sábado, fevereiro 04, 2012

“TROPEÇA AQUI, OI, CAI ACOLÁ...”


Lembra do cântico tirado do baú: “Tropeça aqui, oi, cai acolá”? Ainda que soe como um “melô” do bêbado, ele é significante e serve de estímulo para todos nós que tropeçamos em muitas coisas (Tiago 3.2a). É como a letra do hino: “Porém é mui certo que a gente tropeça / Por isso Senhor, eu preciso de ti”. Contudo, não é bom viver sempre tropeçando; e sempre será possível evitar a queda, como o próprio Tiago diz: Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo (3.2b). Portanto, se o discurso for um e o comportamento for outro, teremos um problema sério: seremos como árvores plantadas em terra seca, que não dão fruto na estação propícia (Salmo 1) ou  cujo fruto é enganoso (Lucas 6.43) ou sequer frutificam (Mateus 21.19).

Isso ocorre quando tiramos os olhos da pessoa de Jesus Cristo e sua obra de salvação, e os colocamos em nossas capacidades e habilidades para manter o equilíbrio. Aí, tropeçamos na fé e caímos, como o profeta também disse: a verdade anda tropeçando pelas praças e a retidão não pode entrar (Isaías 59.14). O segredo para andar na verdade reside em não confundir a corda da salvação, segura e firme, que é Cristo, com a corda bamba do esforço humano. Em Cristo, temos garantida a entrada e o desempenho no reino de Deus; firmados em nós mesmos, seremos como bêbados equilibristas no circo da vida – um pé no arame e o outro no vazio, um passo na esperança, outro no medo.

É sobre isso que trata Hebreus 6. A questão central é o progresso da vida cristã e não a pergunta secundária: os que caíram não se levantam mais?

Para bem entender a matéria, será preciso ler a totalidade da carta e especialmente o contexto próximo anterior (5.7-14) sobre a perfeição de Cristo e de sua obra, produzindo nosso aperfeiçoamento e gerando nossos frutos. Este é o ponto: os recipientes da carta deveriam ser frutíferos, mas continuavam sendo imaturos. O escritor queria balançar a árvore.

O texto é difícil – A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir (v. 11) – e faz bem quem indaga sobre ele com o desejo de entender e de aplicar o seu ensino. Para tanto, será preciso presumir que a carta foi escrita para cristãos hebreus, entendendo-a à luz da perfeição do Messias e sua obra. Assim, a fim de superar as dificuldades do assunto e atingir a cabeça e o coração do leitor, o autor lança mão de um estilo bem conhecido dos judeus, de contrastes e confrontos. 

Em primeiro lugar, há o contraste entre crianças que só suportam alimentos ralos, e adultos que precisam de coisa mais sólida (6.12-13). E há também o primeiro confronto: somos instados a, pela prática, exercitar as faculdades para discernir entre o bem e o mal (v. 14).

Seguem outros contrastes: os princípios elementares da doutrina de Cristo contrastando com o que é perfeito (v. 1a,b); os que caíram (v. 6a), contrastando com vós outros (v. 9a). Há também a diferenciação entre uns e outros, ilustrada com mais um contraste: vós outros – como a terra que absorve a chuva...e produz erva útil...da parte de Deus (v.7), e os que caíram – como a terra que recebe a mesma rega, mas produz espinhos e abrolhos, e é rejeitada (v. 8). Neste caso, a confrontação é clara: os que não produzem fruto são como os que caíram. Em face disso, nós outros poderíamos permanecer indolentes e infrutíferos (vv. 9-12)? 

A chave para discernir o bem e o mal – a redenção dos escolhidos (Romanos 8.29) e a queda de todos por causa do pecado (Romanos 3.23) – reside no entendimento espiritual da graça comum que cai sobre justos e injustos, e da graça especial que cai sobre os filhos da promessa. Esse é o discernimento entre os princípios elementares e o que é perfeito. Nessa linha de argumentação, o autor de Hebreus coloca os princípios elementares da doutrina de Cristo:

(1) Arrependimento de obras mortas e fé em Deus (6.1a) que é a iluminação do Espírito e a prova do dom celestial (v. 4), implicando a revelação de Deus (na natureza, na consciência e na pregação do evangelho), e o convencimento do Espírito Santo (do pecado da descrença, da justiça efetuada na obra de Cristo e do juízo condenatório de Deus – João 16.8-11).

(2) Ensino de batismos e imposição de mãos (6.2a), que se referem à participação nos aspectos visíveis da graça de Deus na vida da igreja (6.4). Isso ocorre também com os que são apenas nominalmente professos (Mateus 13.18-30 – este texto mostra que não se trata de nosso julgamento sobre os frutos de outrem, mas do discernimento de nossa maturidade e frutificação).

(3) Prova do dom celestial e da participação no Espírito Santo (6.2b), que são elementos da graça de Deus manifesta na igreja pela pregação da Palavra sobre a vida que é agora e a do porvir. São como chuvas de bênçãos que respingam sobre os que delas se aproximam – tal como ocorre com os filhos de crentes que são considerados cerimonialmente puros e santos ou com o cônjuge que é santificado no convívio com o parceiro crente (1Coríntios 7.14).

O último contraste é entre a impossibilidade de renovação para arrependimento e a impossibilidade de Deus mentir. Deus jurou por si mesmo, e o texto é bem claro quanto a isso: para que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, forte alento tenhamos (6.18). A Bíblia também diz que os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis (Romanos 11.29), do que se depreende que o texto não fala de perda de salvação, mas de que certeza de salvação.

Homens naturais, não nascidos de novo, não têm entendimento nem produzem frutos espirituais. São expostos à graça comum e poderão, até mesmo, participar dos aspectos visíveis do reino espiritual, mas se não fecharem acordo (gr. arapipto), será impossível renová-los para arrependimento. Se não aceitarem a obra perfeita da redenção, Cristo não morrerá outra vez para salvá-los.

À vista disso, nós, que somos salvos, nascidos de novo, deveríamos crescer no conhecimento de Deus e da herança da salvação, pois Deus é fiel e, além de produzir frutos em nós e por nós (João 15), com certeza recompensará nosso trabalho (Hebreus 11.6). Não vivemos como que equilibrando sobre uma corda bamba, mas temos a certeza da esperança, como âncora segura e firme que é Jesus Cristo (6.20) – não somos dos que retrocedem para a perdição; somos, entretanto, da fé, para a conservação da alma (Hebreus 10.39). Certamente deveríamos ser adultos na fé para compreender o que Cristo fez por nós e faz em nós, e o que ele requer de nós.

Wadislau Martins Gomes

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