sábado, junho 30, 2012

ÉTICA NAS PEQUENAS COMUNICAÇÕES


A quem obedecer: Toth (deus da comunicação do antigo Egito) ou a Bíblia


O Toninho chegava com riso mineiro, ardiloso, e cobrava: “Pastor, você ainda não foi nos visitar na casa nova. Olha, vou desenhar um mapa”. Um pedaço de papel, uma bic, e dois pontos. “Está vendo aqui? É a igreja. Aqui, é minha casa. É só ir daqui ali”.

Parece até profecia para os dias da internet. Dois pontos e um risco, e pretendemos que toda comunicação esteja feita. Quem digita não vê coração nem cara (a não ser no skype que poucos usam), mas imagina uma intimidade que beira a falta de pudor do namoro moderno, entre tapas e beijos. Muitas vezes, a guisa de ortodoxia política religiosa, teclamos ataques e defesas ingênuas ou maliciosas, ou trocamos franqueza por falta de educação, sem levar em contra que a linha entre nosso ponto e o outro, do outro lado do papel, é viva, é frágil. Com efeito, facebook não tem face senão fotos trabalhadas em photoshops seletivos. Pura imagem pública escondendo dores privadas. Pior ainda quando a transparência que deveria ser do coração revela os intestinos. Alguém já disse que a internet ilude quanto ao sentimento de uma intimidade virtual e de uma nudez real.

Jó, Moisés e Pedro, comunicadores cristãos dentre os mais fiéis, hábeis e sensíveis, instaram que levássemos em conta a fragilidade humana. O apóstolo escreveu:

Tendo purificado a vossa alma, pela vossa obediência à verdade, tendo em vista o amor fraternal não fingido, amai-vos, de coração, uns aos outros ardentemente, pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente. Pois toda carne é como a erva, e toda a sua glória, como a flor da erva; seca-se a erva, e cai a sua flor; a palavra do Senhor, porém, permanece eternamente. Ora, esta é a palavra que vos foi evangelizada (1Pedro 1.22-25; ver Jó 42.2 e Salmo 90.5-6).

O mapa da Palavra de Deus serve bem para nos conduzir na pequena comunicação na internet. Não é um mapa de dois pontos virtuais; antes, é o encontro de almas purificadas pelo sangue de Cristo, obedientes à verdade, que visam o amor fraternal, não fingido, de coração, ardente, regenerado mediante a palavra de Deus que permanece para sempre. Especialmente, temos de considerar que mídia social e coisas tais são bem superficiais e passageiras, mas cujas consequências podem ser mais extensas e duradouras.

O apóstolo Paulo fornece um bom resumo, em Efésios 4.25-32:

1. “Por isso, deixando a mentira, fale cada um a verdade com o seu próximo, porque somos membros uns dos outros” (v. 25). Frágeis, como somos, é fácil que não falemos a verdade ou, pelo menos, não toda a verdade. E pecadores como somos, até mesmo falando a verdade podemos ser maledicentes, esquecidos de que o amor cobre multidões de pecados (cf. 1Pedro 4.8). À primeira vista, parece que a solução está em simplesmente deixar a mentira e falar a verdade. No entanto, quem já tentou deletar, sabe como a mentira está arraigada no coração e quanto custa teclar a verdade. Se, porém entendermos que os dois termos, “deixar” e “falar”, são parte da proposta, e que a maneira de fazê-lo está na última parte do versículo – “somos membros uns dos outros” –, então, apreenderemos o sentido correto. Se os membros do nosso corpo mentirem uns aos outros, a verdade nos será por juiz e condenação. Mas, se, por outro lado, pertencermos uns aos outros, a mentira não terá sentido e prevalecerá a verdade – como também disse Paulo, a “verdade em amor” (Efésios 4.15).

2. “Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo” (v. 26, 27). A ira, em si mesma, não é sempre um pecado. Antes, ela é decorrente da verdade, como atributo de Deus (Romanos 1.18). A ira é um sentimento adequado em face da injustiça, assim como a dor que previne a pessoa de ultrapassar seu limiar de resistência. Entretanto, será pecaminosa quando, em vez de ser dirigida contra o objeto do pecado, a ira explodir contra outros ou se tornar em amargura que implode o coração. De qualquer modo, ambos os movimentos acabarão contaminando a outros (Hebreus 142.14, 15). Não quer dizer que a injustiça deverá ser posta de lado, mas, antes, que terá de ser tratada logo, mas sem dar lugar ao diabo. A maneira como atuamos terá de ser concorde com a justiça que pretendemos. Assim, será preciso lembrar que a justiça nas mãos da ira mal usada serve de arma de injustiça. Lembre-se de que corrigir com brandura e em privado produz o efeito da graça: abranda o furor e convence o coração.

3. “Aquele que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado” (v. 28). Hoje em dia, furto é uma palavra vaga, quase uma necessidade no embate entre os ladrões de venda nos olhos e os ladrões de vendas do mercado e da política. Somos, muitas vezes, religiosos que promulgam a lei da carne e furtam a graça divina, com dois pesos e duas medidas. Que será? Seremos aqueles que professam que “não pode beber, não pode dançar e não pode pagar dívida”? Nós não pensamos que envergonhar alguém em público seja pela maledicência seja pela exposição do erro, configura furto da honra, assassinato de caráter.  Se eu erro no blog, “me desculpem”, mas se outros erram, eu acho o endereço da postagem ainda que seja do século passado? O segredo da mudança, aqui, é claro: trabalho para se sustentar e generosidade para com quem tem necessidade. Sequer posso me furtar a apresentar o melhor possível nas minhas postagens e ajudar ao outro a melhorar e progredir nas suas colocações.

Depois de apor as três ideias, Paulo conclui, dizendo que toda comunicação deve “transmitir graça aos que ouvem” (v. 29), evitando a palavra torpe, isto é, torcida, que não edifica. Nossas conversas que não produzirem graça certamente entristecerão o Espírito que nos sela para a redenção (v. 30). “Longe de vós, toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias, e bem assim toda malícia. Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou” (v. 31, 32).

Wadislau Martins Gomes

terça-feira, junho 05, 2012

NOSSAS LINDAS CRIANÇAS 2


Ela começou a faltar logo nas primeiras reuniões nas casas para iniciar o que viria a ser a Igreja Presbiteriana Paulistana. De vez em quando aparecia, mas deixava o filho em casa com a ajudante. Tinha “dificuldades porque o filhinho pequeno podia atrapalhar os cultos”. Disse-lhe que trouxesse o filho, “que ele não atrapalhava, e o as distrações ou barulho diminuiriam à medida que amadurecesse,” – era importante que trouxesse o filho. Hoje, a IPP está cheia de crianças que participam do culto com os jovens, adultos e idosos. Tem aquele menino (ainda criança sapeca, mas muito bem educado) que faz perguntas e comentários de quem ama Jesus e vai seguir o seu caminho por toda a vida.

Houve um pastor de grande cultura e preparo que, quando terminava seu doutorado, assumiu uma classe da escola bíblica dos meninos de cinco anos. Foi um marco na vida – e na vida da petizada. Ao contrário da (falta de) visão de igrejas que designam apenas gente despreparada para ensinar a turminha, deveríamos dar às crianças os melhores teólogos e mestres. Conheço bem esse lado – entediada com a minha classe de adolescentes, comecei a dar aulas para crianças aos treze anos. Era fácil: lia a lição em casa, trazia alguma novidade visual, cantava uns corinhos – e dava massinha ou lápis de cor para as atividades de “trabalhos manuais”. Como muitas colegas, fugi do ensino bíblico na igreja porque desenvolvia um “ministério” infantil. Ah! outro detalhe – são poucos os homens que se dispõem a ser professores de crianças – quando mais elas precisam dos modelos vivos de homens e mulheres que amem ao Senhor e sirvam à igreja em amor às crianças.

Quem chega à IPP estranha que não oferecermos uma escola dominical. Não somos contra aulas bíblicas para grupos menores e damos acompanhamento, sensíveis ao nível intelectual e espiritual das diversas idades. Durante a semana, os crentes se reúnem nas casas para estudo bíblico e oração. Consideramos que os pais devem dar o treinamento religioso aos seus filhos, orando com eles desde pequeninos, lendo e ensinando-lhes a Bíblia e a vida cristã dela derivada. Mas o cerne do culto de domingo é adoração a Deus e a pregação da sua Palavra. Dele participam todos – desde a anciã de noventa anos até o pequerrucho de seis meses que vai com seus pais desde (antes) que nasceu. E para que as crianças saibam a importância de aprender da Palavra de Deus, os pastores têm uma mensagem especialmente dirigida a elas antes da mensagem, às vezes longa, do dia. As crianças participam do culto, louvando a Deus, ouvindo a leitura bíblica e as orações, sendo que as menores, que ainda não sabem ler, saem, depois, para atividades especiais. Até os que ainda não entendem o que se passa, recebem duas coisas: 1) que conhecer a Deus e ao seu amor é muito bom, e 2) que elas são amadas por esse grande Deus, como também queridas por toda essa gente grande que as cerca de carinho. É gratificante ver quinze a vinte crianças pequenas sentadas no chão à frente da igreja, participando do culto (às vezes, com tiradas a alto som!) e aprendendo que são importantes para Jesus e que ele é de suma importância para elas. Tem ainda o detalhe das crianças maiores, que já não sentam no círculo dos pequeninos de chão, mas participam da tarefa de conhecer melhor a Palavra de Deus a cada dia. Adolescentes e pré-adolescentes participantes do culto! O sermão “infantil” é sempre introdução e aplicação prática do sermão “de adultos”. Tem gente grande que presta tanta atenção quanto seus filhotes, pois o pastor consegue fazer e dizer coisas que transcendem as barreiras da idade. É engraçado observar os quatro ou cinco carrinhos de bebê à frente para essa pregação. Um garotinho de seis meses é animado e ativo, mas não dá um pio durante a mini-mensagem! Há uns dois simpáticos que sempre têm uma nota cômica.

Quando no seminário, participamos do curso da APEC (Aliança Pró-Evangelização de Crianças); todos tivemos de aprender a lidar e ensinar às importantes crianças (pois dos tais é o Reino de Deus, Mc 10.14,15). Nosso filho aprendeu, aos três anos, que “Mesmo um menino pode crer na redenção de Deus”. Essas aulas nos deram base para o ensino bíblico, não apenas com as crianças, mas com toda faixa etária. Já usei dicas de aulas para crianças com esposas de pastores e até no ministério a pessoas idosas!

Durante anos, sempre que Wadislau era convidado a pregar em alguma igreja, eu me envolvia com as mulheres e crianças, promovendo classes bíblicas, escolas bíblicas de férias. Não creio que haja algo como “cultinho infantil”. Culto, por difinição, não é diminutivo, e a criança deve aprender isso. O culto é prestado pela igreja formada de todas as idades, pessoas e famílias – e as crianças devem tomar gosto pelo culto público.

Eu costumava dar aulas de treinamento de professores para a APEC, principalmente de “psicologia da criança”. Amo as oportunidades de desenvolver criatividade (ao mesmo tempo em que a observo) que se abrem no trabalho com crianças e com professores de crianças. Tenho amigos queridos que atuam há anos em ministérios voltados ao trabalho com a infância, a começar com Satie Julia Mita, colega desde a Palavra da Vida, e o diretor internacional, Vacilios Constantinides, com sua esposa.

Hoje, não tenho atuado mais nessa área. Não tenho mais a energia dos vinte anos. Meus ossos são relutantes em seguir o canto: “Eu pulo num só pé... mas vou mantendo sempre o equilíbrio”. Assumo papel de avó que dá colo, carinho e apreço. Envolvimento existe, atuo na oração pela geração dos pequenos que virão a ser homens e mulheres de Deus. Assim como Jesus acolheu os pequeninos, nós os acolhemos. Do modo como ele orou pelos seus futuros discípulos, intercedemos pelos que os seguirão depois de nós. Van Til, quando indagado sobre sua motivação para a apologética, respondeu: “Defender os cordeirinhos do Senhor”. Nós que não somos nem grandes teólogos nem pastores, também participamos da grande, imprescindível tarefa de cuidar dos cordeirinhos.

Nossas lindas crianças são o sonho presente do futuro de igreja sadia, atuante. Se nossa igreja cresce também por explosão populacional – pois temos muitos casais jovens iniciando suas famílias – temos de lembrar que estamos crescendo por explosão conversional – “para converter o coração dos pais aos filhos, converter os desobedientes à prudência dos justos e habilitar para o Senhor um povo preparado” (Lc 1.17) e “estáveis desgarrados como ovelhas; agora, porém, vos convertestes ao Pastor e Bispo da vossa alma” (1Pe 2.25).

Elizabeth Gomes

Veja o pastor Wadislau falando com as crianças

terça-feira, maio 22, 2012

NOSSAS LINDAS CRIANÇAS


Uma velha nova amiga escreveu perguntando sobre nossas “lindas crianças” e eu prontamente escrevi um parágrafo orgulhoso no facebook resumindo a situação e os feitos de cada filho, acrescentando, naturalmente, os netos.

Pouco tempo depois recebi a notícia de que o neto de uma prima, filho único e mui esperado do seu filho caçula, faleceu após dias de luta para sobreviver a um problema no parto, quando a gravidez não havia apresentado ou alertado a nenhum problema.

Fiquei sóbria e meu coração se condoeu pelo sofrimento de amigos com suas “lindas crianças”. Como o pequenino do Guto, a segunda filhinha de Beto e Sílvia – linda e perfeita – lutou e não viveu. Outra amiga viu seu pequenino em morte súbita aos dois meses, sem explicação – e não podia gerar mais filhos.

Amigos também sofreram a perda de crianças e jovens com quem tiveram o privilégio de conviver: conto sobre a linda Laís que dormiu nos braços do Senhor Jesus aos quatro anos, a Gláucia cheia de beleza e vida que em dois dias de “gripe” se foi sem explicações, à linda filha de Telma no primeiro ano de universidade, séria em seu compromisso com Jesus e para o bem, o André que tanto prometia na Seara do Senhor aos pais, irmão e comunidade cristã... Como vão essas lindas crianças? O consolo dos pais e amigos é que estão na presença do Senhor – mas o vazio da sua não-presença na vida terrena desses irmãos jamais consegue ser preenchido.

Lembro ainda perdas mais amargas: a amiga cujo único filho é rebelde e homossexual assumido, ainda carinhoso com os pais – quando não sob influência de drogas ou deslumbramentos anticristãos. Os pais, fiéis obreiros cujo filho morreu de overdose; outros cuja filha não morreu, mas vive na gangorra nefasta da anorexia nervosa a ponto de sua vida estar em constante perigo. Filhos que muito prometiam e tiraram suas vidas. Uma parente querida teve um filho fruto de estupro – criou-o e hoje ele é um homem de Deus. Outros perderam os bebês planejados, esperados, antes de esses nascerem. Alguns irmãos queridos, de excelente caráter e estirpe de pais, não conseguem gerar filhos, e desistem de longos e caros tratamentos, concluindo e assumindo a infertilidade.

Senti-me envergonhada por gabar os filhos. Se estes são fiéis ao Senhor e cidadãos honrados – não será por mérito nosso, mas unicamente pela graça de Deus. E por essa mesma graça, Deus usa de sua severa misericórdia, fazendo com que outros de seus filhos fiéis e amados não tenham filhos, ou os percam em gestações frustradas, infâncias interrompidas, juventudes cortadas pela tragédia de doenças ou acidentes inesperados. Em cada e todo caso, as misericórdias do Senhor são a razão de não sermos consumidos!

O bebê que viveu apenas alguns dias está no colo do Pastor dos Cordeirinhos. A menina que não teve tempo de desenvolver junto ao irmão está cercada de uma multidão incontável de anjos e humanos que louvam ao Senhor. Como disse minha cunhada, Lilian: Essa criança foi feita só para o céu. Os jovens ceifados quando tinham tudo para contribuir para a vida aqui na terra estão dando frutos diante do trono da graça. Seus pais, irmãos, avós, tios, primos e amigos os encontrarão um dia, e os reconhecerão, e saberão por que eles os precederam na presença de Jesus. Por enquanto, só podemos perguntar ao Deus de Toda Graça: Que queres que eu faça com essa dor? Estou em tuas mãos.

segunda-feira, maio 21, 2012

VARIAÇÕES SOBRE AMOR E DOCE DE JILÓ

Deixe o jiló imerso em água, trocando-a 4 vezes (a cada três horas). Junte açúcar cristal e água (ambos na medida de 1/3 da quantidade de  jiló) e deixe cozinhar até que fique no ponto de "furar com garfo". Convença alguém a provar.


Péra aí, existe mesmo! Provei primeiro lá nas Goiás. Foi sem hesitação, pois que faço luxo de uma pratada do amargo com uma colher de arroz. Doce, e com folha de figo, então, até quem odeia o cujo encara um naco. Um amor de doce! É por aí que vai o amor, como doce de jiló.

Alguém, um dia, queria saber o que fazer com um desafeto.

– Ama! – respondi, e logo veio o jiló:

– Mas como amar uma pessoa inamável?

– Ah! – eu disse com gosto – faz um doce.

Como é que é? Simples. Amor é mais do que sentir amor. O sentimento é bom, especialmente quando há troca de amor em calda, mas não é esse o amor que dá o doce da receita original. Para fazer bem um doce de amor, usa-se o tipo de fruto que dá na plantação do Espírito. Um amor que ama porque tem amor pra dar. Esse, no fogo branco das horas boas ou no fogo alto das horas más, sempre dá água na boca.

O poeta, variando sobre o tema, disse que amor bom é o amor intransitivo, não no sentido de que não é transmissível, mas que não requer complemento. Quem ama porque deseja ser amado é um saco sem fundo de insatisfação. Não é um gosto de quero mais, mas fome compulsiva. Amor foi feito para dar e, quando exigido, encaroça na panela e trava a língua.

– Como é que eu vou amar se não consigo gostar dele?

Na verdade, amor gostoso é o amor que ama porque é amor. Vem de Deus. E olha que não é melado, não! Tem um pouco de jiló que é para não enfarar. De fato, amar não é sinônimo necessário de gostar. À vezes, será preciso enfrentá-lo sem doce. Como a amada faz, lá em casa: vai trocando as águas até que fique no ponto. Se a Bíblia mandou amar o inimigo! Quem gosta de inimigo é amigo do cão – bom mesmo é amar o amigo! Mas, como amar é gostar de fazer o bem sem ver a quem, aí dá pra até pra comer jiló no pé. Tenho a certeza de que, quando morreu por mim, Jesus sentiu o gosto amargo dos meus feitos inamáveis, mas gostou de transformar-me com o mel do seu amor ao fogo de sua justiça. De inimigo a amigo, no feito da cruz.

Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos. Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando – disse ele, em João 15.13-14.

Não pense que eu sou uma doçura, não. Estou mais para jiló. Para mim, uma das coisas mais difíceis de tragar é o doce do jiló do amor. Uma mesa posta em que eu sirva o que o outro gosta, e o sirva primeiro, não me traz a ideia de uma boa festa, mas a gente enfrenta, engole o porco espinho com um ou dois goles de água e estende a mão e o riso honesto. Esse tipo de amor não terá pronto reconhecimento senão da parte daquele que o prescreve: o Senhor. Falar dele aos homens será como recomendar doce de jiló para quem não o conhece. Mas é exatamente aí que está a doçura!

Tudo de que necessitamos para fazer o doce é saber de que consiste o amargor, como retirá-lo, e como apurar o doce. Parte do amargor vem da terra em que a afeição foi plantada, parte dos nutrientes com que foi tratado e parte do ambiente em que viceja. Primeiro o meu pecado, segundo o pecado de outros contra mim e terceiro o pecado de outros contra outros. O amor não me vem naturalmente nessas condições. É preciso que as águas da Palavra lavem-me a alma e a obra de Cristo aqueça-me o coração, às vezes, a contragosto.

O fogo da graça de Deus requer que o pecado seja confessado de coração a quem estiver dentro do círculo da ofensa. Assim, eu confesso meu pecado, com arrependimento convincente, a Deus e à pessoa ou pessoas contra as quais eu pequei; se alguém pecou contra mim, confronto-o graciosamente a fim de restaurar a paz de Cristo; e o pecado de outros contra outros, rego-o com a pacificação do Espírito.

É claro que leva um tempo para que o doce fique pronto. O coração viciado em amargura aprecia o gosto acre da ira destemperada, e eu continuo desejando que todos, especialmente meus desafetos, gostem do doce de jiló. Mas quando isso ocorre, lembra-me o Senhor de que sequer consigo discernir minhas próprias fraquezas, quanto mais saborear a dos outros; sobretudo, as coisas do Senhor são mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos (Salmo 19:10-12).

Wadislau Martins Gomes

quarta-feira, maio 09, 2012

SONHOS DE PRECOCIDADE E FLORESCIMENTO TARDIO


Estive ruminando sobre a vida e a comunicação escrita, e um assunto sempre voltava à boca: o que é que faz um artista precoce e o que é que o define como tardio para florescer. Mozart foi precoce – criou obras inesquecíveis a partir dos cinco anos de idade. Cora Coralina (poeta brasileira) e Grandma Moses (pintora norteamericana) só começaram a ser valorizadas por sua arte depois dos cinquenta anos.

Menina ainda, eu sabia que escreveria. Datilografei treze capítulos do meu primeiro romance quando tinha treze anos – e aos sessenta e três ainda não terminei. Aliás, esse ficou no baú dos não publicáveis – mas estou sonhando com a publicação de outros dois (ah! desejados bestsellers!) mais maduros – para ontem! As pessoas me viam como literariamente precoce: devorava livros e minha mente estava infestada de ideias para múltiplas personagens, tramas novas, situações singulares em cinco continentes e duas línguas com igual habilidade.

O paraninfo de minha formatura do ginásio foi Érico Veríssimo, de quem eu lera tudo antes dos quatorze anos. A cena ficou na memória como menina como incentivo à florescência. No imaginário, escrevi milhares de contos, ensaios, poemas – alguns, cheguei até a colocar no papel – flores precoces.

Minha primeira publicação (que ajudaria a pagar certas contas) foi quando estava noiva. Recebi pelo artigo publicado nos Estados Unidos a grande quantia de quarenta dólares, com os quais comprei peças para o enxoval: toalhas de banho, lençóis e panos de crochê. Mas minha atividade literária verdadeira só começou depois que eu era casada e nossa família se expandia: comecei a traduzir para a Editora Mundo Cristão, recebendo em cruzeiros por aquilo que eu que passava do inglês para o português. Hoje em dia, continuo passando de uma para outra língua, recebendo menos reais por um livro do que receberia por uma tradução juramentada de cinco laudas. Já são quase cem livros cristãos – o que certamente indica mais produtividade e progresso literário meio incerto.

Não levem a mal esta menção a progresso literário incerto. Sou forte defensora da literatura cristã, e grata a Deus por participar ativamente dela desde os anos setentas. Claro, não obtive valorização literária no mundo fora de nosso gueto evangélico. Sei que meu valor não está nas coisas do mundo, mas no Senhor que criou não só o nosso mundo como também todo o universo – meu Criador e Salvador Jesus Cristo.

Contudo, já pensou se uma escritora cristã, realmente cristã, conseguisse vender livros como Paulo Coelho ou Augusto Cury?! Recentemente soube que Zíbia Gasparotto, que escreve livros espíritas psicografados (de um prisma bíblico são ensinos de demônios!) já vendeu mais de 16 milhões. E não precisa ser má literatura como a dela – o jornalista Laurentino Gomes já vendeu mais de 1,4 milhão de livros sobre história do Brasil. Já pensou se algum cristão conseguisse tornar aplicável e fascinante o conhecimento da vida cristã como esse jornalista faz ao recontar a história de nosso país? Há, sim, alguns grandes nomes cristãos na literatura: João Calvino e Martinho Lutero no Século 16, Blaise Pascal no Século 17, C. S. Lewis no século 20. Um ou dois a cada cem anos?

Diz a historia que Dwight L. Moody declarou: “O mundo está para ver o que Deus pode fazer com um homem inteiramente em suas mãos – pela graça de Deus, eu serei esse homem”. Moody foi, e Billy Graham reiterou o mesmo pensamento. Ambos foram homens que transformaram o mundo evangélico. Não aspiro a tanto, nem pretendo usurpar o ofício de grandes servos de Deus na vida da igreja e do mundo atual. Mas quero comunicar a verdade eterna de Deus – não como pregadora (a pregação da Palavra é para homens fiéis e idôneos que liderem a igreja visível) – mas como alguém que deseja atender o chamado de Jesus de Mateus 28.18-20, indo, por onde estiver no mundo, comunicando a verdade de Jesus Cristo a toda criatura, ensinando a guardar... Será o cumprimento do mandato cultural dado em Gênesis de cultivar e guardar!

Quero comunicar o amor de Deus com graça (em todos os sentidos), tocando e transformando vidas. Não estou atrás da produção apenas de uma boa leitura, mas de uma leitura transformativa e transformadora. Não preciso ser popular, conhecida ou respeitada como escritora – mas tenho necessidade de transmitir a mensagem que mudou minha vida e continua moldando meu caráter ainda tardio em florescer!

A meus amigos que partilham desses sentimentos, digo: continuem falando, cantando, proclamando, escrevendo – comunicando a tempo e fora de tempo. Algumas pessoas vão ouvir e ler – e como João, devorar o livro.

Desde que meus livros do passado ou para o futuro conduzam ao Livro dos Livros, valerá a pena. Nem precisará ser campeão de vendas – pode ser até de graça, se a graça do Senhor for vista e aplicada naquilo que escrevi.

Elizabeth Gomes

sexta-feira, abril 20, 2012

VAI SER PERFEITO LÁ LONGE!



Para ilustrar um ponto, em aula, perguntei a um aluno:

– Você quer casar comigo?

– Claro que não – ele foi pronto.

– Por quê?

– Porque já sou casado!

Ah! Se não fosse... Depois do contraponto aposto e feita a graça, continuei a explicação. O ponto era uma pergunta anterior: casar é um bom alvo? Já havia definido os termos da ideia baseados na proposição de que um bom alvo tem de ser possível de ser atingido e possível de ser mantido. Menos do que isso, seria um alvo frustrável e, portanto, um mau alvo. Casar, como seguia o exemplo acima, não é um bom alvo porque é coisa que depende do assentimento de alguém mais – e muita gente tem ouvido o não! Também é coisa que pode ser interrompida por uma dureza de coração ou pela bruxa da viuvez.

– Ter bastante dinheiro seria um bom alvo?

– Se for merecido e servir à generosidade, sim – disse outro aluno.

Ainda assim, nem sempre conseguimos riquezas e sequer podemos garantir sua permanência; a traça e a ferrugem corroem, diz a Bíblia; e o Collor confisca, experimentamos.

– E ser perfeito, é um bom alvo?

– Ah! Isso é – responde a turma em desafino!

– É coisa possível?

– Bem, isso não é, pois ninguém é perfeito... – adianta um, meio manhoso.

– “Anda na minha presença e sê perfeito”, disse o Senhor a Abraão – obtemperou uma voz feminina.

– Paulo disse que prosseguia para o alvo da perfeição – falou alguém estimulado pela voz anterior.

Para fazer curta a longa discussão, o certo é que ser perfeito é um mau alvo porque ninguém será perfeito nesta vida (e quem o disser já terá frustrado o alvo por meio do autoengano – ver 1João 1.8) senão o perfeito Filho de Deus e do homem, Jesus. O que Paulo disse, em Filipenses 3.12-14, foi que ele mesmo não havia alcançado ou recebido a perfeição, mas que prosseguia para o alvo possível de ser obtido e mantido, que é a perfeição de Cristo, para a qual fomos chamados em Cristo! Assim, a deixa levou ao segundo ponto.

– Qual seria um bom alvo em relação a todas essas coisas referidas?

As respostas vieram rápidas:

– Hum... ah... her...

– Her... hum... ah...

– Ah hum her...

– Se perfeição não é um bom alvo, como é que Deus tem esse alvo? – declarou um de modo ad baculum.

– Simples que nem pão com queijo: Deus é perfeito porque é a própria perfeição. Para ele, nossa perfeição é alvo possível e possível de ser mantido. Ele mesmo prometeu por meio de Paulo: “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Filipenses 1.6).

Aí, para prosseguir a explicação, vieram as questões, meio historietas: “Quantos saltos perfeitos deverá proceder um paraquedista perfeito a fim de manter a perfeição?”

– Todos, ué! – disse um paulista.

– E quantas vezes o funambulista (o da corda bamba, ô meu) poderá cair e continuar sendo fiel?

– Nenhuma, uai! – disse o mineiro quase em silêncio.

– Na verdade, quantas vezes quantas ele voltar ao arame para prosseguir.

O fato é que, se tudo vem de Deus que efetua nossa vontade e sua realização, dele é a perfeição e a fidelidade. Se formos infiéis, ele permanece sendo fiel – e bondoso. Assim, a fim de alegrar o coração dos casados e casadouros, dos operosos que almejam o resultado do seu trabalho, e dos que visam sabiamente a perfeição de Cristo, aqui vai mais uma: essas bênçãos maravilhosas de Deus são excelentes desejos. Casamento é bom desejo, trabalho é bom desejo, ser perfeito é bom desejo. Quem encontra uma esposa acha o bem, quem é prestimoso no trabalho e sábio na administração dos bens (só cuide de se guardar do amor do dinheiro, como disseram Tiago e Pedro) alcança justo valor, e quem segue o caminho do Senhor revelado na sua Palavra guiada pelo Espírito, recebe sua recompensa! Na verdade, essas e outras bênçãos residem em Cristo, o qual, habitando em nossos corações e mentes, leva-nos ao alvo da perfeição: “vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção, para que, como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (1Coríntios 1.30-31).

 – Então professor, como é que fica?

Fica assim: nós seguimos os alvos de Deus e ele satisfaz os desejos do nosso coração: “Confia no Senhor e faze o bem; habita na terra e alimenta-te da verdade. Agrada-te do Senhor, e ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais ele fará” (Salmo 37.3-5).

– Ô professor, a lei da graça é perfeita, não é? Dá até vontade de ser fiel! – disse um, e na cola veio o outro:

– Vai ser perfeita lá longe!

Wadislau Martins Gomes

WHAT'S IN A NAME?

O que há num nome? Se chamarmos uma rosa
Por qualquer outro nome, ainda haverá o perfume...
Shakespeare, Romeo e Julieta, 1600.

Depois de tempo rejeitando a idéia de usar Facebook, aderi – e estou gostando dos contatos renovados e da possibilidade de comunicar a graça de Jesus a novos e velhos amigos. Entrei no site de uma amiga que conheci quando adolescente e nunca mais vi, e constatei que seu nome (para mim sempre incógnita porque em dinamarquês) significa “Mulher de Respeito”. Fiquei pensando no que está embutido, inserido, sugerido e proclamado no nome das pessoas amigas.

A começar com o meu. Diz a lenda familiar dos Stowell Charles que, depois que nasci e que constataram que eu não era o tão esperado “David”, minha mãe queria me nomear “Faith” – algo precioso para ela e que o seria para mim, mas soava meio esquisito: “Olá Fé... Vem cá, Fé...” – e meu pai queria dar o nome de sua irmã mais velha: Olga (certamente isso me taxaria para sempre de alemoa batata). Os dois fizeram um acordo e me deram o nome Elizabeth, “Consagrada a Deus” – o que haviam feito antes de eu nascer e que confirmei muitas vezes ao Senhor – Aquele que me elegeu antes de eu ser projeto de gente, antes mesmo de o mundo existir.

Tenho diversas xarás que são minhas amigas queridas – na maioria, irmãs em Cristo. E tenho irmãs e irmãos com os mais diversos nomes, todos importantes, nenhum dos quais é feio. Levamos em conta a diversidade de línguas deste planeta e de atribuições que cada língua tem à compreensiva sonoridade ou estética cultural e...

Um filho meu, pequenino ainda, perguntou-me:

– Por que a vovó tem o nome de Xixi?

– Como?

– Ela não chama Ulina? – justificou o projeto de Cebolinha quanto ao nome poético da minha segunda mãe, Eulina.

Um sobrinho perguntou:

– Por que me chamam de Mau(rício)? Deviam me chamar de Bomrício.

Ou a classe de escola dominical dos baixinhos que recebeu a menina recentenmente vinda da Inglaterra, de nome nobre: Fiona – e caiu na risada por receber uma coleguinha de nome Feiona. Ou então, vindo de outro país, um médico amigo que se chamava Fedor. Ou Sara, minha cliente de biblioteca pública nos Estados Unidos, proveniente de Israel, de sobrenome Shitlip (que não ouso traduzir porque essas coisas “nem se nomeiam entre vós” haha!). Ficamos sabendo que a cidade em que vivemos, onde vivem muitos imigrantes coreanos, tem nome que na língua deles soa muito feio.

Todos temos amigos que odeiam o nome porque parece não “caber” com a cara. Por exemplo, uma tia de meu marido foi sempre conhecida como “Elvira”, apesar da certidão de nascimento constatar que era “Lorízia” (ali tem outra lenda familiar de marido querendo um nome e a mulher escolhendo outro...).

Grande maioria das mulheres ainda muda de nome acrescendo o sobrenome do marido no casamento. Conheço até quem, homem, assumiu o sobrenome da mulher – por ser ela mais conhecida e querida na sociedade em que estavam inseridos.

Alguns grupos brasilíndios evitam dizer o próprio nome, para este não ser mal usado pelos espíritos. Brasileiros e gringos, gregos, troianos e curdos – usam mal os nomes de seus semelhantes, e tomam em vão o Nome do Soberano Senhor, o que é infinitamente pior.

Na Bíblia, de Gênesis a Apocalipse, os nomes têm grande importância. Falam dos atributos das pessoas. Jacó foi chamado de Israel. José foi chamado de Zafenate Panéia, pelos egípcios quando se tornou governador. Daniel e seus amigos foram nominados com nomes babilônicos: Beltessazar, Sadraque, Mesaque e Abede-nego – e conquanto recusassem as iguarias do rei pagão, não recusaram os nomes da nova cultura.

O profeta Isaías, que teve um filho de nome Rápido Despojo Presa Segura – o tipo de nome e situação que só desejaríamos dar a um inimigo – falou seiscentos anos antes de acontecer, de um Menino de múltiplos e sublimes nomes: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz, Jesus e Emanuel.

Este Jesus orou por nós pedindo ao Pai: “Guarda-os em teu nome” (João 17.11). No nascimento da igreja ouvimos logo que “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Atos 2.21) porque “abaixo do céu não existe nenhum outro nome dado entre os homens pelo qual importa que sejamos salvos” (Atos 4.12). Seríamos odiados por causa do seu nome (Marcos 13.13) e batizados “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28.18-20). Deus exaltou o Senhor Jesus para que ao seu nome se dobre todo joelho no céu, na terra e debaixo da Terra (Filipenses 2.21). Hoje, o cristão faz tudo em nome de Jesus (Colossenses 3.17 – como se usássemos o anel de sinete do rei como reconhecimento de firma do Senhor) e nós mesmos recebemos dele um novo nome (Apocalipse 2.17; 3.5).

O nome jamais deverá ser usado como mandinga ou palavra mágica. O poder não está nas palavras dos nomes, como querem alguns, nos sons (como OM dos pagãos ou sibilantes de alguns irmãos que carregam no Jesusss para denotar maior espiritualidade), mas, sim, na Pessoa Preciosa que porta o Nome Eterno.

Nomes não são apenas palavras – são atribuições individuais que podem se tornar coletivas, quando agregadas a grupos e povos. Jesus – não só o nome, mas o Verbo Vivo que vivifica, transforma-nos e conforma-nos à sua própria imagem, mais e mais – nele temos uma identidade única e a de um povo todo que é seu.

Quanto a mim, eu descanso na certeza de que tenho ainda um nome que transcende diferenças linguísticas e nacionais – um novo nome, que DEUS (nome comum que assume propriedade quando se refere ao EU SOU) – nos atribui, pessoalmente. Um dia, conhecerei como também sou conhecida (1Coríntios 13.12b).

Eu Gosto do meu nome. E você, do seu?

Elizabeth Gomes

domingo, abril 08, 2012

UMA DO NHO LEITE


Seu Antônio Leite, junto à janela ensolarada, parecia feito de pérola sobre ossos. Cem anos! E que cem anos!

– Muito sol, aí, Nhô Leite. Senta mais aqui.

– É, leite quaia, né?

Siá Thereza não perdia uma. Nhô Leite já ia para aquele tempo em que as histórias antigas ficam novas, e contava:

– Quando era novo, trabalhando nos trilhos da Douradense, eu cumia uma panela intera de arroz com feijão. N’é mesmo, Siá Thereza?

– Não sei, num tava lá, num posso menti!

Ele havia se convertido por meio do testemunho de Seu Teixeira, e lembrava com gosto os caminhos do aprendiz de evangelista.

– Era ir daqui pra Pontunduva sem pará nem pra comê. Um pé lá outro aqui, senão virava festa, e evangelização é coisa séria. Lia Bíblia, explicava, e voltava. Não é Siá Thereza?

– Deve sê. Não é de Jesus Cristo?

Naquele dia, Nhô Leite estava especialmente falador. Contou de como havia de aproximado do Seu  Teixeira.

– Era carnaval e eu tinha ido pescá na barranca do Tietê, pegá uns chorãozinho, e, co'as mão suja, cacei uns monte de serpentina que tava no lixo. Sabe mais? Achei um Evangelho de São João meio encardido do lugá. Então pensei: num vo dexá São João no lixo. Daí, para não deixa no lixo nem de lado, fui pedi ao Seu Teixeira que me explicasse. Explicado, eu tava crente.

Depois de uns dedos de prosa, eu ia encerrar a visita com uma oração, e ouvi um "péra aí" da Siá Thereza:

– Nhô Leite tem uma afeiçãozinha proceis.

Seu Antônio se abalou da sala ao quintal, de onde voltou com uma caneca de folha, feita de uma lata de leite condensado, e dois ovos ainda quentes do ninho.

– Pra D. Bete fazê um bolo pros menino. Coisa pouca, mas de coração.

Ele mesmo rebatia a borda da lata com martelo de funileiro sobre uma ponta de trilho, ajeitava a tampa para formar a alça e afixava-a com arrebite de latão. Os ovos eram lá do galinheiro bem cuidado, galinhas caipiras de primeira, e até um garnisé capado para cuidar de ninhada. Tudo "pra num ficá de preguiça e ainda tê pra dá".

Hoje, molhando os olhos de fotografia antiga, deixei que o clarão da janela do Nhô Leite tomasse a minha alma.

– Siá Thereza sabe que é de coração...

– Sei não. Tem de sê cada dia. Até aqui tem sido.

Maturidade é isso, não importando a idade – dez, vinte, cem anos! Abraão, em idade avançada, plantou uma árvore, uma tamargueira, e invocou o nome do Senhor, o Deus eterno (Gênesis 21.33).

Wadislau Martins Gomes

COISA DE SOGRA


Estive pensando no que me leva a escrever. Sem dúvida, ideias e pessoas mexem comigo. Provocam, instigam, fazem pensar e ruminar as coisas, conduzem para longe e cavam fundo. Ideias podem ser boas ou más, inteligentes ou insossas, mas uma ideia sempre atual é a questão de relacionamentos.

Já os relacionamentos são intercâmbios entre as pessoas, e nasceram com ideias de amizade e bem-querer. Vivemos e nos movemos pelos relacionamentos com pessoas. A Pessoa de Deus – nele nos movemos e existimos, porque somos dele (At 17.28) – norteia e dá razão a todos os demais relacionamentos, sejam grandes ou pequenos. Se o relacionamento com Deus for equilibrado a ponto de vivermos para ele, e desequilibrado a ponto de ELE ser tudo – o começo, o fim e o meio – segue que nossos relacionamentos interpessoais também imitarão aquele que temos com o Criador.

Desde menina, eu queria me dar bem com as pessoas. Estar de bem, ser aceita e admirada. Isso me levou às alturas e muitas vezes me fez descer ao fundo do poço. Semana passada, estive pensando numa pessoa que caracterizou seus relacionamentos como Amarga. Estava lendo (e bebendo, ao traduzir) o livro de John Piper Doce e amarga providência – revendo a história de Rute. Três mil anos e ainda atual, a singela história trata de relacionamentos comuns e ações totalmente incomuns, singulares. A soberana providência divina permeia cada linha desta história, e provoca na gente um gosto de “quero mais”. Daí, minha nora Márcia me instigou:

– Por que você não escreve sobre o relacionamento de sogra e noras?

Minhas noras fazem dessas coisas. As duas estão entre minhas melhores amigas, e são as com quem sempre tenho bons papos. Pudera – são minhas vizinhas mais próximas, minhas confidentes, minhas motoristas. Meu genro também é um grande amigo, mas mora longe, e como sou mulher, e obviamente elas também pertencem ao gênero feminino, acatei a ideia.

Quando me casei aos dezoito anos, juntamente com Lau, Deus me deu sogros extraordinários, que me adotaram e apoiaram, como Rute da Bíblia. No caso da antepassada do rei Davi e do Rei dos Reis que viria de sua estirpe, era a nora a mulher de valor (Não insista que eu deixe você sozinha: teu Deus será meu Deus). Na história da Charles que virou Gomes, os “velhos” Wadislau e Eulina demonstraram a graça de Jesus em tudo que fizeram por mim.  Sem jogar, ganhei na loteria ao ganhar novos pais!

Contudo, Lau explica aos casais que grande porcentagem dos problemas entre casais – jovens ou mais maduros – se deve aos relacionamentos com sogros. As clássicas piadas são constantes na cultura e no cotidiano, e carregam mais que pitadas de verdade.

– O que é que você quer que eu diga, Márcia? O fato de que meus filhos fizeram escolhas nobres acima de qualquer nora ou genro que nós merecêssemos?

Quando as vizinhas de Noemi parabenizaram a antes falida e amargurada solitária pelo nascimento do neto, disseram:

Seja o SENHOR bendito, que não deixou, hoje, de te dar um neto que será teu resgatador, e seja afamado em Israel o nome deste. Ele será restaurador da tua vida e consolador da tua velhice, pois tua nora, que te ama, o deu à luz, e ela te é melhor do que sete filhos (Rt 4.14).

Meus netos não são a única razão pela qual as noras são preciosas (se bem que netos e noras nos dão muito orgulho e renovam a juventude). Os netos não são resgatadores no sentido de parente remidor da trama de Rute – não são eles que restauram nossa vida e nos consolam – quem o faz é o Descendente de Rute, Jesus Cristo – o Supremo e Único Remidor. Nós somos abençoados por ter filhos saudáveis, homens e mulher de Deus – não como os falecidos filhos de Noemi – e assim, não teríamos necessidade de uma “nora melhor do que sete filhos”. Porém, pela abundante, exagerada e pródiga graça divina, tenho duas noras e um genro tão bons quanto os lendários sete. Aí, fazendo as contas, é como se tivéssemos vinte e um filhos além das três flechas na nossa aljava – mas que exagero!

Não tenho espaço para discorrer sobre os segredos do bom relacionamento entre sogros, noras e genros, nem cunhados ou irmãos (sobre irmãos existe um livro interessante de uma autora que conheço bem...). No entanto, quero destacar três características que fizeram com que meus sogros me abençoassem no relacionamento que desenvolvemos até a morte de cada um – e quero imitar.

1)  Aceitaram-me como sou, não tentando mudar meus hábitos ou jeito. Isso foi um imenso desafio, pois eu vim de outra cultura e muito do meu jeito era contrário ao jeito deles pensar ou fazer. Uma vez que Lau declarasse ser eu a sua mulher para toda a vida, eles me acataram, e não fizeram diferença entre seus filhos e euzinha.

2) Ajudaram sem cobrar juros. Conheço muitos pais que ajudam os filhos, mas esperam algo em troca: reconhecimento, atendimento imediato, que façamos as coisas do seu jeito. Dão presentes “com cordas amarradas”. Não “Seu” Wadislau e Dona Eulina. Quando nos casamos, ainda estávamos no seminário, e eles nos ajudaram no que podiam – sacrificando até o que não podiam. Mas não puseram nada “na conta”.

3) Respeitavam o casal jovem e inexperiente e davam espaço para nossos erros, sem cobranças. Serviam ao Senhor, e viam os filhos como servos do Senhor – com o respeito de Filhos do Rei dos Reis, e a humildade do menor dos servos.

Ah, norinhas queridas – quisera imitar meus sogros sempre! Sou grata porque não é uma ogra que vocês têm de homenagear, mas uma mãe na lei, uma irmã amiga, como o nome: Amiga, da moabita que entrou na linhagem de Jesus.

Elizabeth Gomes

terça-feira, março 27, 2012

ARTEFATOS ESMIUÇADOS


Kitty (minha irmã) e eu juntamos e dividimos os pertences de nossa mãe depois que ela faleceu. Mamãe havia deixado ordens detalhadas sobre roupas, móveis, e os objetos de decoração de casa. Eu não teria como trazer minha parcela dos móveis ao Brasil – gastei acima do que podia só para trazer alguma louça, prataria e enfeites que haviam estado na família por muitas gerações. Não ficou resolvida a questão da casa em si, porque mamãe havia comprado junto com minha irmã e o seu marido e, com a crise financeira dos Estados Unidos, dizem que a casa desvalorizou bastante e agora não seria hora de vendê-la.

Uma coisa que encontrei nos dias depois do passamento de mamãe – e deixei para buscar depois – foi uma enorme caixa de papelão com as cartas que escrevi para ela durante os mais de quarenta e cinco anos em que estávamos longe – eu no Brasil e ela nos Estados Unidos. Essas cartas contavam uma história da graça e misericórdia de Deus em meio a vidas imperfeitas e relacionamentos carregados de perguntas. A caixa desapareceu. Até agora, minha irmã não a encontrou – o que para mim seria um tesouro documentando a vida da serva de Deus que foi nossa mãe.

Numa reflexão tardia, lembrei-me de outro tesouro mais palpável: os plumários indígenas e os bonecos karajás que meu pai havia coletado e levado aos Estados Unidos anos atrás. Eu não estava tão interessada em arcos e flechas e tacapes, mas lembrei dos lindos cocares coloridos que papai tinha exposto na parede de seu escritório quase cinquenta anos antes. Vi e admirei plumários semelhantes aos que guardava em minha memória, no consultório de um médico em São Paulo, e imaginei se as “nossas” penas todas teriam se desfeito. Perguntei-me se haveria jeito de encontrar novas penas para refazer aquelas coroas de beleza.

Foi então que me lembrei dos bonecos. Papai tinha uns cinquenta bonecos coloridos de cerâmica karajá, mostrando os brasilíndios em variadas atividades cotidianas – sentados perto da fogueira, ralando mandioca, pintando o corpo da filhinha, pilando uma fruta, pescando, catando piolho. Então, deixei minha mente vagar como quando em criança via as obras de arte. Certamente valeriam algum dinheiro se as vendêssemos a um museu (pensei até no Smithsonian!) e dividíssemos, minha irmã e eu, os proventos, meio a meio. Antes de nos desfazer do tesouro, tiraríamos fotografias de todos os bonecos – talvez algum até servisse como capa do romance que escrevo baseado em missões indígenas. (Meu livro não se refere aos carajás – mas a arte em barro deles é inigualável e imaginei que chamaria atenção ao meu trabalho escrito da imageria indígena.) Minha irmã sabia da existência desses objetos, mas não sabia onde estavam. Sugeri que ela procurasse no sótão e no porão até encontrar – nós duas iríamos lucrar com isso. Semana passada ela me telefonou e contou:

– Achei a mala do papai e da mamãe com os bonecos Karajás. Você acredita que mamãe – que sempre foi tão cuidadosa com os pertences – enfiou todos os bonecos na mala sem que fossem embrulhados um a um – sem nenhuma proteção?! Estão todos quebrados em mil pedaços! Não sei como será possível restaurar nem uma bonequinha sequer. Virou tudo caco de barro. Com certeza, mesmo que consigamos remendar alguns, não terão mais nenhum valor. Vou levar à escola de belas artes para eles verem o que conseguem inventar com os cacos. Eu chorei de raiva – ela arrematou.

Eu não chorei, mas vi mais um pequeno sonho despedaçado. Então, ao refletir sobre o fim desses artefatos, pensei no fim de nossa vida. Não fim final, mas fim objetivo, finalidade. Os bonecos haviam atravessado o oceano e anos de mudanças para muitas casas diferentes e em situações diferentes. Meus pais – e suas duas filhas – como o apóstolo Paulo, souberam o que era viver a experiência, tanto de fartura como de fome (Fp 4.11-13). E apesar dos pesares, e apesar de artefatos impossíveis de serem restaurados – tudo posso naquele que me fortalece!

Elizabeth Gomes

sexta-feira, março 23, 2012

OUTRA DO TOTÓ: ÉTICA DE BALCÃO

Jânio Quadros, após a renúncia.
O então presidente, em 1961, teria dito, irritado: ponham todos os políticos na cadeia.
E alguém teria replicado ao presidente: e quem fecharia a cadeia?

Esta ele ouviu no trabalho: “A ética do judiciário deve prevalecer sobre...” Passou-lhe pela mente que haveria alguma ética sobrando por aí. Prevalecer sobre o quê? Sobre a ética do trabalho? Ética pessoal? Eta! briga de ética! Ficava vermelho de vergonha ao pensar que já havia usado a expressão da mesma forma. Ética é ética, siô! Isso aí deveria ser chamado de etiqueta. Não é que não exista coisa como ética aplicada a uma e outra atividade. O problema, como a gente chama lá no sítio, no Boturuju, é um de enxertia. Totó vislumbrou no pensamento o pegado, no pomar, em que o cavalo cresceu com o cavaleiro e pos limão e laranja.

A caminho de casa, o Dr. Juciliano vinha exercitando as ideias. Nada de ramerrão atlético, mas simples alongamento mental para alcançar as frutas do alto. Essa ética disso ou daquilo parece bom vitaminado de frutas, mas deixa gosto de sumo. É fruto de cavalo de mente aberta com enxerto de idiossincrasia. Tem aparência de pluralismo para agradar todo gosto, mas o travor na boca trai o absolutismo. Tem casca de democracia, mas os gomos são de autocracia. De sua parte, ele diria: “A ética tem de ser preservada especialmente no judiciário”. Há uma ética, uma só, da qual derivam todas as ações éticas. “O Deus que existe” – pensou – “é o tronco ético de que saem todos os ramos éticos. O tronco ético é o próprio Deus cujo ato de amor planta a semente de todo comportamento ético”.

Como Totó, ele apenas ouvia a lorpice e olhava o dono do dito enviesado, e, em vez de um ar de quem chupou limão, distribuía um amável sorriso de laranja madura. Julgava o dito e não o dito cujo. Isso era parte de sua nova ética, desde que fora enxertado na fé. O Deus que existe não é cavalo de enxertia, mas, antes, é o próprio gerador da vida, especialmente da nova vida. Em Cristo, o Filho – Deus mesmo – ele nos gerou como filhos para um relacionamento de amor. Por isso, ele também disse que em amar a Deus e ao próximo estava a totalidade da lei. Isso pensado, Totó voltou os sentimentos para a Cida e a Fiica.

Na volta a casa, meio que de costume, entrou na venda.

– Boa tarde, Seu Jaime.

– Boa, Dr. Juciliano. Como vai dona Aparecida? E a Fiica?

– Vão bem, graças a Deus. E os seus?

– Bem, graça a Deus.

Me vê aí o pão de sempre e um punhado de bala de laranja... ah! e um litro de sodinha de limão.

Já à porta, foi chamado:

– Doutor, o senhor deu dinheiro a mais.

– Ô cabeça. Muito obrigado, seu Jaime.

– De nada, é só obrigação.

Mais do que obrigação, pensou.

– Só por curiosidade, seu Jaime: o que é que faz o senhor dizer “graças a Deus” e a devolver dinheiro a mais?

– É meu feitio, Dr. Juciliano. Vem de berço. Depois, é o certo.

Totó lembrou-se do colega de trabalho: “A ética do balcão deve prevalecer”.  Fosse assim, poderia ser qualquer “ética”, institucional, situacional, social e muitos outros als e ais. Mas poderia ser também a ética cristã no balcão do armazém. Para que mentir ao amigo, se a união das mãos rege a boca? Para que roubar, se a prodigalidade de amor adoça a boca, mata a fome e dessedenta a alma? Para quem tem dúvidas quando a Deus, até que seu Jaime manda bem uma gratidão bem pesada na balança da honestidade. Vai ver que um dia ele atina com o motivo da sua ética.

Em casa, como sempre, Cida havia chegado antes dele. O cheiro do café tomava sala juntada à cozinha.

– Como foi o dia de aula, Fiica.

– Bom. Ah!, pai, eu tenho de fazer um trabalho sobre honestidade na política. Que é que quer dizer a expressão “os laranjas"?

Wadislau Martins Gomes

Leia o post inaugural, da Beth

BARRO EM SUAS MÃOS

Nos últimos meses, percebi que estava remoendo diversas pequenas perdas – um livro que eu esperava ser aceito para publicação foi rejeitado, um pagamento prometido desde outubro passado ainda não foi acertado, um novo curso desejado pelo qual não tenho como pagar. Pessoas queridas sofreram perdas maiores – falta de emprego, falta de recursos, carro fundido, falta de esperança – e não tenho como solucionar os problemas delas.

Mas, como Jeremias, “quero trazer à memória o que me pode dar esperança” – e passo a meditar sobre as misericórdias do Senhor. Elas são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim – renovam-se cada manhã. Espantada, só posso exclamar: Grande é a tua fidelidade! (Lamentações 3.21-23) E vou cantarolando “Tú és fiel, Senhor...” – um pedaço em português, outro em inglês, com a voz de taquara rachada e o fôlego que não chega ao fim da linha. Uma das poucas sequelas do meu AVC, de 2007, foi que perdi a voz que por tantos anos (diziam algumas almas caridosas) “agraciava” de cultos festivos ou evangelísticos a casamentos e serviços fúnebres.

Isso me leva de volta ao barro. Hoje de manhã, quando fui mexer na horta, senti nas mãos a terra molhada, moldável. E enchi as mãos e os pés de barro bom, replantei mudas de couve, mudei futuras fruteiras para covas mais propícias. Não é barro para oleiro, mas barro para planteiro – e os vasos de mudas me lembram a metáfora dos vasos de barro.

De volta ao profeta Jeremias, desta vez visito com ele a casa do oleiro (Jr 18.6) e trago à memória a esperança de ser (re)feita à imagem de Deus. Recordo ainda a riqueza da minha herança: sou vaso – mais fraco (1Pe 3.7) – mas para a honra de Deus (Rm 9.21), e porto as riquezas da sua glória em vaso de misericórdia (Rm 9.23). “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós” (2Co 4.7) – e sou grata ao soberano Senhor que provê todas as coisas de que necessitamos, porque temos esta riqueza.

A lembrança do que me traz esperança não é natural. Naturalmente, tendo a me lembrar tudo que tem de ser feito, tudo que outros prometeram e não cumpriram, tudo que mereço receber – e me esqueço do feijão no fogo, do recado importante que pediram que eu desse, do nome do livro ou da pessoa com quem falei ao telefone e de que só lembro de noite quando já deveria estar dormindo. Querendo ser mestre-cuca, fico com uma panela carbonizada e malcheirosa numa cozinha cheia de fumaça. Querendo “resolver tudo”, deixo de fazer o que é importante porque me envolvo no urgente descartável. É a mulher natural que sou há mais de sessenta anos, que ainda não faz o bem que quer – e acaba realizando o mal que não quer (Rm 7.19).

Graças a Deus, sobrenaturalmente vivo uma realidade mais ditosa: tenho esperança e fé/certeza de que quem começou a boa obra em mim há de aperfeiçoá-la até o dia de Cristo Jesus (Fp 1.6). Mulher de cosmovisão bíblica e reformada, que Deus ainda não acabou de (re)formar!

Elizabeth Gomes

terça-feira, março 20, 2012

CAUSO RÁPIDO SOBRE UMA INDAGAÇÃO


Juciliano de berço, Totó de gosto, mas que não viessem com intimidades, porque, aí, punha brio. De criança rechonchuda e adolescente magriço, hoje desconta e bota banha que enche os olhos. Dr. Juciliano, o Totó – quem diria! – de quadro na parede e conversa palavreada que só vendo. Em casa, Aparecida e Francisca. A vida ia como vai a vida, amando Cida e adorando Fiica, planejando o dia seguinte e resolvendo o presente.

Um dia, o Jaime da venda perguntou mais pra enrolar o tempo:

– Então, Dr. Totó, Deus existe?

– Difícil de dizer, mas deve existir.

Totó saiu da venda com dois filões de pão daqueles de antigamente, meio quilo de café moído na hora, trezentos gramas de salaminho, e uma pergunta de gelar a alma: "Creio em Deus?" No fim da tarde, a questão tinha virado dor de cabeça, depois, insônia, cansaço, e, depois ainda, quase pesadelo, desses que passam de manhã ou saram antes de casar. Mas a pergunta não ficava quieta.

Na ida para o trabalho, beijada a Cida, acenou para Fiica à frente da casa. As crianças da vizinhança politonavam: ó tu que és tão forte que fura o muro que é tão grande que tapa o sol que é tão quente que derrete a neve que prende meu pezinho...  O ponto de interrogação se agarrava à mente como carrapicho de rabo. "Por que foi que eu disse que ele existia?" Passou no meio das crianças sem se dar conta que lhes invejava o entendimento de que o maior escolhido sempre será deus.

Mais tarde, quando voltou a casa e mordeu uma fatia de pão passado com duas rodelas de salame gorduroso e tomou um gole de café requentado, a pergunta continuava fresca.

O vai não vai das idéias, agora, tinha virado briga. Passou na venda para mais umas encomendas da Cida, agarrou um luxinho, uns pés de moleque “para a Fiica”, pensou, e dirigiu-se ao caixa.

– Então, um doutor advogado e ainda acredita em Deus? – seu Jaime baixou o nariz na sua direção, fingindo vergonha da pobreza da piada.

– Olha, seu Jaime, existe coisa ruim?

– Tá na cara, é só olhar por aí.

– E tem gente que gosta de coisa ruim?

– É o olho da cara, o povo vive procurando coisa ruim pra cobiçar, mulher dos outros, dinheiro, posição e tudo mais.

– Assim, posso dizer que mulher alheia e dinheiro e posição e muito mais são coisas ruins?

– Ahn... não é por aí. Mulher de amigo e dinheiro são bem-vindos no meu armazém, e bem tratados que dou valor para minha posição.

– Então mulher e dinheiro são coisas boas?

– Qual é, Dr. Totó, o que Deus tem a ver com dinheiro e com mulher do próximo?

– Ô, seu Jaime, o mundo tem coisas boas e más e as pessoas adoram uma e outras – são seus deuses!

– Ainda não peguei...

– Não é certo que aquilo ou a quem nós obedecemos fica sendo nosso Deus?

– Isso é. Quem adora dinheiro está pronto para se vender.

Dr. Juciliano sequer podia acreditar no que estava acontecendo. A existência de Deus só lhe incomodava quando vinha na boca dos evangelistas de TV com a fala e o comportamento parecendo dublagem de filme chinês, ou na voz do âncora da TV da seita rival. Agora, dava essa de se preocupar com se Deus existe ou não. Sacudiu a cabeça para ver se passava e se achou mais doido ainda, andando pela rua e se sacudindo como cachorro molhado. Sacudiu o passo, e foi a casa. Veio-lhe à cabeça uns versos do Vinícius: “Porque hoje é sábado, há uma terrível perspectiva do domingo”.

Fiica, de um lado da mesa, fazia a lição de casa. Menina inteligente, essa. Um orgulho. Cida tinha chegado a pouco do trabalho. O café Lourenço escorria no coador de pano levantando um perfume bom de café sem palha. Sentiu-se bem. Tinha de achar uma resposta.

– Cida, amanhã vou com vocês à igreja.

A mulher voltou a cabeça como quem é cutucada. Vinha treinando sabedoria e não ficava pegando no pé do marido. De vez em quando, falava coisas de fé e de Cristo, mas se percebia incomodo, mudava o assunto para importâncias do dia a dia. Ela e Fiica vinham freqüentando a Igreja Presbiteriana Paulistana.

Pouco antes do início do culto, um pastor cumprimentou os visitantes de primeira vez. “Dr. Juliano”, ele ouviu, e pensou: Totó. A caminho, foi movido pela expectativa da calma da resposta, e, desde o cafezinho com direito a suco de laranja, pão com queijo e cumprimentos que soavam sinceros, já se sentia em casa. Lugar diferente, música bonita, artística, gostosa, mas também diferente, e uma sensação de estar prestes a ouvir a qualquer momento uma voz que reconheceria. E isso aconteceu quando outro pastor mandou abrir a Bíblia em Hebreus 11.6, e leu: “Sem fé ninguém pode agradar a Deus. Quem se aproxima de Deus deve acreditar que ele existe e recompensa os que o procuram”.

As palavras do pregador massageavam sua mente exatamente aonde a pergunta incomodava. Não dava para explicar, mas estava entendendo mais do que sabia. Conseguia discernir entre o “evangelho” que repudiava e o Evangelho de Cristo. Palavras como morte e ressurreição não lhe pareceram religiosas e, tão certo como a morte, desejou ressurreição.

Dia seguinte, seu Jaime viu Totó entrando na venda, novo olhar, novo passo.

– Bom dia, Dr. Juciliano. Dia de festa? Aniversário da patroa? Da Filha? Ganhou na loteria?

– Deus existe, seu Jaime, Deus existe!

Wadislau Martins Gomes

terça-feira, março 13, 2012

DE MÃOS DADAS COM O GAVIN E A ELENY, E ESTENDENDO AS MÃOS A TODOS

Respondendo ao ataque que a Associação de Capelania Evangélica Hospitalar sofreu nos últimos dias, segue minha pequena voz.
De repente, parece, a grita sobe e a gente se apavora. Uns olham de lado para ver se alguém testemunhou o medo. Outros gritam de volta, só que mais fino como o som que foge. Outros mais ficam de longe entre silêncios de aprovação ou vaia. O pior é quando o ataque vem com acusações de meia boca, mas que colam como caca de pombo nos telhados da cidade. Afeita à vitimização da cidadevisão social desta (pós)modernidade, as calçadas estão cheia de minorias vitimizadas que não vêm os próprios telhados de vidro.
De um lado, uma organização cristã que dá de tudo para ajudar enfermos nas suas necessidades, sejam físicas sejam da alma. Andam milhas extras e não batem os pés, estendem as mãos e não as agitam iradas, vêem carências e não fazem acepção desonrosa a respeito de quem recebe o benefício. É gente que reconhece a própria falta ou fraqueza e não se tem em melhor conta do que as pessoas a que serve. Sequer odeia quem a ataca.

Do outro lado, parada na contramão do tempo e das circunstâncias, uma minoria que se pretende majoritária vai levada pela onda do politicamente correto para si mesma, e que se dane os demais. Enfiam os pés pelas mãos, confundindo bom senso com dobras de consenso e direito da minoria com obras de autojustiça.
Aos perseguidos, junto minhas costas para levar a cargas e aguentar as vergastas. Vou, mas vou cantando o refrão do crente:
Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós (Mateus 5.10-12).

Se acaso alguém indaga: É, no céu. Mas e a obra, aqui? – respondo que confio mais nAquele que me mandou a ajudar o necessitado do que no sucesso do meu trabalho. Em frente, gente! Enfrente o mal com o bem, abençoando os necessitados que atacam, orando por eles diante de Deus.

Aos atacantes, digo: Ô meus! Pensem um pouco. Se algo ou alguém lhes parece ser de grande ameaça, vai ver que é grande mesmo. Por que é que ninguém escreve livro ou promove campanha ou passeata conta saci-pererê e papai-noel?

Não tenham medo do evangelho. Ele não invade hospitais com campanha difamatória contra vontades enfermiças, mas com o amor cristão. Quando indagados sobre a fé que motiva seu amor, os crentes se sentem em liberdade para dar testemunho de sua fé. O evangelho não invade, mas persuade, pois é sabedoria e poder de Deus para salvação transformadora de todo aquele que crê. O mau cidadão vira bom cidadão do reino de Deus e da terra, o que mentia deixa de mentir porque se torna membro do povo de Deus, o que roubava deixa de roubar para trabalhar para seu sustento e para ser generoso, o que era tomado de ira maligna, entrega-se Àquele que julga – e os que ouvem Sua voz, incluindo você, poderão ser transformados, de atacantes a perseguidos!

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