segunda-feira, maio 21, 2012

VARIAÇÕES SOBRE AMOR E DOCE DE JILÓ

Deixe o jiló imerso em água, trocando-a 4 vezes (a cada três horas). Junte açúcar cristal e água (ambos na medida de 1/3 da quantidade de  jiló) e deixe cozinhar até que fique no ponto de "furar com garfo". Convença alguém a provar.


Péra aí, existe mesmo! Provei primeiro lá nas Goiás. Foi sem hesitação, pois que faço luxo de uma pratada do amargo com uma colher de arroz. Doce, e com folha de figo, então, até quem odeia o cujo encara um naco. Um amor de doce! É por aí que vai o amor, como doce de jiló.

Alguém, um dia, queria saber o que fazer com um desafeto.

– Ama! – respondi, e logo veio o jiló:

– Mas como amar uma pessoa inamável?

– Ah! – eu disse com gosto – faz um doce.

Como é que é? Simples. Amor é mais do que sentir amor. O sentimento é bom, especialmente quando há troca de amor em calda, mas não é esse o amor que dá o doce da receita original. Para fazer bem um doce de amor, usa-se o tipo de fruto que dá na plantação do Espírito. Um amor que ama porque tem amor pra dar. Esse, no fogo branco das horas boas ou no fogo alto das horas más, sempre dá água na boca.

O poeta, variando sobre o tema, disse que amor bom é o amor intransitivo, não no sentido de que não é transmissível, mas que não requer complemento. Quem ama porque deseja ser amado é um saco sem fundo de insatisfação. Não é um gosto de quero mais, mas fome compulsiva. Amor foi feito para dar e, quando exigido, encaroça na panela e trava a língua.

– Como é que eu vou amar se não consigo gostar dele?

Na verdade, amor gostoso é o amor que ama porque é amor. Vem de Deus. E olha que não é melado, não! Tem um pouco de jiló que é para não enfarar. De fato, amar não é sinônimo necessário de gostar. À vezes, será preciso enfrentá-lo sem doce. Como a amada faz, lá em casa: vai trocando as águas até que fique no ponto. Se a Bíblia mandou amar o inimigo! Quem gosta de inimigo é amigo do cão – bom mesmo é amar o amigo! Mas, como amar é gostar de fazer o bem sem ver a quem, aí dá pra até pra comer jiló no pé. Tenho a certeza de que, quando morreu por mim, Jesus sentiu o gosto amargo dos meus feitos inamáveis, mas gostou de transformar-me com o mel do seu amor ao fogo de sua justiça. De inimigo a amigo, no feito da cruz.

Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos. Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando – disse ele, em João 15.13-14.

Não pense que eu sou uma doçura, não. Estou mais para jiló. Para mim, uma das coisas mais difíceis de tragar é o doce do jiló do amor. Uma mesa posta em que eu sirva o que o outro gosta, e o sirva primeiro, não me traz a ideia de uma boa festa, mas a gente enfrenta, engole o porco espinho com um ou dois goles de água e estende a mão e o riso honesto. Esse tipo de amor não terá pronto reconhecimento senão da parte daquele que o prescreve: o Senhor. Falar dele aos homens será como recomendar doce de jiló para quem não o conhece. Mas é exatamente aí que está a doçura!

Tudo de que necessitamos para fazer o doce é saber de que consiste o amargor, como retirá-lo, e como apurar o doce. Parte do amargor vem da terra em que a afeição foi plantada, parte dos nutrientes com que foi tratado e parte do ambiente em que viceja. Primeiro o meu pecado, segundo o pecado de outros contra mim e terceiro o pecado de outros contra outros. O amor não me vem naturalmente nessas condições. É preciso que as águas da Palavra lavem-me a alma e a obra de Cristo aqueça-me o coração, às vezes, a contragosto.

O fogo da graça de Deus requer que o pecado seja confessado de coração a quem estiver dentro do círculo da ofensa. Assim, eu confesso meu pecado, com arrependimento convincente, a Deus e à pessoa ou pessoas contra as quais eu pequei; se alguém pecou contra mim, confronto-o graciosamente a fim de restaurar a paz de Cristo; e o pecado de outros contra outros, rego-o com a pacificação do Espírito.

É claro que leva um tempo para que o doce fique pronto. O coração viciado em amargura aprecia o gosto acre da ira destemperada, e eu continuo desejando que todos, especialmente meus desafetos, gostem do doce de jiló. Mas quando isso ocorre, lembra-me o Senhor de que sequer consigo discernir minhas próprias fraquezas, quanto mais saborear a dos outros; sobretudo, as coisas do Senhor são mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos (Salmo 19:10-12).

Wadislau Martins Gomes

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