OU: FOCINHO DE PORCO NÃO É TOMADA
“O que esse pessoal não prova em nada é a relação entre as armas legais e os índices de violência. A nova tentativa de tirar as armas legais de circulação só vai expor o cidadão comum aos delinquentes, criminosos e lunáticos armados ilegalmente” (Leonardo Bruno, 13 Abril 2011, http://www.midiasemmascara.org/).
Inspirado no artigo citado acima, segue uma contribuição cristã para a solução do problema da violência.
Algumas figuras são tão boas que se encaixam na cabeça como plugue macho em tomada elétrica. Nessa linha, a imagem de Pv 11.22 é uma preciosidade: Como jóia de ouro em focinho de porco, assim é a mulher formosa que não tem discrição. À primeira vista, nós, homens, concordamos, levantamos o nariz, e mostramos o texto para a namorada ou esposa. Contudo, não confunda esse focinho de porco com tomada, pois a comparação aplica-se ao homem e à mulher, como vem no versículo seguinte: O desejo dos justos tende somente para o bem, mas a expectação dos perversos redunda em ira (v. 23). Em outras palavras: o desejo de justiça é uma jóia, mas quando injustamente reivindicada, revela nosso focinho de porco.
Essa definição é significante especialmente quando (i) uma violência geral e incontrolada toma conta de um número crescente de indivíduos e de grupos; (ii) a sociedade fica paralisada e entorpecida à espera de uma ação efetiva do governo; e (iii) o governo exibe inabilidade para discernir uma política correta e incapacidade para lidar com o problema. Creia nisto: homens tomados de ira maligna e cultores de violência só poderão ser combatidos por homens de ira santa, cultores da paz de Deus.
A ira, ao contrário da ideia comum, é primariamente uma virtude (cf. Rm 1.18 e Ef 4.26). Será correto, até mesmo, dizer que a ira é o diamante das jóias entre as virtudes morais. De fato, ela é o sentimento que nos sensibiliza a fim de reconhecermos uma injustiça cometida. A ira está para o senso moral assim como a dor está para o senso de integridade física. Não é verdade que, se o porco tivesse a expectação do abate, não se deliciaria tanto com o processo da engorda? A ira torna-se pecaminosa e destrutiva quando a reação contra a injustiça é feita com base na mesma injustiça. Por isso é a que Jesus também disse que, se nosso senso de justiça não for distinto e maior do que qualquer injustiça recebida, jamais apreenderemos a justiça do seu reino (Mt 5.20) e: todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento (v. 22).
Confrontadas quanto à ira pecaminosa, geralmente as pessoas negam ou justificam o sentimento: “Eu, irado? Não!” Ou: “Mas também, veja o que me foi feito!” Poucos reconhecem a natureza do sentimento. Entretanto, não há como esconder, e a ira injusta revela nosso focinho de porco. Homens e mulheres, ao se queixarem de maridos, esposas, filhos, patrões, empregados, colegas etc., estejam certos ou errados, sempre exibem humores irados. De um, a raiva intestina explode como espirro; de outro, a amargura azeda e escorre; e em ambos os casos, revela-se o focinho de porco (cf. Hb 12.14-17). Só há uma maneira justa para lidar com a ira: Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem (Rm 12.21). E daí, se meu irmão foi mais aceito? Se meus pais erraram? Se meu trabalho não foi reconhecido? É Deus quem julga o homem; por que, então, eu tento acusá-los, e a outros (Cf. Rm 8.33)? Não seria o caso de atentarmos ao próprio rabo antes que bata a porta? Como disse Tiago, quem conhece a Palavra e não considera sua verdade é como quem olha no espelho e, depois, vai embora esquecido (Tg 1.23-25) do próprio focinho.
A Bíblia diz que a estultícia do homem perverte o seu caminho, mas é contra o Senhor que o seu coração se ira (Pv 19.3). Por que é que nossa rebeldia é sempre contra a “religião”? Ateus e crentes amargurados sempre se voltam contra Deus. Ele é sempre a causa da sua miséria. No entanto, no fundo, não queremos enfrentar a verdade porque ela é luz que denuncia nossa cara suja do último bocado de pecado. Sob essa luz, olhando no espelho, posso até imaginar a cara do Caim, filho do Adão e da Eva Silva-Éden (assassino do irmão) quando Deus lhe perguntou: Por que andas irado, e por que descaiu o teu semblante (Gn 4.6)? A autojustiça de Caim brilhava em seu rosto como jóia em focinho de porco. O rapaz teria ouvido dos pais a história do coração a respeito de um tempo bom, na Criação, em que a vida tinha sentido, em que dignidade pessoal e aceitação amorosa regiam os relacionamentos. Entretanto, sua experiência era uma de difícil digestão: por que seus pais fizeram o que fizeram e por que ele é que deveria ter saudade do jardim que não conhecera e ainda ter de aguentar as pendengas da família? “Eu não estava lá; e nem pedi para nascer!” Deus ainda perguntou, retoricamente: Se procederes bem, não é certo que serás aceito (Gn 47)? No fundo, a ira de Caim era contra o que ele julgava ser uma injustiça de Deus – que não o aceitara.
Sei que não é fácil assumir que o focinho no espelho é o nosso próprio. Fica bem mais fácil se nosso irmão, nossos pais, ou o povo, forem causas da desgraça. No entanto, é nosso semblante que se encontra descaído, e é nossa a ira amargurada que cria nossa mesma história do coração. Deus não disse: “se os pais ou o irmão procederem acertadamente, alguém será aceito”. Se quisermos viver bem a nossa vida, teremos de vivê-la nós mesmos diante de Deus, pela graça e mediante a fé. Ansiamos por uma vida de independência e autonomia, mas levamos uma existência de escravos, presos pelas correntes da transferência de culpa. A culpa é da religião, a culpa é do governo, a culpa é da sociedade... de quem mais? “Minha é que não é”, diz alguém. É minha, eu digo, quando não entendo a ira
Deus concedeu ao mundo dois ministérios de homens: (i) o da pregação da paz com Deus e entre os homens, em Cristo e no poder do Espírito, e (ii) o da disciplina da paz, sob responsabilidade do governo, ao qual deu o poder da espada. Ambos os poderes, a fim de manter fidelidade a Deus, deveriam saber lutar com suas próprias armas. De nossa parte, deveríamos saber esgrimir com a palavra da verdade, no poder de Deus, pelas armas da justiça, quer ofensivas, quer defensivas (2Co 6.7). O governo deveria brandir com maestria a espada da lei, assegurando proteção ao indivíduo e à sociedade, tanto na coibição e punição da violência quanto na garantia ao indivíduo de proteger a si mesmo e à parte da sociedade em que vive. Para isso, teríamos de ter consciência de quatro coisas: (i) o governo não é a sociedade, mas é formado de grupos de membros chamados para agir em benefício da sociedade; (ii) o governo não é todo presente e poderoso para agir sem o necessário concurso dos cidadãos de bem; (iii) assim como a Palavra de Deus é instrumento de ação do ministro, mas deveria ser usada por todos os homens, também o uso da espada da justiça não é restrito ao governo; portanto, (iv) todo homem de bem é “governo” de sua própria vida e membro de governo de outras esferas tais como família, vizinhança, escola etc., com a missão de proteger o próximo.
Sobretudo, individual e corporativamente, deveríamos saber lidar com a ira. Retirando a boa ira, perderemos noção da justiça; inativos contra a má ira, incitaremos a injustiça. A escolha é essa: onde por a jóia – no focinho do porco ou no rosto da mulher bela?
Wadislau Martins Gomes
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