sexta-feira, dezembro 07, 2012

ESTRANGEIROS, PEREGRINOS, EMBAIXADORES, CIDADÃOS

Nascer do sol em O Refúgio
Você já odiou, desprezou ou zombou de algum estrangeiro? Quando menina, eu tinha o duvidoso status de estrangeira – onde quer que estivesse! No interior de Minas Gerais e depois Goiânia, filha de missionários norte-americanos, cabelo quase branco de milho novo e olhos azuis, tudo dizia que eu não era de lá. Mesmo que tentasse apresentar sotaque e costumes brasileiros, eu era gringa, alemoa, imperialista americana e “da estranja”. Quando, após cada cinco anos em nossa terra adotiva (como papai chamava o Brasil), íamos aos Estados Unidos para as “férias missionárias”, para renovar os contatos com as igrejas mantenedoras, pessoas também me diziam: “Até que você fala bem o inglês para uma brasileira” – quando não perguntavam a minha mãe: “Os nativos do Brasil usam saiotes de capim ou andam nus?” ou exclamavam para meu pai: “Brasil, eh! Então o senhor deve falar muito bem o Espanhol”! Tempos mais tarde, algumas pessoas se instruíram um pouco e indagavam sobre a nova capital do Brasil e as belezas do Rio de Janeiro, do futebol e do carnaval. Havia desentendidos, mal entendidos e entendimentos errôneos em profusão.

Eu mesma não sabia a que pátria pertencia. Pela manhã tinha aulas do curso de língua e cultura inglesa, por correspondência sob a tutela de minha mãe, e ainda atendia a escola brasileira (Ipê, Doze de Agosto e depois Colégio Batista Americano) no resto do dia. Aprendi o “Pledge Allegiance to the Flag” dos USA e cantava “Ouviram do Ipiranga” de mão no peito no hasteamento da bandeira na escola brasileira – sentindo-me cidadã dos dois países. No entanto, nunca fui naturalizada brasileira e tenho um sentimento dúbio quanto à situação de jamais ter votado em eleições no país que escolhi viver. Nos Estados Unidos, só votei uma vez na vida, quando calhei de me encontrar lá em época de eleição presidencial (e já estou na casa dos velhos sessentas)!

Era ainda bem novinha, recém-alfabetizada, quando aprendi o hino: “Sou forasteiro aqui, em terra estranha estou,/ Celeste Pátria sim, é para onde vou. / Embaixador por Deus do Reino lá dos céus,/ Venho em serviço do meu Rei!”[1] Isso amenizou o sentimento de sempre ser estrangeira – saber que minha identidade nacional não é daqui ou dali -- e sim de embaixatriz do Reino de  Deus, o que é incomparavelmente melhor e mais importante. Mas em termos terrenos – afinal, não éramos alienígenas nem estávamos alienados das ocorrências na terra em que Deus nos colocou – sempre olhei com simpatia para os que vinham de fora ou eram “diferentes do povo em geral”.

Encontrei respaldo na Bíblia para a valorização do estrangeiro e peregrino, e na cultura evangélica, muitas referências a essa peregrinação, do Brilho Celeste até Da linda Pátria estou mi longe. Toda a história do povo de Deus era ligada ao fato de “não ser daqui” ou de “ser de lá”, e as leis dadas aos judeus ressaltavam a necessidade de tratar bem ao estrangeiro “pois estrangeiros fostes na terra do Egito” (Lv 19.34) e a realidade é que “Sou forasteiro à tua presença. peregrino como todos os meus pais o foram (Lv 25.23-24; Sl 39.12) – seja qual for minha origem étnica! Tratar mal ao estrangeiro era idêntico a maltratar o órfão e a viúva! (Dt 24.17- 21). Quando Jeremias repreendeu o povo de Judá por perverter a justiça e o juízo, ele disse, pelo Senhor: “livrai o oprimido das mãos do opressor; não oprimais ao estrangeiro, nem ao órfão, nem à viúva; não façais violência, nem derrameis sangue inocente neste lugar” (Jr 22.3).

O Novo Testamento expande a visão do estrangeiro, valorizando a cidadania verdadeira da qual fazemos e somos parte: “embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus” (2Coríntios 5.20). Paulo ainda pede que Deus lhe dê ousadia para falar por ser ele “embaixador em cadeias” (Ef 6.20). Outrora rude pescador, o apóstolo Pedro faz um sensível apelo a uma vida cristã exemplar em razão de nossa condição de peregrinos e forasteiros:

Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma, mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação. Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem. Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos; como livres que sois, não usando, todavia, a liberdade por pretexto da malícia, mas vivendo como servos de Deus. (1Pedro 2.11-16)

A razão principal de um comportamento digno para com todos, porém, é que todos os cristãos “já não são estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus” (Ef 2.19). Em Jesus Cristo, pessoas de todas as tribos, povos e raças virão louvar juntos ao Senhor do Universo – e não haverá mais barreira de língua, cultura, etnia – seremos participantes da “grande multidão que ninguém pode enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas” que se encontram em pé diante do trono e diante do Cordeiro (Ap 7.9). Será uma Internacionale autêntica, singular e única, que inclui a todo ser humano!

 Quando adolescente, eu me correspondia com pessoas de muitos países – Gana, Camarões, Israel, Malásia, Estados Unidos, Suécia – e boa parte da minha mesada era gasta em selos, e meu tempo em escrever para meus pen pals. Hoje ainda tenho amigos de todas as partes, embora os meios de comunicação sejam outros e os comunicadores vão desde missionários, pastores e pensadores até questionadores sinceros, hereges incertos, e debatedores intransigentes. Continuo no ministério santo de servir ao Senhor do Universo e a seu povo por todo o mundo – escrava e embaixatriz, singularmente estrangeira e forasteira, participante de um povo separado, unido em um só Rebanho pelo sangue de Jesus Cristo.

Elizabeth Gomes



[1] Hinário Novo Cântico # 288

3 comentários:

Anônimo disse...

O blog "O Refúgio" não poderia ter outro nome tão sugestivo! tem sido para mim muito agradável reservar um tempo da minha vida, e em meio a tantas atividades e correrias desta vida eu aqui encontro verdades em palavras, de demostração de amor de vidas ofertadas ao Supremo Pastor Jesus Cristo. Este Refúgio para mim foi providenciado por Deus, sem muitas explicações, mas quando eu corro aqui posso ver e sentir o amor de Deus. Mrs Elizabeth já fui estranho por outras terras, por isso acho que posso entender o coração do imigrante! Na Inglaterra por quase dois anos aprendi muito! Por isso admiro os e respeito e quando tenho oportunidade dou boas vindas aos estrangeiros. Atualmente Deus me presenteou com uma família de alunos Húngaros, como me sinto grato por ser amado por eles! e testemunhar que sirvo um Deus vivo! que Deus me ajude a traze-los aos pés de Cristo. Portanto a "ninguem" devais coisa alguma a não ser o amor!

ledslane & Wagner disse...

Muito verdade Beth, e assim que me sinto. Li seu texto com lagrimas nos olhos. O meu consolo por nao ser brasileira e nem americana, ou os dois, e que o Senhor me traz a memoria de que nao me sinto parte de nenhuma das duas nacoes, e por que sou estrangeira nas duas. Minha cidanania e do ceu!!!
obrigada pelas sabias palavras!

Natércia de Freitas Lemos disse...

Ainda bem que a cidadania celestial ninguém nos tira, e lá, certamente só a bandeira única do Leão de Judá será hasteada. Sentir-se estrangeiro aqui, além de ser consolo é também esperançoso pois coloca nosso olhar no foco certo: eternidade. Deus a abençoe Dª Beth. Gosto muito dos seus escritos. Beijos.