sexta-feira, outubro 15, 2021

FRÁGIL, FRATURADO, FORTALECIDO, FÉRTIL, FLORESCENTE, FRUTIFICANDO







Estava pensando em amigos (as amigas se incluam nisso), familiares e conhecidos que antes tinham indícios de vida cristã e, hoje, andam longe dos parâmetros bíblicos. Tantas vezes, eu mesma me sinto assim, pois, apesar de sempre desejar raízes firmes, ainda sou tumbleweed – tufos de mato seco levado por qualquer sopro de vento. Recordo de gente que ao longo dos anos me alegrou, inspirou e fortaleceu na fé e, agora, parece viver insignificâncias e incoerências mil. Não tenho direito de julgar o que e por que são e estão assim, mas ao caminhar pelo jardim e pensar nas palavras do Jardineiro Mór, dá para lembrar de alguns aspectos da vida que fizeram e desfizeram a plantação.
Primeiro, tenho de lembrar que todos somos frágeis – começamos como sementes e brotamos com poucos indícios de que há vida que um dia cresceria a ponto de dar sombra a outras plantas. Quando Jesus explicou aos discípulos sobre a semeadura (Mateus 13.1-36; Mc 4.1-9; Lc 8.4-15), falou da semente, da terra, dos impecilhos, e dos resultados. Não deixou de mencionar que outro lavrador semeia joio junto ao bom trigo, e que a boa semente da Palavra não invade terra que não esteja disposta a ser quebrada e arada para remover as pedras do caminho. O Jardineiro e Dono da Terra é que faz as escolhas e todo o trabalho é dele – até mesmo do ambiente externo. Sejam grãos de mostarda (Mt 13.31; Mc 4.31; Lc 17.3), trigo que coroa os campos (Mt13.25-29; Lc 3.17; Jo 12.24), sementes de grandes árvores (Mt 12.33-35; Lc 6.43-46), ou mudas de parreira ou figueira (João 15.1-17; Mc 11.13; Mc 13.28). 
Conversei com pessoas amadas e as expus ao evangelho de Jesus Cristo e elas -- crianças, adultas ou idosas — receberam a semente no coração. Aparentemente, converteram-se. Hoje, porém, quando parecem religiosas, elas vivem como espíritas e, mais comumente, agnósticas e alheias a qualquer vida cristã. São salvas? Só Deus sabe. O Espírito Santo soprou nelas a vida eterna? O que sonda os corações é quem conhece o estado da planta. Há relatos de arqueólogos que encontraram sementes em túmulos milenares e as plantaram no Século 21 – e o grão do Egito Antigo frutificou! Minha esperança é que as plantinhas frágeis que vi nascer, venham um dia a fruir.
Há uns três anos ganhei uma figueira de minha amiga, Tania, quando veio nos visitar em Mogi. Plantei, cuidei, e colhemos seis figos. Ano passado, fiquei irritada porque alguém, ao cortar a grama, lascou o caule da figueira. Amparei com um bambu firme, amarrei o lugar quebrado e “colei”com fita crepe. O conserto deu certo – a figueira recuperou o viço e estava ao ponto de florescer – quando um trabalhador descuidado novamente podou o caule com o cortador de grama. Repetimos o processo de amparar, amarrar, colar, e, dessa vez, pedi a Deus pata ter misericórdia de minha figueira adolescente, e, com a chuva e o sol desses dias, tive o prazer de observar que a figueira da Tania está coberta de folhas vicejantes, tanto quanto a figueira do outro lado do jardim, que nunca sofreu lascas e cutucões.
Plantei um pé de romã em frente de casa. As romãs lembram a Terra Prometida e suas sementes são boas para a voz. Ele deu umas duas romãzinhas mixurucas, mas não foi à frente – portanto, tirei do local e re-plantei em um vaso grande de barro, com bastante adubo. No lugar em que estava a romã, plantei uma cerejeira gaúcha que, garantiu-me a moça da floricultura, produzirá frutos dentro de um ano. O pé está viçoso e aumentou as folhas — no chão somente há um mês. Lembro que, às vezes, não é só uma boa muda em terra adubada, mas o ambiente certo para ela crescer, e o tempo adequado.
Vejo, nas redes sociais, postagens de gente que mostra sempre um lado positivo, triunfante, vitoriosa, quando, muitas vezes, está ferida e derrubada, cortada da comunhão com família e amigos, e, possivelmente, também separada com relação a Deus e sua Palavra. Isso me lembra, com nostalgia e sentimentos misturados, do programa de rádio que papai tinha, “Vitória Cristã Brasileira”, em que ele pregava um evangelho que sempre vencia, enquanto nossa casa estava desmoronando e papai cobria seus períodos de depressão com frases feitas e ditames repetidos quase como mantras. Sem dúvida, o cristão tem vitória e a beleza de Cristo deverá enfeitar e perfumar o ambiente em que vivemos. “Esta é a vitória: a nossa fé” (1Jo 5.4) – não é um sentimento vago de conto de fadas nem positivista de edificações humanistas, mas a fé no Senhor Jesus Cristo, de quem nascemos e a quem amamos, guardando seus mandamentos, fiando-nos em sua verdade, sabedores que em seu nome temos vida eterna. Comparo essas postagens floridas e vazias a lindos buquês ou até mesmo coroas de flores que se depositam sobre coisas mortas. As flores são belas, artisticamente arranjadas, podem até exalar um bom perfume, tem seu valor — mas não estando plantadas, e não possuindo raízes, em pouco tempo apodrecem. “Seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a Palavra de nosso Deus permanece eternamente”(Is 40.8).

O que poderá fortalecer as nossas plantas, além de boa terra e água apropriada no tempo certo? Lembrando que Agricultor é a própria Videira, sabemos que o Espírito Santo é quem aduba e fortalece, empodera e produz frutos eternos (Gl 6.8). Colheremos o que semearmos, seja ela semente carnal seja ela espiritual. Haverá horas em que nos cansaremos, nessa plantação? Certamente que sim. Porém, a Palavra estimula: “não cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos... por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé”(Gl 6.9-10).

O Rei Poeta comparou quem é bem-aventurado e não anda no conselho dos ímpios a uma árvore plantada junto a ribeiros de águas, cuja folhagem não murcha, e que no devido tempo, dá seu fruto. Tenho três jaboticabeiras que nos alegram com sua produção, mas elas não se comparam à jaboticabeira da casa dos tios Geraldo e Tide em Limeira, constantemente regada e recebedora do lixo orgânico em suas raízes antigas – essa sim dava fruto o ano inteiro. 

Alguns anos atrás, Dr. Fábio e Míriam, velhos amigos, nos deram sementes de carcadê – o hibisco que produz um chá delicioso de cor rosada. Antes, em sua casa, havíamos nos deliciado com tâmaras de sua fazenda, e lembramos dos relatos bíblicos de Abraão plantando tamargueiras (palmeira que demora muitos anos para produzir seus frutos) e cogitamos imitá-los (a Abraão e aos Schmidt), mas sabíamos que não comeríamos as tâmaras do nosso pé. Aceitamos prontamente a oferta das sementes de hibisco e as plantamos, cuidamos e colhemos. Só cometi um erro: depois da colheita, não guardei nenhuma semente para fazer novo plantio – e a cerca de carcadê ficou só na memória. Não enconrei mais sementes para fazer novo plantio. 

Isso me lembra alguns amigos que no decorrer da vida, demonstraram vida cristã, mas ao cuidar dos filhos, esmeraram por dar uma educação primorosa nas melhores escolas e cursos de música, línguas e educação física – mas não se preocuparam em semear a Palavra de Deus desde cedo aos próbrios rebentos. Talvez pensassem que fosse responsabilidade da igreja a que frequentavam. Os jovens cresceram e são excelentes profissionais – mas não demonstram vida cristocêntrica! Espero que alguma semente tenha ficado, porém, os pais perderam a oportunidade de nova colheita nas gerações seguintes. Assim como eu deixei de re-plantar e colher sempre, o meu amado chá de hibisco.

De vez em quando, refiro-me com humor a “velhos amigos”, porque os novos são prata, mas os velhos valem ouro. Eu, uma horteira velha que não consegue mais ficar agachada para tirar as ervas daninas e plantar as sementes como queria, tenho de me referir a promessas da Palavra para renovar as forças. Diz o salmista: 

“O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro do Líbano. Plantados na Casa do Senhor, florescerão nos átrios do nosso Deus. Na velhice darão ainda frutos, serão cheios de seiva e de verdor, para anunciar que o Senhor é reto. Ele é a minha Rocha, e nele não há injustiça” (Sl 92.12-15).

Outra amiga chegada, Leni, além das fazendas em que planta e cria búfalos, tem um jardim em sua casa! Ela floresce nos lugares por onde passa.

Por outro lado, tenho observado alguns velhos amargos, que azedam o ambiente em que existem e exalam mau odor para os jovens que os observam. (Parecem as cortadas flores velhas do vaso, que nada têm de perfume de rosas e lírios novos.) Em vez de serem gratos a Deus pelas bênçãos, ressentem os privilégios que não tiveram e os dissabores que se multiplicaram. Em vez de se renovarem, eles se estagnaram em um passado sofrido e duvidam de um futuro promissor, porque preferiram o deserto de suas escolhas vazias. Assim era Noemi antes de sua nora Rute declarar fé no Deus de Judá e amor à sogra Mara. Mas aprendeu, ao observar a bondade e generosidade dos campos de Boaz, onde Rute segava, e passou a ser bendita avó de reis. Como minha Dama da Noite. A planta, que já deu muita flor e perfume inconfundível, estava feia e com folhas secas, quase mortas. Cortei essas folhas feias e coloquei-as em água. Agora essas folhas criaram novas raízes, e antevejo fazer várias mudas novas de damas, as quais darei a algumas amigas depois que elas estiverem firmes e bonitas. A propósito, a planta original que podei está carregada de brotos novos. Espero que um dia algum amigo amargado conheça a doçura e beleza do arrependimento em fé e esperança. Como minhas damas da noite.

O profeta Jeremias, homem de nobre estirpe que viu a aflição e o envelhecer de sua carne, viveu entre reis e plebeus e foi literalmente jogado nas masmorras da vida, com a própria vida ameaçada, declarou: “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos – grande é a tua fidelidade! A minha porção é o Senhor, portanto espararei nele” (Lm 3.22-24).

E Habacuque, que observava a violência da terra e viu a glória do Senhor, disse em sua oração:

Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide, o produto da oliveira minta, e os campos não produzem mantimento, as ovelhas sejam arreatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação. O Senhor Deus é a minha fortaleza, e faz os meus pés como os da corça, e me faz andar altaneiramente (Hc 3.17-19).

Como as minhas plantas, eu sou frágil (1Pe 1.24).Houve vezes que fui quebrada, mas fui fortalecida pela água da Palavra e o óleo do Espírito — e tive a bênção de ser fértil, florescer e frutificar. Deus nos colocou, me colocou, num jardim, numa plantação na qual “somos cooperadores, lavradores na lavoura de Deus. Nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus que dá o crescimento. Ora, o que planta e o que rega são um; e cada um receberá o seu galardão, segundo o seu próprio trabalho” (1Co 3.6-9). Desde o jardim donde foram expulsos os primeiros pais e perpassando a terra renovada onde Noé e sua família desembarcaram, a ordem era cultivar e guardar, serem fecundos e multiplicarem (Gn 1.27-31; Gn 9.1-3; João 15.5-11). “Porque, como a terra produz os seus renovos, e como o jardim faz brotar o que nele semeia, assim o Senhor Deus fará brotar a justiça e o louvor perante todas as nações” (Is 61.11). 

Elizabeth Gomes  

 

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