sábado, outubro 11, 2014

MULHER VIRTUOSA EM UM MUNDO VIRTUAL


 
 
A MULHER DE PROVÉRBIOS 31
E OS DESAFIOS DA POSMODERNIDADE

 
 Ouvimos falar e estamos cercados de afirmativas e denúncias quanto à posmodernidadade, mas muita gente tem dificuldade para dizer exatamente o que é. Eu havia estudado a matéria do ponto de vista do cristianismo, no CPAJ, mas meu marido apontou-me um livro que esclareceu e provocou mais considerações sobre o assunto.  Peter Leithart, em Solomon among the Postmoderns, define posmodenidade como em conjunto surpreendente de mudanças culturais e políticas não relacionadas que marcaram as últimas décadas do seculo XX e a primeira década do século XXI”. Diz ele que o colapso da política bipolar da guerra fria, a globalização das transações, o estabelecimento de uma ditadura cultural política, a explosão do fundamentalismo islâmico, “a descoberta tardia do domínio do cristianismo no hemisfério sul, e a dissolução das barreiras denominacionais entre igrejas pós-reformadas”, a rápida disseminação de tecnologias de informação; a imposição de propaganda, entretenimento e cultura pop como sendo a cultura, novas tendências na imigração e urbanização, as mudanças a elas relacionadas, tais como se referem os teóricos “sobre conhecimento e linguagem, o EU (self) e o poder...”

Minimizamos essas mudanças porque em todos os momentos da história sempre houve mudança, e quase sempre é possível encontrar algum precedente para o presente no passado. A posmodernidade é Babel, uma confusão de línguas que segue inevitavelmente a tentativa da  modernidade de construir uma torre universal que eleve ao céu. Na babel posmoderna, estamos sempre nos chocando com estranhos que não falam nossa língua, não partilham nossa história ou cultura. A maioria das mensagens que recebemos implica esforços tanto para comunicar informação quanto para excitar, empolgar, e reduzir a felicidade a um ramo da indústria de diversão. Tudo é anônimo, tudo é manipulação, e todos os esforços egoístas nos tornam para uma direção qualquer.  Temos a aspiração de manter o controle, vencendo o tempo com imagens supervelozes vencer – quando, gnosticamente, não o negamos. Lidamos com bens “soft” de software, valorizamos bens culturais e serviços, shows onde limites são contestados e/ou ignorados e, ao transpor e aniquilar todas as barreiras, encontramo-nos sem chão em que firmar, sem limites que nos protejam, em um não lugar em que tudo é relativo e nada é real. Ao mesmo tempo, exageramos as mudanças porque estamos falando de nossa vida, e queremos que isso seja importante ou tenha significado. Precisamos de algum equilíbrio histórico: embora sempre estejamos vivendo “tempos de transição,” alguns tempos são, na verdade, de maior transição que outros. Parece que estamos em um desses tempos.

A pósmodernidade é a vingança do vapor, o reconhecimento do fracasso da modernidade que abraça a fragmentação e dissolução da política, da linguagem, da vida, e do próprio ser. É um nó de incrementos culturais, filosóficos e sociais, surgidos de intensificações, inversões, desmascaramentos da modernidade, que desafiam, duvidam e rejeitam a trindade moderna de controle, libertação e progresso, tentando “esculpir” neblina mutável do mundo.

Escrito quase mil anos antes da era cristã, o livro de Eclesiastes descreve bem esses conceitos da posmodernidade. Isso não surpreenderia a Salomão, que veria nosso senso de desorientação e frustrada falta de controle, não como o “fim da realidade”, mas um despertamento para a realidade como ela sempre foi. Seu tema poderia ser chamado “A insustentável leveza do ser”—titulo de uma obra de autor posmoderno atual—mas Eclesiastes 1.1-3 e 12.8 falam da  vaidade (hebel) como “vapor” e “sopro” (ver Pv 21.6; Sl 39.4-11; Jó 7.16). É a efemeridade da existência humana. No Novo Testamento, Tiago afirma: “Vós não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois, apenas, como neblina que aparece por instante e logo se dissipa” (Tg 4.14)

Voemos até Provérbios 31.10-31 (também compilado por Salomão). O Koheleth, o rei-pensador mais sábio sobre a face da terra, deixou-se perder pela idolatria de suas múltiplas mulheres. Quando escreveu o acróstico da mulher virtuosa, em que cada versículo segue a ordem do alefbeit hebraico, ele fala do padrão de força, diligência, organização e compaixão de uma mulher singular, a mulher segundo o coração de Deus, que teme ao Senhor, e por isso será louvada. Isso foi dito também com respeito a Rute (3.11): “Meu povo sabe que és virtuosa”. E Provérbios 12.4 afirma que a mulher virtuosa é coroa do marido. Aqui, não temos tempo de fazer estudo detalhado das características da mulher excelente, mas ressalto que ela é louvada pelo que é, pelo que faz, e que permanece em um mundo onde tudo é mutante e desvanecente. Ela teme ao Senhor—portanto, não tem nada a temer dos homens (ou de outras mulheres).

A mulher geradora, provocadora e proporcionadora de relacionamentos no macro e no microcosmo em que está inserida, perdeu, com a Queda cataclísmica, o jardim, o relacionamento consigo mesma, com o próximo, e com Deus. Tem em sua tessitura forte fibra, flexível espinha dorsal, entretecida de existência efêmera, leve e transitória. Para não se caracterizar pelo que é virtual, descrito como “redes e laços, cujas mãos são grilhões” (Ec 7.26), ela tem de se revestir de virtude eterna (cf. 1Pe 1.3-5; Fp 4.8), lembrando sempre que tem este tesouro “em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós” (2Co 4.7).

Como viver de maneira virtuosa em um mundo virtual? Para uma resposta sábia, os cristãos precisam examinar com mais cuidado o que realmente está acontecendo ao redor. Precisamos de conhecimento, discernimento e firme resistência. Foi essa a oração do compilador dos livros de sabedoria: “Dá, pois, ao teu servo coração compreensivo para julgar a teu povo”. Pedro escreveu a crentes que foram expulsos de seus lares, e eram forasteiros em um mundo em transição, espalhados por toda a terra, entristecidos por diversas provações. Lembrou-lhes as palavras de Isaías sobre essa condição passageira: “Seca-se a erva, e cai a sua flor, a palavra do Senhor, porém, permanece eternamente” (Is 40.6-9; 1Pe 1.23-25). E em sua segunda epístola, ele diz que pelo poder de Deus todas as coisas que conduzem à vida e à piedade nos foram doadas pelo pleno conhecimento daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude (2Pe 1.3-10). Em um mundo virtual, eu quero a realidade da virtude que nos torna coparticipantes da natureza divina!
 
Elizabeth Gomes

3 comentários:

Eliana Pires. disse...

Uma brisa suave o texto
Aquietamos diante de tantas teorias sobre tudo. Incentiva a ler mais a binlia.

maria isabel corcete dutra disse...

Que texto rico: em poucos parágrafos, conteúdo para muita reflexão. Obrigada mais uma vez.

Anônimo disse...

Olá Beth, que bom ler uma reflexão como esta. Obrigado por colaborar com a "demitologização" da mulher virtuosa na cultura brasileira. Bom trabalho.