação espiritual e moral que está aí, à mostra, em todas as esferas de autoridade da Nação. Michael Polanyi expressou sua crença em que o homem moderno deveria retornar a Deus para clarificação de seus propósitos culturais e sociais.[3]

A proposta cristã é uma de ensino confessional baseado na Escritura Sagrada. E não adianta pôr nota contrariada na Istoé nem na Folha, pois todo ensino, religioso ou secular, é confessional. O que muda é o catecismo: seja do Manifesto Humanista II seja do marxista modelo latino seja de um bom catecismo reformado. Para tratar extensivamente desse tema, eu teria de gastar muito teclado e tempo, e ainda correria o risco de ser anti-didático. Por isso, limito-me a um comentário de cinco minutos: o ensino cristão é pessoal, revelado, verdadeiro, sábio, e perene.

Verdade e sabedoria, irmãs gêmeas, iguais nos mínimos detalhes, são, no entanto, duas entidades diferentes. A primeira é uma propriedade, pertencente a alguém; a segunda é uma qualidade, uma virtude decorrente. É simples: você é uma pessoa? Então, é proprietário de uma consciência cujos atos finalizam no corpo; por exemplo, o “seu” Carlos, que vive com construções na cabeça, e que as executa com as mãos. Você tem uma ocupação? Ora, você não é sua profissão, mas desenvolve uma qualidade funcional; por exemplo, “seu” Carlos é pedreiro, mas poderia ser engenheiro. Note que eu usei o termo entidade, que significa existência real, essência da coisa, um ser com qualidade distintiva.

Ora, o “seu” Carlos não tirou a ideia de construção do nada, mas derivou-a da vontade do Criador que nos fez criativos (à sua imagem). Ou teria ele pensado em construção primeiro e, só depois, em gente para morar nela, tal como quem já sabe nadar e tem necessidade de inventar a água? Ou teria conhecimento das relações de pessoas e habitações? Como ele constatou essa verdade? Certamente no relacionamento Criador/criatura. A despeito da rebelião, descrença e infidelidade humana, Deus assegura aos homens a sua verdade a fim de que as propriedades e qualidades do seu caráter sejam conhecidas, para esplendecência de sua sabedoria em amor, na nossa vida (cf. 2Pedro 2.7-11.)

Siga o pensamento, no Evangelho de João. No capítulo 14.6, ele diz: Jesus Cristo é o caminho, e a verdade e a vida. Na proposição inicial (João 1.1-14), a tese é a de que Jesus Cristo é Deus, o Filho, segunda pessoa da Trindade, que encarnou nossa humanidade para reunir todas as coisas no propósito eterno; nesse sentido, ele é o caminho que liga o homem Deus. Também, essa ligação não opera no vazio, mas têm realidade e significado próprios que finalizam em Jesus Cristo, Verbo criador e iluminador (Gn 1.1-3) para interpretação das coisas criadas; nesse sentido, Jesus é a verdade. Ora, como a verdade é reprimida pelos homens, por causa do pecado que o restringe a uma esfera de morte, foi do propósito eterno de Deus que o Verbo encarnasse nossa condição até a morte – e além dela, na ressurreição – a fim de nos conceder vida; nesse sentido, ele é a vida.

Vamos lá, explicando tintim por tintim: a verdade é uma propriedade pessoal; pertence a Deus como parte essencial do que ele é, e, ao mesmo tempo, é uma abstração da realidade. A verdade está para Deus assim como o pensamento está para a consciência do homem. Para que a verdade exista, tem de haver um pensamento que a mantenha. A verdade existe porque Deus pensa com propriedade. Assim, a verdade é o conhecimento sobre a realidade real. Que é que isso quer dizer? Simplesmente isto: a verdade é pessoal. Se for menos do que pessoal, é menor do que você eu, e não precisamos dela. Contudo, de fato, nós pensamos sobre ela e, portanto, há um ser que pensa a verdade e esse ser é Deus, o “Verbo” que explica a si mesmo e a criação, “Luz que ilumina a todo homem, e “Vida” que motiva o conhecimento. (Cf. Provérbios cap. 8). Portanto, a base do conhecimento é Deus e não a sociedade.

Tendo separado os ingredientes, batamos o bolo da verdade. Conhecimento e cozinha requerem ciência. Com um ou dois punhados, começamos a massa. É importante seguir os passos porque, se não, o bolo desanda. A verdade é uma só, pois, se houver duas verdades, uma se opõe à outra e se anulam. Hoje, costuma-se inventar duas verdades, mas isso é falsidade. Se a verdade não for absoluta, ela será meia verdade, e meia verdade é uma mentira inteira. Para evitar isso, usa-se uma pitada de sabedoria (tão potente que basta uma pitada). Sabedoria tem dois elementos que, juntados, provocam uma reação agregadora da massa de conhecimento, a saber, o discernimento e a arte. O discernimento é que permite que o conhecimento seja estabelecido – mediante observação, pesquisa, coleta de dados, interpretação, formulação de teoria, realização de experimento, proposição descritiva do construto, repetição da experiência e derivação aplicativa a outras relações. A arte implica a habilidade para reconhecimento das fontes do conhecimento, estabelecimento do propósito do conhecimento e treinamento para o bom desempenho das ações necessárias derivadas do conhecimento.

Em um sentido, não há como escapar ao tipo de forno usado para assar o bolo. Crentes e descrentes vivem nesta terra em chamas (nenhuma insinuação quanto ao aquecimento global, tão falto de discernimento e de arte), e têm de processar o conhecimento no mesmo ambiente natural. Outra condição inescapável é que crentes e descrentes começam a observação da realidade a partir de uma revelação.

Os descrentes (e muitos crentes) interpretam o mundo sob a revelação dos raios do sol, clarão da lua e brilho pálido de estrelas, e da soberba das lâmpadas inventadas e comercializadas pelos homens, com direito a apagões. Freud, por exemplo, recebia revelação interpretada do cliente, reinterpretada por ele mesmo, e (tri)interpretada pelo relacionamento analítico. O problema é que, sem uma cosmovisão da unidade e diversidade que há no mundo, e tomado de individualismo interno e pluralismo externo, o descrente opta por um tipo de conhecimento totalmente perspectivo e de fácil manipulação intelectual. Por exemplo: o indivíduo é uma pessoa e a sociedade é uma organização de pessoas, sem vida própria; sem esse discernimento, confundem-se as esferas de autoridade (divina, individual, familiar, vicinal, escolar, governamental etc.).

No caso dos crentes, a revelação natural continua existindo, mas sob a “luz que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem” – o Verbo de Deus, cuja Palavra escrita, a Bíblia, é a interpretação do Criador que guia os passos do conhecimento. Com as pressuposições reveladas na natureza, na consciência justificada por Deus, nas definições e descrições da Palavra e na obra e comunhão de Cristo, o crente ganha uma cosmovisão que discerne as diversas perspectivas do conhecimento, e da arte de fazer todas as perspectivas convergirem nele (cf. Efésios 1.10). Para isso, o crente tem a promessa do Espírito Santo – que conhece as profundezas de Deus, do homem e de toda a criação (cf. 1Coríntios 2.1-16) o conduziria a toda verdade (cf. João 16.13).

Resumindo, não vejo uma luta entre ensino secular e ensino religioso, mas um conflito entre confissões seculares e confissão cristã. Nenhuma tentativa deveria ser feita para submeter uma à outra, senão por meio do convencimento do coração e da mente com base no encontro apologético. O mundo acadêmico secular só poderá ver até onde os olhos enxergarem, e pedir mais do que isso seria estultícia. No entanto, o mundo acadêmico confessional reformado (sociedade informal de indivíduos com as mesmas capacidades e habilidades humanas que os seculares) tem um distintivo: reconhece a carência humana de boa educação e almeja obtê-la à luz do conhecimento de Deus.


Wadislau Martins Gomes




[1] Claudio Henrique Mascarenhas de Azevedo (18/06/06): “Estamos caminhando de uma sociedade totalmente alienada para uma outra consciente de sua alienação, mas que não consegue se libertar desse mal”: http://www.artigos.com/artigos/humanas/educacao/tracos-da-politica-educacional-brasileira-313/artigo/
[3] Michael Polanyi, Science, Faith and Society (1946). Chicago: U. of Chicago, 1964, p. 84.

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