De passagem por mídias virtuais, vi que alguém falava de um tradicional
hino de louvor do qual gosto muito. Parei um pouco para ver e ouvir o vídeo. O pregador
usava o hino Grandioso és tu (melodia
sueca, letra de Carl Gustav Berg, 1885) para exemplificar o mau uso do louvor.
Em sua arenga, ele ia, mais ou menos, assim: “Não é meu preferido ... não tenho
nada contra ... vejo os céus (estrelas, raios e trovões) e louvo a Deus. Até
então, tudo certo. Deus está aí, Então, vem o ‘E quando, enfim, eu for ao céu
subindo’ – aí, já não é Deus, mas eu, sendo louvado!” O homem sequer estava
errado, pois para errar teria de estar certo na proposta inicial. Ele estava
longe de conhecer a Palavra e o hino, cujo verso final diz: “adorarei a quem
por mim mostrou tão grande amor”.
Como meia bobagem basta, fui cantar noutra freguesia. Já ouvi e sofri
opiniões sobre letras de cânticos tais como “com glórias coroai”, “coroamos a
ti, Senhor”, e outros, à opinada de
que “o maior coroa o menor”. Sobre hinos que utilizam figuras bíblicas também
há nãos-nãos legalistas, por exemplo,
“Era seu nome Barnabé”. Além desses, há ruídos e choros contra versos como “tu
és fiel, Senhor, fiel a mim”, e um sem número de outros. Todas essas críticas
mal feitas deixam de lado o fato de que o uso do termo coroa tem muitos
significados, como é o caso de Paulo, dizendo que os filipenses seriam sua
“alegria e coroa”. Os salmos estão repletos de cantos de memória dos grandes
feitos de Deus na história. A Bíblia está permeada de cantos sobre feitos de
homens a serviço de Deus, de cantos sobre experiências de homens com Deus, como
é o caso da fidelidade de Deus “à casa de Israel”, e de bendição de pessoas, tal
como o Magnificat de Maria.
Críticas
são boas quando decorrem de boa hermenêutica da Palavra aplicada a uma boa
hermenêutica do texto e das coisas. Juízos poderão ser feitos, por exemplo,
sobre a verdade, a propriedade e a beleza do louvor — isso, quando houver
conhecimento, sabedoria, prudência e discernimento para tanto — mas jamais
baseados em parecer pessoal sem base e tolo.
Em Efésios 1.3-14, Paulo fornece um arcabouço teológico que nos permite
estabelecer que o nosso louvor a Deus é
tudo o que retrata sua glória a nós concedida, pela graça, em Jesus Cristo,
como diz: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem
abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo
... para louvor da glória de sua graça” (Ef 1.3,6).
1a. Bênção: o
louvor pela escolha para a adoção em Cristo (vv. 1-6) — Louvar significa atribuir valor a o que ou a quem de direito.
Louvamos princípios de valor, tais como honra, comportamentos, consciência
pura, etc. Louvamos coisas a que apreciamos. Louvor supremo, contudo, somente
pode ser dado a Deus o doador de nossa herança.
Nossas perspectivas de Deus, do ser humano, e do mundo, sofrem, pelo
menos, três desvios de visão. Primeiro, por causa da queda do pecado,
confundimos luz com trevas; segundo, o ser humano finito, nem mesmo antes do
pecado, pode considerar o infinito de Deus; e, terceiro, por causa do pecado,
temos a tendência de adorar a Deus à nossa maneira, como fez Caim. Paulo pede a
Deus que sejamos diferentes disso: “para que o Deus de nosso Senhor Jesus
Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no
pleno conhecimento dele”. Ele chama as bênçãos de Deus de revelação do
“mistério de sua vontade”.
Nesse mistério infinito Deus nos revela que somos predestinados. A
confusão e o alarido do louvor de hoje são provocados por um falso entendimento
do Ser de Deus e do exercício de sua vontade. Ninguém louvará a Deus se não
estiver certo de que ele é o princípio e o fim de todo propósito, e que ele nos
escolheu antes da fundação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis. Deus
não é homem, e sua vontade não é paralela a do ser humano. Antes, nossa vontade
está circunscrita a de Deus. De uma maneira, Deus não nos criou dentro do
círculo do seu ser, pois ele é transcendente; de outra, ele penetrou o circulo
de sua criação por meio da obra de seu Filho “de os tempos eternos”, portanto
ele é imanente – o Deus de longe e de perto. Podemos, assim, dizer que Deus habita
em um “círculo” infinito que compreende o nosso círculo finito. Por sua vontade
fomos criados, por sua vontade fomos escolhidos, predestinados. O repúdio dessa
escolha, nega a nossa crença no que Deus revela sobre si mesmo em sua Palavra.
Em outras palavras, Deus não é louvado quando a vida do que pretende
louvar não reconhece sua grandeza nem busca a santificação e a
irrepreensibilidade do caráter de Deus, em Cristo. Isso implica que Deus não é
também louvado quando sua escolha é substituída por uma impossível salvação
baseada na escolha humana. Especialmente, fomos chamados para participar do
círculo dos filhos de Deus. Fomos predestinados para adoção em Cristo, “para o
louvor da glória de sua graça”. A adoção implica em que tudo o que o Senhor
Jesus Cristo é para o Pai é-nos conferido pelo pacto eterno. Desse modo, o verdadeiro
louvor é prestado por filhos de Deus. Louvar é atribuir a Deus o valor de ser
ele O QUE É. Louvar é atribuir a Deus a bondade, misericórdia e fidelidade com
que fomos agraciados em todas as bênçãos “nos lugares celestiais” em Cristo.
Por amor, ele nos resgatou para a santificação, tirando-nos de uma
esfera de morte para uma esfera de vida. Ele nos redimiu com seu sangue
purificador, perdoando os nossos pecados. Tudo isso, diz Paulo, “segundo a
riqueza da sua graça” derramada sobre nós em “abundantemente ... sobre nós em
toda a sabedoria e prudência”. Deus nos desvendou o mistério da sua vontade
conforme segundo o seu pacto proposto em Cristo de convergir nele, no ápice dos
tempos “todas as coisas, tanto as do céu como as da terra”.
É significante lembrar que estar “em Cristo” — “nas
regiões celestiais em Cristo” e ser “herança” dele e para ele — requer um
louvor coerente. O louvor verdadeiro converge em Cristo, em sua doutrina, e não
em sua expressão. Nenhum louvor é neutro, isto é, não é obra de arte sem
obrigação com linhas de pensamentos culturais, artísticos e daí em diante. Todo
louvor proclama uma glória, todo louvor implica uma doutrina, quer sem Deus
quer pretextando Deus — o falso louvor proclama a glória do mundo quando rouba
dele as estratégias de mercado, as flutuações da moda, etc. Há um só louvor
verdadeiro, e este é a expressão da beleza da glória, ou reflexo do caráter, de
Deus “na face de Cristo” (cf 2Co 4.6).
O louvor da glória de Deus em Cristo consiste em amá-lo e em amar os que
são seus, de tal modo que nenhuma outra paixão, êxtase, regra, e gosto tomem o
seu lugar como círculo e centro da vida. Louvar significa amá-lo com extrema
gratidão pela redenção, com profunda contrição diante do alto preço de sangue
da remissão, e com genuína alegria.
3a. Bênção: o
louvor pelo Penhor da esperança eterna (vv. 11-14) — “Deus busca
adoradores”, disse Jesus à mulher samaritana. Certamente, ele não os busca porque
tenha necessidade, mas porque nós nos realizamos na adoração. Adorar a Deus é
comungar sua pessoalidade e derivar dela, em Cristo, a essência de quem somos.
Por decorrência, quem louva a Deus em humilde adoração, alcança as alturas de
Deus e atinge as profundezas do próprio ser.
Fomos feitos herança, predestinados para usufruir as abundantes bênçãos
celestiais segundo a vontade do Deus trino. Somos herdeiros e herança do pacto
trinitário para sermos “para o louvor de sua glória”. Isso fala de uma vida de
louvor, de um perene louvor no encanto de saber que somos dele e que ele é
nosso, e de uma viva esperança. Esperança de que o Senhor Jesus, que, em nosso
lugar, encarnou, viveu em obediência, morreu, ressuscitou e ascendeu aos céus,
de lá virá fisicamente para nos buscar. Por enquanto, ele habita entre nós e em
nós, em seu Espírito. Por ele ouvimos a Palavra, provamos a fé e o
arrependimento, fomos regenerados, fomos selados com penhor da nossa herança.
Pelo Espírito de Cristo temos comunhão com Deus e com a igreja de Cristo. Pelo
Espírito que procede do Pai e do Filho temos a esperança do regate dos herdeiros
para a vida eterna. Tudo isso, “em louvor da sua glória”.
Quando alguém louva ao Senhor, deve estar consciente de que não presta
culto gratuito (“preço de sangue ele pagou”) nem pretende conseguir coisas
caras (“ouro e prata não almejo”). Tudo vem de Deus que já nos concedeu todas
as bênçãos necessárias à vida e à piedade (2Pd 1.3). Só resta, ao crente,
cantar com o coração e com os lábios: “Quão grande és tu” nas obras de sua
criação feitas em Cristo, “dele, por meio dele e para ele”, na obra da redenção
em Cristo, na providência para a vida que é agora provida pelo Espírito, no
lar, na igreja, e no mundo, na esperança de adorá-lo em presença, corpo e alma
em perfeita glória diante de sua glória imarcescível!
Na sequência desta escritura testamental do Evangelho, Paulo rompe em
uma oração de prece em que existe uma ênfase no louvor individual e coletivo e
congregacional:
Por isso, também eu, tendo
ouvido a fé que há entre vós no Senhor Jesus e o amor para com todos os santos
não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações, para
que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito
de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do
vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a
riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu
poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder (Efésios
1.15-19).
Wadislau Martins
Gomes
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