sexta-feira, novembro 16, 2012

"SEU" GARCINDO E O JOÃO DE BARRO



 

– Que passa, véio?

O ar brejeiro de dona Déia deixava-a linda

– Está com jeito de quem viu passarinho verde – ela completou

– Não é verde não, é o João de barro ali na barriguda.

No galho espinhento da paineira o pássaro ia, de bico em bico, fazendo sua casa.

– Estou aqui, matutando sobre o caso daquele pastor que veio na outra semana. Parecia ave sem ninho.

– Que foi que vocês andaram falando?

– Das coisas. Tem crente que de tanto escutar a canção do João de Barro parece que virou ave sem perdão para dar. Sabe? “O João de Barro pra ser feliz como eu...” – cantarolou.

– ?!

– Tem crente que é joão de barro só de pena. Peito estufado, bico agudo, faz e acontece, mas se a mulher escorrega, fecha a porta da casa com ela lá dentro.

– Estou voando.

– É essa coisa de a gente pregar o que não vive e querer que os outros vivam o que a gente prega. É só trilado de salvação, transformação, mas só no vento. Para muitos, o Deus que cuida das aves só se ocupa com as “perdidas”; as de casa eles acham que não têm jeito não. Assim é melhor nem casar com joão de barro.

–Ainda estou no ar.

– Esse moço, o pastor, andou batendo asas e a passarada arreliou. O homem já mudou, é construtor sério, asa forte, canto firme, só que não é joão de barro, é curió, e por isso os outros penados não lhe dão trela.

– Ah!

– Pois é, fico pensando no rei Salomão que não se vestia bem como as aves, mas sofria como uma. Queria ser passarinho só para por música no seu poema: “Como o pássaro que foge, como a andorinha no seu voo, assim, a maldição sem causa não se cumpre” (Provérbios 26.2). É letra bem mais verdadeira do que a do João de Barro; tem esperança.

– Ainda não entendi tudo, mas começo a ver alguma coisa no céu.

– Os joãos de barro não sabem que Deus tem poder para criar passarinho do nada. Se soubessem o que Deus pode fazer na vida da gente não ficavam se apoiando em galho seco.

– Agora é que não sei mais nada!

– Nem eles, nem eles. Conversa vai conversa vem, saiu um comentário bobo que nem grasnada de urubu, e veio diz que me disse de periquitos, conversa de ajurujuru; e o moço estava no meio. Ficou jururu que nem o passarinho do Salomão. Disse que fez até uma canção.

– E como é?

– Uma coisa do rei Davi: “Tu fazes rebentar fontes no vale, cujas águas correm entre os montes; dão de beber a todos os animais do campo; os jumentos selvagens matam a sua sede. Junto delas têm as aves do céu o seu pouso e, por entre a ramagem, desferem o seu canto” (Salmo 104.10-12).

– E o que ele quis dizer?

– É nisso que eu pensava enquanto via o João de barro. Enquanto tem crente fechando as portas das casas, o moço abria para eles a casa do Senhor. Disse que era tristeza sem mágoa, que orava por eles e que, se pudesse, ainda dava de beber. Imagine, no bico!

Wadislau Martins Gomes

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