sexta-feira, fevereiro 25, 2022

DISCERNIMENTO & LEITURA

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Discernindo prazer no bom e verdadeiro, certo ou duvidoso, no mundo da literatura contemporânea


 Estou me deleitando com a leitura de uma série de livros de ficção de uma autora que eu desconhecia três meses atrás: Lucinda Riley. Suas fascinantes historias sobre as sete irmãs do presente século, inspiradas nas Plêiades da mitologia grega, misturam relatos distintos de história da cultura em diversos lugares do mundo com as estórias ligadas à experiencia e personalidade de cada irmã. 


Sempre fui fã de romances históricos, desde os livros de James Michener (A Fonte de Israel; Hawaii) e Pearl Buck (A Boa Terra), Scholem Asch (o Apóstolo e O Nazareno), Taylor Caldwell (Amado e Glorioso Médico) e Ann Frank (não ficção, mas um diário realista de uma jovem judia holandesa na Segunda Guerra) para começar em minha adolescência, até alguns de ontem e hoje como Lewis, Noah Gordon, Geraldine Brooks, BarbaraBarbara Kingsolver, JodiJodi Pcault, Jane Austen, Hemingway, Dickens, Follett, Hailey, Lawhead, Van Trease e uma infinidade de outros. Pela Kindle, acesso mistérios de crimes medievais ou elizabetanos ainda melhores que os de Agatha Christie do século passado. Aprecio uma boa trama, personagens complexos, com conflitos reais e imaginários, vidas plausíveis e verdadeiras em meio ao vasto imaginário de gente que pensa e age e reage, numa narrativa coerente e corajosa. Isso sem falar nos brasileiros Machado de Assis, Viana Moog, Monteiro Lobato, Jorge Amado e meu paraninfo de formatura do Colégio Batista Americano em 1964, Érico Veríssimo. Desde que comecei a ler aos cinco, seis anos, não parei, e devorei livros bons, excelentes, péssimos, inesquecíveis e alguns desprezíveis. 


Como cristã consciente desde pequena, eu me perguntava por que tão poucos livros que eu amava ler transmitiam pensamentos e valores autenticamente cristãos. Claro, há brilhantíssimas exceções, como de Lewis e Lawhead, mas a maioria dos bons livros de ficção não demonstram boa filosofia teológica nem cristianismo prático — e eu penso que uma meta básica do escritor seria demonstrar a verdade mais profunda por meio das suas histórias — como nas parábolas desde os tempos de Moises, confirmadas e expandidas por Jesus.


Volto à mais recente série de livros da Lucinda Riley de que falei. É óbvio que ela faz constantes e extensas pesquisas. (Lembro-me da bibliotecária chefe da Elkins Park, onde trabalhei trinta anos atrás, contando que James Michener e seus assistentes a consultavam em suas pesquisas trinta anos antes disso, antes da existência de Google e as facilidades múltiplas de viagens internacionais e dinheiro infindo para autores de best-sellers). O fato é que o bom escritor estuda, lê, pesquisa, lê mais, viaja, fuça tudo, revira as pedras do caminho, entrevista quem quer que esteja ligado de qualquer maneira à história que ele/a quer contar.) Admito que muitos “Wanna Be Writers” cristãos como eu são preguiçosos. Pensam que sabem tudo que querem dizer e lançam sobre o papel ou teclado a primeira coisa que vem à mente — sentimentos e idéias ainda não amadurecidas, os pensamentos não levados às ultimas consequências. 


É como certas pessoas que conheci as quais querem publicar um livro de historias bíblicas para crianças simplesmente recontando as historias que ouviram na escola dominical de sua igreja. Afinal de contas, não precisam conhecer História, teologia, nem mesmo conceitos básicos de comunicação em prosa moderna — as crianças não sabem nada disso e adoram as historias contadas pelos tios da comunidade. Porém, tais narrativas não merecem ser contadas, porque poderão incorrer em mentiras! Transformam as verdades eternas da Palavra de Deus em palavras vazias, ocas, que ressonam como eco de sons melhores, mas não oferecem melodia e ritmo autênticos. O bom escritor de ficção (ou de fatos), mesmo ao relatar histórias inverídicas, conta-as com verossimilhança, como a verdade que toca e transforma o íntimo da pessoa.


Outra característica de uma boa escritora como Riley é que, por mais diferentes e complexos que sejam, as suas personagens são apresentadas de forma simples, real, sem subterfúgios. A historia pode ser bastante complicada e dá suas voltas e seus sustos, mas não é absurda: já houve coisa semelhante comigo, ou com minha irmã, ou com meu tio-avô. Eu me relaciono com o texto e o aplico à realidade. Mesmo em historias fantásticas, aprendo verdades para a vida.


Um professor de literatura que tive, afirmou que o que importa é a narrativa, sem importar se é ou não verdade — como certo politico internacional que gabou-se de distinguir entre fatos e verdade e mais outros tantos como Fernando Pessoa, que diz que sempre o poeta é um fingidor. Mas isso é totalmente contrário ao conceito judaico-cristão do Melek Koheleth (rei pregador, escritor sábio) que escreve: “Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu” (Ec 1.13) e 


“Procurou o Pregador achar palavras agradáveis e escrever com retidão palavras de verdade.  As palavras dos sábios são como aguilhões, e como pregos bem fixados as sentenças coligidas, dadas pelo único Pastor.  Demais, filho meu, atenta: não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne. De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem. Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más.” Ec 12.10-14.


Há sim, diferenças seminais que temos de observar entre o escritor secular e o cristão. O escritor secular usa e abusa de conceitos e conflitos teológicos e espirituais, em busca de redenção, mas a sua  libertação é centrada no que “eu consigo”, “eu posso”, “eu venci” — enquanto o cristão vê um Deus que ama e intervém apesar do ser humano muito verdadeiro nada merecer. 


Um dos temas comuns das tramas psicológicas são o sentimento de culpa e falta de valor próprio. O sentimento de culpa, no escritor não cristão, é vencido, negando e justificando o erro, enquanto para o escritor cristão, a culpa real é confessada e perdoada por um Deus verdadeiro (não mitos ou vagas ideias espirituais que podem ser etéreas e diferentes para cada pessoa). Muitas vezes, o não cristão apresenta suas personagens “cristãs” como falsas e hipócritas, enquanto as pessoas “autênticas” vivem sempre duvidando e aceitando más escolhas morais como inevitáveis e opções viáveis. Suas culpas não são redimidas — são assumidas como parte natural do ser humano. É verdade que muitas pessoas se dizem cristãs e vivem segundo o mundo, a carne e o diabo; porém, é responsabilidade do cristão escrever e descrever o que realmente acontece, sem disfarces—dando soluções redentivas.


Confesso que me empolgo mais com uma historia fantástica de viagem entre duas eras da Diana Gabaldon ou a trilogia histórica do século xx de Ken Follett do que com escritos de meus irmãos de fé que jogam palavras e pessoas impensadas no papel e não entendem por que os editores têm receio de publicar seus intragáveis tratados. Felizmente, hoje Estão surgindo novos escritores cristãos sérios, que enlevam e  inspiram e nos fazem exclamar “não consegui largar o livro!”


Em meio a tantas palavras sobre amor em sua epístola, João advertiu que é imprescindível guardar-nos dos ídolos, e mesmo a boa literatura pode se tornar em ídolo se ela de alguma forma tenta substituir a Palavra de Deus ou o Deus da Palavra por outra coisa que não a verdade eterna. Mas somos transformados pelo Verbo Vivo, que nos deu palavras e ideias para ensinar, comunicar e levantar as pessoas que nos cercam. Como Moisés lembrou ao repetir, cantar e gravar a Torá:


“Aplicai o coração a todas as palavras que, hoje, testifico entre vós, 

para que ordeneis a vossos filhos que cuidem de cumprir todas as palavras desta lei. Porque esta palavra não é para vós outros coisa vã; 

antes, é a vossa vida; e, por esta mesma palavra, 

prolongareis os dias na terra à qual, passando o Jordão, ides para a possuir.” Dt 32.41-42


Quero aplicar o coração a palavras vivas, porque comunicar e escrever é transmitir e prolongar a vida! Escrever com retidão sabedoria e exatidão as palavras que fincam a realidade no coração e na cabeça. Ê referir-se ao passado, conhecendo a realidade do presente, tendo viva esperança para o futuro!


Elizabeth Gomes

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