domingo, outubro 11, 2015

REFUGIADOS, IMIGRANTES, APÁTRIDAS, CIDADÃOS


 
As notícias continuam nos chocando, revoltando e deixando ora condoídos ora endurecidos. Centenas de pessoas expulsas de suas terras, suas casas, suas nações, fogem em navios superlotados. Muitos morrem no caminho, afogados, atirados ao mar ou apanhados por seus perseguidores. As nações do “Primeiro Mundo” têm reações perplexas, de descaso ou indignação, com a chegada das hordas de gente vindas do antigo mundo oriental. Hungria fecha suas portas. Alemanha recebe-os de braços abertos. França se preocupa com a invasão muçulmana de suas terras, de seu status quo.
O Brasil, tradicional abrigo para claros imigrantes da Alemanha e Itália que construíram o progresso do país, para os japoneses que a mais de século atuam enriquecendo a terra onde fincaram os pés e plantaram fartura, dos comerciantes e profissionais liberais de variadas origens: judeus, árabes, libaneses, gregos e troianos de todas as nações – recebeu-os de braços abertos, implorou que viessem explorar suas vastas terras, adotou muitos de seus costumes e os assimilou.  Mesmo quando não uma terra de exploradores, somos uma nação de imigrantes.
Tomamos, sem escrúpulos, as terras dos habitantes de nosso imenso Brasil pré-colonial, expulsando, subjugando, dizimando gês, tapuias e tupis – e paraguaios – fazendo das riquezas auriverdes nossa própria “descoberta” e possessão. Trouxemos navios negreiros da África para desenvolver nossas lavouras e laborar em nossas vilas, sem pensar nos que morreram no caminho, ou na chibata e no cativeiro dos grandes engenhos. Mas hoje temos receio que os haitianos tirem nosso lugar de deitados eternamente em berço esplêndido, os coreanos desbandem nosso comércio, os palestinos sejam todos terroristas infiltrados, prontos para derrubar e arrasar a precária estabilidade que conquistamos a duras (ou leves) penas. Hoje vivem no Brasil 7,289 refugiados reconhecidos, vindos de 81 nacionalidades distintas (veja o artigo de Elben César: “Eu era estrangeiro e vocês me receberam no Brasil” da revista Ultimato de setembro-outubro 2015). Na verdade, somos todos forasteiros, imigrantes orgulhosos de ser donos da terra que tiramos de outros. E tememos, com pavor e desprezo, que outros façam a nós como os nossos ancestrais fizeram aos que os antecederam.
Descobrimos que o atual desbandamento de pessoas tem nuança teo-referente. Muitos dos que estão sendo expulsos mundo fora, pelo Estado Islâmico,  por Alcaida ou outro grupo impulsionado pelo ódio, o são por serem chamados cristãos (e nesse saco de gato está qualquer um que não declare ser maometano). Também existe perseguição étnica—sempre o judeu é persona non grata a quem querem empurrar para o mar—mas essa perseguição é sobremaneiramente religiosa. Em nome de Alá o Poderoso, confiscam, tiram os filhos, matam, queimam, estupram as mães (crime aceito pelo Alcorão desde que cometido contra mulheres não islâmicas) e fuzilam ou enforcam os que não se curvam a essa fúria.
Estamos tão acostumados à violência em nosso próprio país que fechamos os olhos para o que acontece com nosso próximo. “Não vamos nos intrometer. Não é de nossa conta,” dizemos— seja em nosso Brasil onde morrem milhares todo ano, seja no Oriente Médio, na África, Somália ou Paquistão. Existe em nosso meio uma “fadiga da compaixão”, ou cansaço em condoer-se com quem sofre.
Em Filadelfia dos anos oitentas, tive amizade com Hugo Rosenau e esposa, judeus alemães, ele sobrevivente de Auschwitz, que se aproximou de mim por causa da língua portuguesa. Depois da libertação, Hugo e outros amigos, foram conduzidos ao Brasil, à Bahia, onde foram bem-recebidos e de onde tiveram condições de emigrar para os Estados Unidos. Disse ele que tinha uma dívida de gratidão aos brasileiros, e daí foi que começou nossa amizade: um velho beirando oitenta anos e, na casa dos quarenta, um pastor brasileiro e sua mulher. Ele tinha também tamanha gratidão aos Estados Unidos, onde ele refez sua vida, que anualmente fazia uma contribuição em dinheiro, além de pagar seus impostos, “para a nação que nos abrigou depois da guerra”. Hoje o presidente dessa nação vista anteriormente como cristã fica calado quanto  à perseguição dos cristãos da Síria, Iraque e Afganistão.  E a president(a) do nosso Brasil mostra claros sinais de apoio aos déspotas islamitas em detrimento dos cristãos que eles perseguem.
Num mundo onde mais de 1,6 bilhões de pessoas consideram-se muçulmanos, nós que cremos em Cristo estamos rapidamente perdendo espaço, e vemos a olho nu que o mundo jaz no maligno. Claro que nem todo islamita é mau, no sentido de maldade terrível e absoluta, assim como nem todo “judaico-cristão”  é bom – somos todos, todo mundo, decaídos, depravados e desprovidos da glória de Deus, e a não ser que nos convertamos, tão perdidos quanto Sadam Hussein ou Adolph Hitler (que já encontraram seu destino). .
Recentemente, compartilhei um comentário de Michael Horton dizendo que somos todos peregrinos perdoados, a caminho  da cidade construída por Deus. Somos forasteiros e nossa pátria não é aqui –tal entendimento faz com que seguremos as coisas da terra bem de leve, e fixemos os olhos naquilo que é eterno. Simultaneamente, amamos a terra em que vivemos, cuidando dela e sempre buscando cuidar de seus habitantes. Temos prazer em nossa condição de embaixadores de outro reino a que convidamos nossos iguais a participar. Vivemos em tensão ou equilíbrio entre nossa condição de redimidos já e agora, ao mesmo tempo que ainda não vimos o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Não somos chauvinistas nem xenofóbicos – amamos o próximo e o respeitamos como co-criado à imagem de Deus, queremos bem a terra em que vivemos, e sofremos com suas dores e desmazelas—mas nossa pátria não é aqui, e aguardamos uma habitação onde nosso visto de residente permanente nos transforma em amigos, filhos e herdeiros com Cristo. As nações mudam, e os povos ora opressores tornam-se oprimidos quando até mesmo suprimidos. Os cananeus que eram pedra nas sandálias dos judeus antigos já não existem. A babilônia que dominou o mundo conhecido por Daniel foi derrubada, e hoje a nação islâmica quer derrubar até suas antigas ruínas. O império romano não impera mais. As hordas de hunos, godos e visigodos continuam invadindo a civilização ocidental, e as civilizações orientais também foram arrasadas e transformadas pela modernidade e pós modernidade. Para muitos hoje, orgulho nacional é piada. Mas existe algo – Alguém – que não muda: o Deus Eterno, criador dos céus e das terras.
O profeta Isaías viveu sob os governos de quatro reis de Judá, dias conturbados que descreveu como hoje poderiam ser descritos os nossos dias:
Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões. Cada um deles ama  o suborno e corre atrás da recompensa. Não defendem o direito do órfão, e não chega perto deles a causa das viúvas.... Is 1.23
Ai desta nação pecaminosa, povo carregado de iniquidade, raça de malignos, filhos corruptores... Toda a cabeça está doente, e todo o coração enfermo. Desde a planta do pé até a cabeça não há nele coisa sã, senão feridas, contusões e chamas inflamadas, umas e outras não espremidas, nem atadas, nem amolecidas com óleo. A vossa terra está assolada, as vossas cidades consuidas pelo fogo... e a terra se acha devastada como numa subversão de estranhos, deixada como choça na vinha, como palhoça no pepinal, como cidade sitiada... quando multiplicais as vossas orações, não as ouço, porque as vossas mãos estão cheias de sangue. Is 1.4-7
Depois do terrível diagnóstico, o senhor faz um convite:
Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos, cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem: atendei à justiça, repreendei ao opressor, defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas... ainda que vossos pecado sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve... se quiserdes e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra... Is 1.16-18
A mAA maior ameaça para o reino de Judá do ano 724 não era a invasão Assíria, mas o pecado, a desobediência e falta de fé em Deus. Isaías viu seu povo sofrer a desgraça e humilhação do cativeiro, e garante que o Deus da história os trará de volta para que comecem vida nova e desempenhem sua missão de ser uma bênção para todas as nações da terra. Em meio as promessas de Emanuel e do retorno, Isaías mostra vislumbres do Rei Eterno que se esvaziaria, tornando-se servo até a morte -Is 53) para depois restaurar seu reino. Lembra os que voltam do cativeiro de viver a ética do Reino (“Mantende a justiça e fazei o juizo e fazer justiça, porque a minha salvação está prestes a vir”- Is 55.1). E a promessa final é apenas para Judá, nem só para os reinos dos tempos dos profetas, mas para todos: “Eis que crio novos céus e nova terra... vós folgareis e exultareis perpetuamente no que eu crio...” Is 65.19 “Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá...” Ap 21.3-4.
Elizabeth Gomes

 

 

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