segunda-feira, abril 17, 2017

NOVIDADE DE VIDA


A Semana Santa, para os judeus a semana da Pesach, lembra a libertação da escravidão do Egito e a peregrinação rumo a Terra Prometida. Para quem crê em Jesus não há como deixar de comunicar a morte e a ressurreição a amigos e companheiros de peregrinação. Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, Pão da vida sem fermento — matzo — que comeu as ervas amargas do cálice da ira de Deus e deu-nos o cálice da nova aliança no seu sangue e, hoje, o vinho da alegria indizível de sua presença.

Em que a ressurreição de Jesus Cristo faz diferença em nossas vidas? Em tudo! Esse “tudo” inclui atitudes, ações, comissões e omissões. Dois discípulos caminhavam tristes com os terríveis acontecimentos dos últimos dias. Todas as suas esperanças de libertação e de um novo reino de justiça pareciam frustradas com a morte daquele que criam ser o Messias. Outro caminhante se aproximou deles e perguntou o que tomava conta das suas emoções. “Só você não sabe do que aconteceu nesse Pesach em que esperávamos que alguém maior que Moisés nos desse libertação completa e perene?!”O estrangeiro foi falando das Escrituras, expondo de alef a tau tudo que Deus falou e fez. Só depois de atender o convite “fica conosco que já é tarde e o dia declina”, sentado à mesa para repartir com eles o pão, quando agradeceu ao Pai, é que viram quem era! “Não nos ardia o coração quando ele nos falava?”

Ressurreição é transcendência onipotente falando com linguagem compreensível das coisas eternas que removem as pedras do caminho e transportam vida, tornando-a crível e praticável. “Por que buscais entre os mortos ao que vive?” e “Por que choras?” muda para “Não temais; ide dizer a meus irmãos que vão à Galiléia; lá me verão (Mt 28.10). Quem testemunhou a crucificação e o túmulo vazio não pode mais viver em temor—tem uma missão a cumprir: Ide dizei a meus irmãos.

As reações dos discípulos foram diversas. Uns viram e creram. Outros permaneceram incrédulos. Outros só creriam depois de colocar o dedo nas feridas de Jesus. Soldados foram pagos para dizer que roubaram o cadáver. Mas não havia cadáver. Ele andou entre nós, falou conosco, partiu pão conosco. Muitos entenderam, outros entenderam mal, ainda outros afirmaram tratar de embuste mesmo contra as evidências da verdade.

Quando penso em cumprir a missão dos que testemunharam a crucificação — viram-no colocado no sepulcro que pretendiam encher de perfume e flores, viram a pedra removida, o túmulo vazio, ouviram os anjos falando, o próprio Jesus perguntando “por que choras”, chamando Maria pelo nome — eu mesma olho para a Grande Comissão que exige integridade na feitura de discípulos: tudo que somos e temos, transparência realista, consciência do que não somos e, até mesmo, nossas carências. Os discípulos — gente como nós, ignorante e covarde, medrosa, orgulhosa e desejosa de obter o melhor lugar no reino — passaram a ter coragem e ousadia de falar e não se calaram diante de ameaças, cuidaram do rebanho de Deus, e evangelizaram conterrâneos, vizinhos e estrangeiros, até os confins da terra. A marcha que começou com onze foi, ao longo dos séculos, acrescentada de milhares de pessoas de todas as raças, tribos e nações, e continua até hoje com grandes servos de Deus do presente e do passado, e gente pequena como eu.

Sou, como todo verdadeiro cristão, uma missionária — quero cumprir a missão de Deus de glorificá-lo também na obediência à Grande Comissão de Jesus Cristo, no poder do Espírito Santo. Isso tem de ser feito com a integridade que vem do próprio Deus da paz que nos conserva espírito, alma e corpo íntegros e implica inteireza de cada aspecto de nossa vida (1Ts 5.23-24). Todos os que participamos do sacerdócio santo (1Pe 2.9-10) temos a missão de proclamar as grandezas daquele que nos chamou das trevas para o reino do Filho do seu amor. Isso não implica em pastorado feminino (que não tem respaldo bíblico), mas na ação e atuação de cada crente que cresce na graça e no conhecimento de Cristo Jesus. Rejeito qualquer “missão integral” baseada em marxismo ou ação social que não tenha como centro Jesus Cristo, morto por nossos pecados e ressurreto para garantia de nossa justificação. Como disse Lutero, “Somos todos mendigos”.

Entre as diversas crises de fé que temos e que observamos na vida de nossos irmãos, temos as dificuldades na política, na ética, que nos forçam a enxergar o que não queremos ver e de cujas baixas não conseguimos escapar, tanto no ambiente que nos cerca quanto em nossa experiência interior — coisas que nos abalam e que, às vezes, nos devoram. “Quantos que corriam bem de ti longe agora estão, outros seguem, mas também sem fervor vivendo estão...“ (Hino Vivifica, 132 HNC).

Muitas igrejas (e seus membros individualmente) optam por aquilo que é conveniente, moderno, muitas vezes duvidoso, por estarem focados mais no pensamento do mundo do que no de Jesus Cristo, de quem tomamos o nome. Nossa mensagem tem de ser ortodoxa: anunciando todo o conselho de Deus com fidelidade segundo a fé na graça salvadora de Jesus Cristo. Isso, junto com uma fé firmada na morte e ressurreição de Jesus Cristo, na Palavra de Deus, tem de ser vivido na prática. Se agirmos sem ortopraxia, anularemos qualquer ortodoxia proclamada. Hoje, alguns nem mesmo querem mais ser ortodoxos. (Sempre houve pessoas assim.) Preferem ser atuais, e sua contextualização anula os textos firmes da Palavra da Verdade. Como dizia um tio amado, mas enganado, “É necessário sempre um pouco de heresia”. Vemos cada dia mais as características dos últimos dias em que virão tempos difíceis. A advertência descritiva de Paulo ao filho na fé, Timóteo, está mais real que nunca:
Nos últimos tempos os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder (2Tm 3.1-5).

A volta do Senhor é iminente, e é nossa bendita esperança, mesmo que muitos amigos no evangelho ignorem a centralidade da volta de Cristo para nossa ética social. Rejeito a idéia de que nossos atos irão apressar ou causar a volta de Jesus (como se nossas obras tivessem mérito!). Creio nas palavras do Jesus ressurreto e glorificado: “Eis que venho sem demora ... Eu sou o Alfa e o Omega...”

O brilhante Charles Wesley escreveu um hino dizendo: “Mil línguas eu quisera ter para entoar louvor” (SH 211), e eu tinha o mesmo sentimento: queria saber expressar o louvor de inúmeros modos e acabo não conseguindo comunicar sequer em meu próprio idioma as profundezas e a amplidão do amor de Deus. Uma das sequelas que retive depois de um AVC sofrido em 2007 foi que perdi a cristalinidade da voz com que gostava de cantar. Tenho me descoberto, no entanto, uma salmista de coração. Com voz de taquara rachada, ainda louvo porque meu louvor não é fruto de voz e respiração treinadas. O meu louvor, como disse o autor de Hebreus, é fruto de lábios que confessam o teu nome (Hb 13.15). Experimentei a disciplina do Senhor, “para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade”, que produz fruto pacífico aos que por ela tem sido exercitados, fruto de justiça (Hb 12.11). Agora vivo para o seu louvor na paixão e sofrimento, no sepultamento de minhas próprias aspirações, na alegria daquela manhã de domingo em que ouvimos que ele não está aqui, mas ressuscitou! “Faz-me conhecer os teus caminhos; ensina-me as tuas veredas; guia-me na tua verdade e ensina-me, pois tu és o Deus da minha salvação,” diz o salmista (Sl 25.4,5). Seja esta a minha oração, e a de cada salmista de coração!

Somos, sim, mendigos, mas que falam a outros mendigos onde podemos encontrar o pão! Cremos nas promessas futuras porque conhecemos o Deus que não pode mentir e que nos “tirou do império das trevas e nos transportou para o reino do seu amor” (Cl 1.13). Ainda que indignos, somos povo de Deus, filhos de Abraão pela fé, enxertados na Videira. O apóstolo Paulo em Romanos 8, 9 e 10 mostra que Deus não rejeitou seu povo da aliança, o povo de Israel, e lembra ainda que para a salvação não há diferença entre judeu e gentio, escravo ou livre, homem ou mulher (Cl 3.23): fomos adotados como povo de Deus, enxertados em sua família. A ressurreição lembra o convite insistente de nosso Deus, que nutre e que cura, floresce e firma, a filhas de Eva e filhos de Adão que, pela fé, são também filhos de Abraão:
Volta, ó Israel, para o SENHOR, teu Deus, porque, pelos teus pecados, estás caído. Tende convosco palavras de arrependimento, e convertei-vos ao SENHOR; dizei-lhe: Perdoa toda iniqüidade, aceita o que é bom e, em vez de novilhos, os sacrifícios dos nossos lábios... tu és nosso Deus; por ti o órfão alcançará misericórdia. Curarei a sua enfermidade, eu de mim mesmo os amarei porque a minha ira se apartou deles. Serei para Israel como orvalho, ele florescerá como o lírio e lançará as suas raízes como o cedro do Líbano. Estender-se-ão os seus ramos, o seu esplendor será como o da oliveira, e sua fragrância, como a do Líbano. Os que se assentam de novo à sua sombra voltarão; serão vivificados como o cereal, e florescerão como a vide... (Os 14.4-7).


Elizabeth Gomes

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