Em casa, traduzindo, para o português, o comentário de Peter C. Craigie, O Livro de Deuteronômio, deparei com um novo lustro no brilho de uma passagem que já me era familiar: ...pergunta agora aos tempos passados, que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra, desde uma extremidade do céu até à outra, se sucedeu jamais coisa tão grande como esta ou se se ouviu coisa como esta... (Deuteronômio 4.32). Para melhor entendimento, vai aí, em ordem:
1. A Bíblia não é apenas uma coleção de peças literárias, mas, sim, a revelação proposicional de Deus, que dá a conhecer: (a) sua natureza divina, caráter santo, e disposição graciosa; (2) a natureza, o caráter, e a condição do homem; e (c) o relacionamento pactual de Deus com o homem e ação no mundo físico e na história. O texto inicia, dizendo: Pergunta agora aos tempos passados, descrevendo o que seja uma cosmovisão. A Palavra de Deus não se presta apenas à leitura devocional, mas contém e desperta perguntas a respeito da realidade presente (pergunta hoje), considerando a história (aos tempos passados). Dessa maneira, as pressuposições bíblicas fornecem os princípios básicos para a interpretação da história.
2. O princípio essencial é que Deus é o Criador e Senhor de todas as coisas, especialmente do ser humano: ...desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra. Gênesis 1 e 2, e Atos 17.24-28 esclarecem que Deus é o ambiente do homem e aquele que concede à criatura que domine e guarde o lugar de sua habitação.
3. Não há limites para o poder nem para a extensão da autoridade de Deus, nem há limites para a pesquisa orientada por princípios bíblicos que o Senhor revelou de muitas maneiras, por meio de muitas pessoas (Hebreus 1.1-4), de muitas formas literárias e, especialmente, por meio de mandamento e promessas: ...desde uma extremidade do céu até à outra. Nada foge ao princípio de que todas as coisas existem em referência a Deus (teorreferência), e ele mesmo no-las entregou para que as conhecêssemos (Daniel e seus amigos foram escolhidos para uma posição de honra, por que eram “instruídos em toda a sabedoria, e sábios em ciência, e entendidos no conhecimento”, com habilidade para viver no palácio do rei, a fim de que fossem ensinados nas letras e na língua dos caldeus”, Daniel 1.4).
4. Todas as coisas devem ser examinadas como sendo obras de Deus, tanto as espirituais quanto as físicas: pergunta... se sucedeu jamais coisa tão grande como esta ou se se ouviu coisa como esta... Deus estava falando de coisas específicas que ocorreram no passado imediato, isto é, da instituição do pacto, em Horebe, do Êxodo do Egito, e do início da conquista da terra prometida. Assim, Deus não estava apenas especificando seu papel de Criador, mas também o de Redentor. Todas as coisas e ocorrências do mundo têm de ser vistas sob o critério das categorias bíblicas de pensamento, da criação, da queda e da redenção (implicando que a criação foi, originalmente, boa, apresenta-se má por causa do pecado e é passível de redenção).
Mais tarde, “adolescentemente”, respondi ao neto o que vai, aqui, de forma adulta: “Bem, nem nós mesmos nem nosso ambiente terreno determinam o que somos; quem nós somos depende de quem Deus é, e de como nos relacionamos com ele”. “Eu sei” – disse ele, continuando na mesma linha de pensamento – “mas, se eu mudar minha história, minha memória, acaba mudando quem sou”. “Certamente mudaria. Entretanto, lembre-se de que Deus é nosso Criador, e, segundo seu manual, quando nos fez, ele sabia o que fazia. Outra coisa, o manual diz que Deus tem para conosco uma vontade boa, perfeita e agradável. Nossa vida não é uma tela que nós pintamos, mas arte do grande Artista, a tapeçaria do grande Tecelão. Fomos criados para refletir seu caráter, e só seremos nós mesmos quando esse caráter for plasmado em nós. A redenção em Cristo nos habilita e capacita a entregar a totalidade da vida a esse conhecimento; e seus mandamentos e promessas previnem que nos conformemos com os sistemas do mundo e, antes, que aprendamos a ser nós mesmos por meio de conhecer a Deus e ao outro (o próximo)”. (Cf. Romanos 1.14).
Acho que ele aprendeu alguma coisa – e eu também. Cosmovisão cristã é visão de mundo à luz da revelação dos atos de Deus na história e geografia da humanidade, a fim de que nós, vendo com os olhos de Deus, alcancemos seus subidos e graciosos propósitos.
Wadislau Martins Gomes
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