terça-feira, março 12, 2013

IRMÃOS NA FÉ



Comecei a procurar amigos nas redes sociais como instrumento para conhecer meu próximo, compartilhar ideias e conectar-me a um mundo mais amplo; onde pudesse comunicar aquilo que está no coração e pensamento de uma mulher cristã que deseja a evangelização e edificação do Corpo de Cristo.

Conhecendo o próximo

Descobri velhos e novos amigos. Procurei principalmente amigas com as quais compartilho os mesmos ideais. Muitas delas vieram por meio de seus cônjuges ou pastores, e passei a comunicar também com formadores de opinião. Simples mulher cristã, que procura pensar e agir biblicamente, tenho de ter opiniões formadas, desenvolvendo a mente após a mente de Cristo (Rm 12.2; 1Co 2.16; 1Co 14.15; Fp 4.7).

Ser professora – quer de inglês ou de escola dominical quer da APEC quer de Bíblia quer de teologia filosófica – é apenas o cumprimento de minha missão no do Corpo de Cristo, praticando o dom que Deus dá. Hoje, não exerço nenhum magistério, mas sou desafiada a postar marcos e escrever para quem quiser ler – assim, escrevo. É certo que o contexto histórico e profético do versículo que compartilho adiante é do povo de Israel no final do século sétimo e parte do sexto, durante o reinado de Josias e até pouco antes da tomada de Jerusalém por Nabucodonozor – mas vejo uma aplicação para minha vida e para a vida de muitos irmãos: “Põe-te marcos, finca postes que te guiem, presta atenção na vereda, no caminho por onde passaste; regressa, ó virgem de Israel, regressa às tuas cidades.” (Jr 31.21).

Descobri que muitos “próximos” não partilham e até debocham de ideias que ainda me são caras. Eu também não concordo com muitos escritos de amigos. Lembro-me de um irmão que abençoara muita gente, empresário cristão, exclamando num encontro de casais: “Eu não admito esses puritanos que se julgam melhores do que outros!” – sem saber que meu marido e eu tínhamos bom contato com o puritanismo. Ou do jovem pastor que, apresentado a outro pastor antigo da igreja batista, exclamou: “Ainda bem que é batista e não pentecostal!” – e esse pastor era dentre os fundadores da igreja batista pentecostal da cidade. Muitas vezes, Wadislau foi convidado para pregar em congressos e congregações de igrejas de forte tendência arminiana (Batista Livre, Metodista Wesleyana, Prebiteriana Renovada, por exemplo), embora, se olharem o seu currículo, verão que ele é pastor de convicção calvinista há mais de quarenta anos. E muitos de nossos amigos calvinistas fazem forte oposição ao pré-milenismo, embora nós sejamos convictos do pré-milenismo histórico (como foram Charles Spurgeon, James Boice e Francis Schaeffer, entre outros grandes homens de Deus). Estudamos em uma escola de visão dispensacionalista, e estamos cercados de pastores amigos que têm visão amilenista. Fico lembrando a discussão na igreja de Corinto: “Eu sou de Paulo, eu sou de Pedro, eu sou de Apolo” (1Co 1.12-15; 1Co 3.4).

Além de irmãos que partilham da mesma fé tendo diferenças doutrinárias, temos alguns amigos que abandonaram a fé em que continuamos firmes. Alguns amigos têm hábitos diferentes dos meus (tenho amiga querida que ama dançar tango e outra que fala em línguas – hábitos que não tenho!) ou visão política divergente, (tenho amigos pacifistas e outros “guerreiros”) mesmo que tenham a mesma fé que a minha. Alguns acrescentaram “outro evangelho”, outros descartaram fundamentos da fé como o nascimento virginal de Cristo, ressurreição e juízo eterno. Outros são claramente hereges devido a desvios comportamentais: adulteraram a Palavra de Deus porque houve infidelidade conjugal ou “assumiram sair do armário” e deixaram a igreja ou fundaram outra mais inclusivista. Mesmo com esses, permaneço amiga, não me julgando superior a eles, embora não cooperadora, desejosa de que voltem ao rebanho de Deus, como desejo aos amigos não convertidos que conheçam a Jesus e recebam-no como Salvador e Senhor da vida.

Eu não assino embaixo de tudo que dizem meus amigos. Só os rejeito quando, “dizendo ser irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais” (1Co 5.11) – não por considerar-me melhor, pois “tais fostes alguns de vós, mas vós vos lavastes...” (1Co 6.9-12) mas porque quero que nossa comunicação glorifique a Deus de modo prático.

Comunicando graça

Há amigos que comunicam graça mediante sua arte (as postagens de amigos músicos e artistas poéticos ou plásticos que enobrecem a vida) ou humor sadio (são engraçados e enchem a vida de bom humor). De vez em quando um amigo ranzinza só comunica desgraça e descrença – por esses tenho de orar e, se suas comunicações continuarem nesse tom, excluir do convívio. Isso não quer dizer que a comunicação seja sempre poliânica (lembre a história de Poliana que via beleza e alegria em tudo? Isso não é bíblico!); porém ela deverá ser graciosa, na graça e paz do Senhor Jesus. Amo o “Mas Deus...” de Efésios 2.4-1 que descreve a graça em que desejo me firmar e compartilhar ao próximo. Que qualquer comunicação que fizermos – seja a viva voz, por escrito, ensino ou simplesmente sendo em essência aquilo que somos – seja na graça e paz do senhor Jesus, que nos reconciliou na cruz, dando-nos acesso ao Pai pelo Espírito (Ef 2.14-19).

A promessa de Deus feita por Jeremias (31.33) fala da lei do Senhor impressa na mente, inscrita no coração de seu povo e é reiterada em Hebreus 8.10-11: “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. E não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior”. A promessa é que todos os irmãos, desde o menor até o maior, conhecerão a Deus.

Elizabeth Gomes

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

ONDE VOCÊ MORA?


Postei uma foto da nossa casa e uma pessoa que já nos visitou diversas vezes comentou: “Que lindo! Onde fica?” Realmente, a perspectiva era a de uma daquelas fotos incríveis do internacional Partage d’Images ou outra fonte, dessas que a gente não consegue deixar de “curtir”. De fato, uma foto caseira tirada por um hóspede, Felipe Sabino, numa manhã ensolarada, quando ele ia pelo caminho de pedras, às vezes escorregadias, que liga a casa ao escritório, cem metros pra lá. Havíamos posto na capa do “facebook” outra foto do mesmo local, tirada alguns meses atrás, quando as bougainvillas em flor coloriam o cenário. Nossa casa nada tem de extraordinária: pequena, avarandada, dois quartos, uma sala de jantar, de estar e cozinha conjugadas, dois banheiros e um closet. Modesta, simples, fácil de cuidar – própria para um casal de pastor e esposa prá lá dos sessenta que compartilha desde a juventude o gosto por estudar, escrever e ensinar.


Lembrei da pergunta de uma criança de três anos: Onde cê mora? – e da dos discípulos de João, quando conheceram e seguiram a Jesus depois de ele ser identificado como Cordeiro de Deus: Onde assistes? (Onde residesJo 1.38?). Estes, que se tornaram seus discípulos, constataram onde Jesus morava, apesar de ele ter afirmado que As raposas têm seus covis, e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça (Mt 8.20; Lc 9.58).

E eu, que sempre sonhei com uma casa no campo e que havia morado em vinte e três casas diferentes antes de me casar, aos dezoito anos (isso já faz um bom tempo...), e mais algumas sem conta nos anos de estudo, ministério/trabalho em Belo Horizonte, São Paulo, Jaú, Bocaina, Brasília, Estados Unidos,  em Brasília novamente, primeiro num apartamento e, depois, numa chácara, antes de mudar para o sítio em Mogi das Cruzes...


A propósito, quando estudantes (Wadislau e os três filhos) nos Estados Unidos, sem condições de pagar aluguel de um apartamento, Deus nos colocou numa mansão incrível nos subúrbios de Filadélfia, num parque com faisão dourado cantando debaixo de nossa janela e gansos canadenses no lago no coração do jardim, 


Hoje, moramos onde cantam sabiás, joão-de-barros, pintassilgos, e onde tucanos bicudos e escuros jacus de papo vermelho enfeitam e bicam as primícias das goiabas e jaboticabas, e pica-paus martelam o vidro do escritório exatamente quando nos pomos a trabalhar ao computador. Certa vez, um beijaflor se aproximou de mim, deixando o simples e costumeiro tufo de dálias monocromáticas para averiguar a minha blusa de estampas multifloridas. É certo que tenho de cuidar onde piso, pois a natureza traz surpresas e nem todas são agradáveis ao olfato: cachorros e sapos têm a digestão profusa e biologicamente sadia. Mas não me importo com o cocozinho dos passarinhos que entram em casa para ciscar possíveis migalhas no chão se ainda não varri. Aliás, onde eu moro moram outros habitantes de tamanho mais humildes: formigas pequeninas, aranhas enormes (às vezes do tamanho de formigas!), de vez em quando uma fera maior que vem beber água no lago. Tem uma lagartixa que compartilha meu escritório e dá sua cara pelo menos uma vez por dia no canto entre a Fides Reformata, os dicionários e a cortina.


Tenho de admitir que minha casa não é um exemplo de limpeza – não passaria jamais o teste da luva branca, pois poeira é profusa, não só de pó de terra, como também de pólen e pó de serra, e às vezes, cinzas das queimadas de vizinhos incautos. Já tivemos de correr e pular fininho para proteger nosso lar da insensatez de quem ainda acha que o jeito mais fácil de carpir é botar fogo na mata! Nosso lar é tudo que sonhamos, mas dá trabalho! Descobri que não sou hábil em fazer faxina, lavar e passar, em organizar e arrumar casa ou arredores – carpir, arcar-me ao chão para plantar – só consigo por meia hora antes que as costas gritem por socorro. Colher já é mais fácil. Falo de boca cheia: colhi esse feijão verde uma hora atrás; aquela abóbora tava pedindo para vir pro cozido; essa jaboticaba não era geléia há duas horas: tava salpicando os pés de fruta. A castanha portuguesa custa mais de vinte reais o quilo no mercado – a de nosso pomar custa enfrentar os espinhos para colher essa fartura – como foram as cerejas e os pêssegos (e sem espinhos!) no natal passado.


Onde moramos? No lugar que Deus nos colocou, onde ainda não conseguimos construir tudo, reformar ou pintar a gosto, onde “não deu tempo” para fazer tudo o que queremos.. Onde estamos? Numa casa no campo, com bons livros para ler, nosso amor a se renovar, bons amigos para nos visitar, música ao fundo quando não conseguimos mais soltar a voz, mente prenhe de idéias das quais não conseguimos concatenar quanto mais escrever nem uma fração, rede a balangar, prosa boa, horas de gratidão e boa indagação com Deus.


O mais importante numa casa não é o quanto ela é bem projetada, bem decorada, bem visitada – é quem mora nela. Lau e eu temos inúmeros defeitos de fabricação e de percurso (não pela “fabricação” que Deus fez de maneira assombrosamente maravilhosa, mas por sermos gente: decaída, confusa, comum). Temos memória falha, mas Deus traz à memória aquilo que nos traz esperança: Grande é sua fidelidade (Lm 3.23). Temos como vizinhos mais próximos filhos, noras e netos.


Compartilhamos com o apóstolo Paulo uma meta: “esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp. 3. 13,14). Num sentido, continuamos ainda de mudança contínua. Conhecendo e prosseguindo em conhecer Jesus. Em outro, permanecemos seguros na habitação que Deus nos deu – não apenas a casa no campo, mas a presença de quem mora conosco. Pois ele, Jesus Cristo, Senhor da Vida, veio habitar entre nós. Nós habitamos nele (Sl 91.1) e ele habitará para sempre conosco, seu povo (Ap 21.3).


E você, onde mora? Espero que sua casa, apartamento, mansão, kichenete, choupana, taba ou rancho seja daquelas cujos habitantes dão ouvidos ao Senhor e, portanto, habitam seguros (Pv 1.33: Mas o que me der ouvidos habitará seguro, tranqüilo e sem temor do mal). Em gratidão, teremos sempre habitação com quem habita ricamente em nós – e provar as belezas da sua morada!


 Elizabeth Gomes

sexta-feira, janeiro 04, 2013

CAFÉ COM TEOLOGIA

 
 
Alguns rojões antes da passagem, tomei uma resolução: nos primeiros clarões da manhã do ano da graça do Senhor Jesus de 2013, degustaria um cafezinho de verdade; um “Sumatra” que ganhei do Márcio Conte, no dia de Natal. Dito e feito. O pacote abriu aroma, os grãos chacoalharam no moedor, a água resolveu no ebulidor, e os sentimentos gratos todos acharam caminho para a alma. Foi assim que, depois do “em nome de Jesus, amém”, quando a xícara grande (que café pequeno é coisa pouca) ainda prometia gosto, eu sorvi estas palavras da Bíblia: Graças, porém, a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento. Porque nós somos para com Deus o bom perfume de Cristo, tanto nos que são salvos como nos que se perdem (2Coríntios 2.14-15).
 
Gosto do cheiro bom de café com teologia. Os dois combinam bem porque, de fato, são coisas do dia a dia, de cada minuto do dia. O que não me cheira bem é essa infusão da fé “tradicional” ou “extra forte” em água fervida ao exagero e sabendo a gosto de palha. De fato, uma boa teologia não é feita de um blend de grãos doutrinários com toque tradicional. Antes, é feita de frutos nobres, maduros, aprovados ao tempo e ao sol da sabedoria de Deus, torrado e moído na obediência à Palavra.
 
Claro que há mérito no trato técnico do café. A escolha do tipo, a seleção dos grãos, a secagem, a moagem, a frescura, a água na temperatura certa, as proporções, tudo conta. E para que saibamos de tudo isso, há diferentes pessoas que estudam os aspectos botânicos, procedimentais e culinários do coffea Rubiaceae. É mesmo bonito ver um provador em ação, lavando a boca, degustando os mais variados tipos – e cuspindo de lado o ouro preto. Mas daí a fazer o mesmo com a teologia já é um despropósito.
 
O objetivo final da prova do café não é um de cuspir. Do mesmo modo, o propósito final da teologia não é um de citar informações. Certamente há mérito no exercício da reflexão teológica, mas como base para o aprimoramento da vida de união com Deus e com seu povo para o bom desempenho do seu serviço. Deus mesmo nos revela o que devemos saber sobre a teologia, do cultivo à degustação, quando, por meio de mandamentos e promessas proposicionais, de estilos literários, de parábolas e figuras de linguagem, diz-nos que a planta conhecida como graça é cultivada por meio de semeadura da Palavra no solo do coração especialmente preparado com o concurso da fé operada pelo Espírito.

Nesse sentido, graça e fé devem ser sabidas como uma experiência única de encontro com Deus e seu propósito de espelhar sua glória por meio do corpo de Cristo. Assim, para que experimentássemos sua vontade – boa perfeita e agradável – ele estabeleceu na igreja pessoas espiritualmente dotadas: evangelistas, pregadores e pastores mestres, os quais se especializam em diferentes aspectos técnicos do estudo do plantio e frutificação da Palavra. Todos nós, como eles, sacerdotes de Cristo, recebemos os benefícios dos diversos ministérios, mas não por meio de repetir e discutir as minúcias dos seus estudos analíticos.
 
A facilidade do “café com teologia” provida pela comunicação na internet, muitas vezes, traz as mesmas dificuldades do “telefone sem fio” de outros tempos. Lembra-se? Uma frase era dita ao ouvido e repassada a outro e, no final, o dito “café com teologia” virava “a fé da sua tia”. Na confusão, um diz que é de Van Til, outro de Frame, outro de Cristo; um diz que é pressuposicional, outro evidencialista e outro ainda, evidentemente pressuposicional; alguém é reformado, outro é original e, outro, bíblico. E por aí vai que, discutindo opiniões, perdemos o propósito do café com teologia.
 
Se nós entendermos um pouco dessas especialidades e seus processos, poderemos compreender a suma do seu propósito.
 
Veja isso: Bíblia, teologia e apologética não são termos de preferência exclusiva – (1) a Bíblia é a planta a ser cultivada mediante súplice leitura para obediência; (2) a teologia bíblica classifica suas proposições por meio de honesta exegese; e (3) a teologia sistemática processa o material final através de boa hermenêutica para aplicação de toda a verdade à totalidade da vida. Não temos, aí, partes isoladas, especialidades de alguns e para alguns; antes é uma totalidade abrangente para o crescimento de todos os ramos da Videira que é Cristo.
Veja mais: pressuposição e evidência também não são termos opostos a não ser quando tratados como termos de uma mesma categoria, cada qual pretendendo estabelecer uma referência universal. No caso, o pressuposicionalismo é de uma categoria transcendental e, o evidencialismo, de uma categoria imanente.
 
E ainda: ser bíblico, reformado e original são termos descritivos de aspectos de uma mesma posição em Cristo.
 
Acertados alguns pontos dialéticos, nosso café com teologia poderia ser um de grande valia, mormente guardada a finalidade dos batepapos, isto é, a verdade em amor. É sempre bom conhecer e prosseguir em conhecer o Senhor e sua Palavra, sabendo que a mera repetição da lei produz carnalidade, mas a experiência do verdadeiro conhecimento produz caráter cristão. Uma vida de obediência a Deus requer que a verdade seja dita sempre e que o amor seja sempre demonstrado. Verdade em amor. Sempre. Até mesmo quando o amor tiver de dizer palavras duras. A Bíblia se presta a instruir para discernimento do bem e do mal, a testar a convicção de fé quanto ao pecado e à santidade, a corrigir e reorientar a vida em obediência a Cristo, e a cultivar as virtudes espirituais que se manifestam nos atos do corpo (2Tm 3.16). Nesse mister, ela jamais deixa de assegurar esperança ao penitente e jamais esconde a denúncia do pecado na vida do impenitente. Paulo nominou aqueles que lhe tinham acarretado males por causa da apostasia a que se entregaram. Obediente, Calvino confrontou nominalmente os opositores da fé. E nós temos a recomendação: prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina (2Tm 4.2). Contudo, esse não é o foro do “café com teologia”, mas, sim, o lugar do treinamento para a batalha e da defesa da fé.

O lugar do café com teologia é mais sabático, aconchegante, estimulando mais as entranhadas afeições do que estranhados desafetos. Quem aprecia, sabe que fragrância, corpo, riqueza, suavidade e acidez são elementos essenciais de um bom cafezinho. E quem gosta de café com teologia entende bem o que a Palavra diz: A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para saberdes como deveis responder a cada um (Cl 4.6). Acolhei ao que é débil na fé, não, porém, para discutir opiniões (Rm 14.1). Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente (Rm 14.5) e Todos, pois, que somos perfeitos, tenhamos este sentimento; e, se, porventura, pensais doutro modo, também isto Deus vos esclarecerá (Fp 3:15).
 
Wadislau Martins Gomes

PASTORES, SACERDOTES E SANTOS


O comentário de minha amiga, expressando o desejo de conhecer mais santos, homens como São João de Compostela ou Santo Agostinho, – “gente de comprovada santidade e caráter ilibado em lugar dos padres e pastores atuais” –, não é apenas o anseio de uma moça católica romana (ela) nem de uma senhora protestante reformada (eu).

Pastorado santo.
Tenho observado análises semelhantes feitas por diversos amigos pastores e por “simples ovelhas” como eu – que anseio por santidade ante a realidade de um mundo corrompido. Frente à corrupção na igreja, que se estende também aos líderes de todas as colorações, temos de nos voltar ao que o profeta Jeremias comentou, quase seiscentos anos antes do nascimento de Cristo: Porque os pastores se tornaram estúpidos e não buscaram ao Senhor; por isso, não prosperaram, e todos os seus rebanhos se acham dispersos (Jr 10.21); e analisado pelo seu contemporâneo Isaías: seus atalaias são cegos, nada sabem; todos são cães mudos, não podem ladrar; sonhadores preguiçosos, gostam de dormir. Tais cães são gulosos, nunca se fartam; são pastores que nada compreendem, e todos se tornam para o seu caminho, cada um para a sua ganância, todos sem exceção. Vinde, dizem eles, trarei vinho, e nos encharcaremos de bebida forte; o dia de amanhã será como este e ainda maior e mais famoso (Is 56.10-12).

Sou grata a Deus por conhecer e participar da vida de pastores honestos que amam ao Deus da Palavra e pensam segundo seus pensamentos – e creio que esses homens têm o grato privilégio de contribuir para mudar a face da vida evangélica no Brasil (pela graça de Deus, começando na minha própria família). Quando comecei a entrar no facebook, procurei fazer amigos entre pastores e líderes cristãos, visando conhecer melhor o que acontece em nosso país e ver as diferenças que ocorrem quando assumimos uma face autêntica, mais cristocêntrica. Acessei também sites de artistas de variadas naipes para constatar o que eles falam (compoem, cantam, poetam, produzem) sobre as condições do evangelho brasileiro atual.

Alguns que se manifestaram meus “amigos” já não estão no pastorado, ou assumiram suas heresias como se fossem suas verdades particulares (e constato que em vez de distribuir pão da vida, estão expondo sujeiras e vergonhas próprias). Mas em sua maioria, os pastores amigos que conheço ainda têm a Bíblia como regra de fé e prática e não se envergonham do evangelho explícito do poder e sabedoria de Deus.

No entanto, muitos dos que assumem um cristianismo autêntico, comprometidos de pensamento e vida com a Escritura e com o Deus Trino, não demonstram uma fé reformada que nos reforma sempre segundo a Palavra de Deus no amor de Jesus Cristo e no poder do Espírito Santo. Agarram-se a “pedaços” desse evangelho, migalhas – palavra, amor, poder, visão – e, fracionando-o, dilaceram a verdade e tornam-na em convenientes mentiras posmodernas. Porque os pastores se tornaram estúpidos e não buscaram ao SENHOR; por isso, não prosperaram, e todos os seus rebanhos se acham dispersos (Jr 10.21).

A invectiva de Jeremias diante de Jeconias antes da dispersão para o cativeiro babilônico se aplica igualmente aos profetas hodiernos diante da vida a nosso redor: Ai dos pastores que destroem e dispersam as ovelhas do meu pasto! – diz o Senhor. Portanto, assim diz o Senhor, o Deus de Israel, contra os pastores que apascentam o meu povo: Vós dispersastes as minhas ovelhas, e as afugentastes, e delas não cuidastes; mas eu cuidarei em vos castigar a maldade das vossas ações, diz o Senhor. Eu mesmo recolherei o restante das minhas ovelhas, de todas as terras para onde as tiver afugentado, e as farei voltar aos seus apriscos; serão fecundas e se multiplicarão. Levantarei sobre elas pastores que as apascentem, e elas jamais temerão, nem se espantarão; nem uma delas faltará, diz o Senhor (Jr 23.1-4). Convertei-vos, ó filhos rebeldes, diz o Senhor; porque eu sou o vosso esposo e vos tomarei, um de cada cidade e dois de cada família, e vos levarei a Sião. Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência (Jr 3.14-15). O relacionamento com o Supremo Pastor do Israel de Deus é familial: somos filhos rebeldes, mas nos tornamos seu cônjuge – ele é nosso esposo; é cordial: darei pastores segundo o meu coração; é de ação constante “com conhecimento e com inteligência”.

Quando Jesus percorria as cidades e povoados da Judéia, comoveu-se por ver seu povo como ovelhas sem pastor (Mt 9.36; Mc 6.34) e ainda usou uma metáfora mais “de fundo de quintal”: Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! (Mt 23.37; Lc 13.34). Rebanho ou pintainhos também são desgarrados e não querem se aninhar sob suas asas! E isso leva ao segundo anseio:

Um povo santo.

Agora chegamos ao ponto central de contraste entre o catolicismo romano e o cristianismo bíblico. Pelos próprios escritos de São Pedro, concluímos que aquele que é crente em Jesus Cristo como Salvador e Senhor de sua vida é um sacerdote. Não temos um sacerdócio como casta separada de apenas clero escolhido – todo crente é sacerdote! Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia (1Pd 2.9). Não precisamos de algum santo que reze por nós para alcançar, mediante méritos seus, uma graça desejada. Nós somos santos e temos livre acesso ao Pai (Ef 2.18; Rm 5.2). Gente comum, como eu e você, “tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel” (Hb 10.19-23). Deliciosa audácia – o véu que separava o povo do sacerdócio foi rasgado com a morte de Jesus Cristo, e ele mesmo é o caminho – não precisamos outro mediador (1Tm 2.5; Hb 12.24). E quanto à graça, ela é redundantemente graciosa, de graça: porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nela (Ef 2.8-10).

Na certeza de que participamos com o próprio Senhor Jesus de um sacerdócio santo, somos também um povo separado. Por mais que hoje queiramos assimilar o mundo de forma terrena e demoníaca, na verdade pertencemos a outro reino em que somos conclamados, como foram os primeiros habitantes da terra, a assumir nosso chamado das trevas para sua maravilhosa luz, pois por ele temos acesso ao Pai em um Espírito (Ef 2.18). Paulo se dizia o menor de todos os santos (Ef 3.8), e nós, que somos ainda menores do que ele, temos ousadia e acesso com confiança, mediante a fé nele (em Jesus – não em São Paulo nem outro santo qualquer do passado ou no futuro da história da igreja!).

Não anelo ser pastora, como algumas amigas feministas desejam esse papel de liderança – creio que o pastoreio do rebanho de Deus é para homens fiéis e idôneos, cujo requisito inicial, segundo Jesus, é uma resposta positiva a: Amas-me? (Apascenta os meus cordeiros; Pastoreia as minhas ovelhas; Apascenta as minhas ovelhas – João 21.15-17). Aos pastores de almas e igrejas, ele conclama: Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória (1Pd 5.2-4).

Como mulher cristã, minha missão é semelhante à da mulher de Lapidote na época dos Juízes, ou à mulher de Áquila, na época apostólica. Anseio aprender e ensinar como Eunice, Loide e Priscila – nos bastidores, diante de escrivaninha meio desarrumada, forno e fogão e mesa posta, esclarecendo pensamentos de Apolos ou Timóteos enquanto cosia tendas junto ao marido ou espelhava a fé ao filho ou ao neto. Participo, sim, do genérico todos os crentes – sobre quem a oração paulina é para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e alicerçados em amor, a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus. Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém! (Ef 3.14-21). Existe maior glória que essa?


Elizabeth Gomes

terça-feira, dezembro 25, 2012

O TEMPO PASSA, O TESTEMUNHO FALA

Maria do Carmo de Souza, Casa Branca, SP, 1934

“Aos seis, um ano demorava 1/6 da vida para passar; hoje, vai a 1/67... eh! passou: 2013 vem aí!” Eu ia assim, no trem da vida vendo passarem postes, pastos, casas, e coisas antigas, quando dei com uma nota no Estandarte (http://interdocs.com.br/ipibdig/oestandarte/digital/1935/ano_43_n20_21-07-1935.PDF) sobre o falecimento de minha bisavó materna, que me fez pensar no valor que Cristo concede à nossa vida. Segue como se escrevia:

Repousando

Cada um na sua ordem, um dia; uns mais cedo, outros mais tarde, todos voamos rapidamente, atravessando a vida como um sonho. Saindo eu de Assis a 22 de maio findo, vinha a esta cidade para tratamento de minha saúde, devido a uma machucadura em viagem perto de Presidente Prudente. Esperava, logo que melhorasse, ir até o Rio, e, voltando, chegar a Casa Branca especialmente para visitar minha parente enferma, d. Carminha [Maria do Carmo Coelho Barbosa], que sofrendo da paralisia se achava presa ao leito há quasi dois anos. Entretanto, peorando o meu estado de saúde, fiquei preso ao leito até hoje, recebendo a noticia do passamento de d. Carminha, a 19 do corrente, em Casa Branca, onde residia, em casa do seu genro, prof. Cornelio Martins. Conheci-a ainda menina e assisti em Dois Corregos ao seu casamento juntamente com o de sua irmã Idalina, já falecida; desposaram dois distinctos irmãos, Antonio Coelho Barbosa e Jeronimo Martins Coelho Barbosa, já falecidos. D. Carminha era filha de nossos irmãos Francisco Mendes de Souza e d. Benigna Lima Barboza, descendentes da família Oliveira Horta, de Socorro. Era prima da minha saudosa esposa que nos tempos da mocidade se chamava Maria Santana. Era sogra de meu filho Calvino Ferraz, casado com sua filha, Leonor Barbosa Ferraz, e de minha filha Edith, casada com seu filho, sr. José Coelho Barbosa. Ligada assim por laços de parentesco e comunhão de crenças religiosas tão estreitos, e possuindo um carater cristão bem comprovado na sua resignação e paciencia e no amor e dedicação para com todos que a conheceram, seria impossivel deixar de traçar estas ligeiras notas, apreciando c traço luminoso de sua curta existencia. Era uma verdadeira santa. Descansa agora dos seus sofrimentos fisicos e certamente foi poupada de outros sofrimentos e apreensões de um mundo instavel, onde tudo parece escuro e ameaçador. Ela desfruta a realidade do que Cristo disse: "O que crê em mim não morrerá". Oxalá possam todos os seus orar como o Salmista: "Ensina-nos a contar os nossos diasde tal maneira que alcancemos um coração sabio". Sal. 89:12. Corações sabios! Saber viver ê saber morrer. Desprender-se alguem desta vida em paz com o seu Deus, eis a verdadeira sabedoria. Na hora do seu passamento, ás 19,15, no templo, a igreja reunida para o culto entoava o seu hino predileto: "Vai, alma tristonha, teu pranto depôr, entrega os cuidados aos pés do Senhor". No seu sepultamento oficiou o rev. Daniel Moraes. Por nosso intermedio a familia agradece a igreja de Franca as manifestações de simpatia durante a longa enfermidade e por ocasião do passamento da querida irmã. Queira o nosso bom Deus consolar os seus queridos com a fé sublime do Evangelho de Paz.
S. Paulo, 24 de junho de 1935.
Belarmino Ferraz

Continuando minhas divagações senio-infantis (gostou?), quase pensei: “Eu, cá na meia idade, vivo pelo menos até os 134 – quero ver se alguém, em 2080 poderá dizer que eu fui chamado, ‘possuindo um carater cristão bem comprovado na sua resignação e paciencia e no amor e dedicação para com todos que a conheceram’”.
 
Feliz 2013!
 
Wadislau Martins Gomes

domingo, dezembro 23, 2012

VENI EMMANUEL, CAPTIVUM SALVE ISRAEL!


Está chegando o dia em que celebramos o nascimento de Jesus Cristo e, ao ler mensagens de amigos do mundo inteiro, não posso deixar de ler nas entrelinhas o sofrimento de muitos deles. Talvez uns dez (que eu saiba) estejam enfrentando a dor da descoberta ou difusão de um ou muitos cânceres. Cansados de diagnósticos e tratamentos, de desejos de vitórias e curas, alguns, como Jó, glorificam a Deus afirmando “Sei que meu Redentor vive” e trazem ânimo e alento para outros irmãos. Outros não sabem nem por onde começar a pedir misericórdia ao Pai de Amor.

O período de festas é também um tempo quando muitos lembram as carências: um casamento rompido, uma amizade ferida, uma igreja em lutas internas e externas.

Eu me lembro de um 25 de Dezembro, há anos, quando fomos passar a festa em Araras, com os pais do Lau, e encontramos a casa vazia e a empregada respondendo à nossa pergunta sobre onde estavam, com um lacônico: “No hospital”. A paleta de carneiro que eu preparara e os cookies ficaram em cima da mesa, os presentes que trouxemos ainda no carro. Fomos direto ao hospital que testemunhara o nascimento de nossos filhos e tantas surpresas agradáveis. Ali encontramos Da. Eulina junto ao leito do sempre alegre – agora mudo – Sr. Wadislau. Com os familiares estava a vigília: longa e entediante, intercalada com chegada de diversos parentes amados que vinham à medida que sabiam da notícia.

“Que ele viva – ainda que tenha de ficar de cadeira de rodas!” foi uma súplica a Deus. Mas Deus escolheu levá-lo, fazendo-o viver numa esplendida eternidade sem dor, na presença do Senhor da Vida – no dia em que fazia aniversário – 26 de dezembro; sua partida partia nosso coração, mas ele foi em paz. Em vez de “Noite Jubilosa”, cantamos seu coro predileto: “Que a beleza de Cristo se veja em mim / Toda sua admirável pureza e amor...” e vimo-lo partir, calmo, sereno e tranquilo. Minha querida segunda mãe perdera o companheiro de quarenta e seis anos – “Queria tanto fazer bodas de ouro!” ela suspirava. Meu companheiro de vida tinha perdido seu melhor amigo na terra. Mas a beleza de Cristo era visível em cada um cuja vida fora tocada pelo Redentor.

Voltando para as cenas do Natal, conforme as festejamos na igreja de Cristo, lembrei-me de que o primeiro deles, junto com o júbilo de anjos e pastores, estava prenhe de pressentimentos. Um cordeirinho em uma estrebaria – para que, afinal, nascia o Cordeiro de Deus que a mãe colocou na manjedoura? Ele se encarnou para dar a vida pelos que estavam mortos em delitos e pecados. Dar vida, não fazendo com que ficássemos apenas joviais e alegres para festejar o infante Jesus, mas dar vida trinta e três anos mais tarde, consumando todo o plano eterno de Redenção sobre uma tosca, horrenda cruz.

A previsão de Simeão, alguns dias após seu nascimento, foi de que esse menino seria “luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo de Israel”. Era a razão pela qual o velho podia agora descansar (podes despedir em paz o teu servo (...) porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de todos os povos: luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo de Israel – Lucas 2.25-38). José e Maria se admiram do que foi dito, mas certamente Maria lembraria por muitos anos a profecia que continuava: Este menino está destinado tanto para ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição, (também uma espada traspassará a tua própria alma), para que se manifestem os pensamentos de muitos corações.

Em Belém, receberam a visita dos sábios da Mesopotâmia que lhe presentearam com ouro, incenso e mirra; e, avisados por um anjo sobre os intentos de Herodes, os magos não voltaram a Jerusalém. A família sagrada fugiu com o Menino para o Egito. A horripilante matança dos inocentes foi o jeito que o mundo se manifestou no nascimento do Rei dos Reis (Mt 2.1-18).

Quando Jesus iniciou seu ministério, aos trinta anos, João Batista anunciou o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. E o evangelista João descreve o relato dizendo: O Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai (Jo 1.14).

Para meus amigos que se alegram neste Natal: Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança (Tg 1.17) – desfrutem, aproveitem, regozijem-se em tudo que há de bom e honesto para se alegrar.

Para meus muitos amigos queridos que sofrem neste Natal – ou em outras épocas festivas da vida, o mesmo Tiago partilha: “Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes. Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida” (Tg 1.2-5).

Quer estejamos em situação de alegria quer em profunda tristeza, neste Natal tenhamos nítida e constante lembrança da razão pela qual Jesus veio ao mundo: “Hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor”.

Em época do Advento, na Idade Média, monges cantavam: “Ó vem ó vem Emanuel / vem resgatar a Israel / que geme em exílio / sem ter de Deus o Filho. / Regozijai! Emanuel virá a ti ó Israel!” Cantamos porque ele veio. Celebramos porque ele está aqui, Deus conosco! E aprendemos a viver contentes em toda e qualquer situação – porque ele nasceu para nos dar fé confirmada: perseverança a fim de sermos perfeitos e íntegros, em nada deficientes!

Glória a Deus e Feliz natal!

Elizabeth Gomes

sexta-feira, dezembro 07, 2012

ESTRANGEIROS, PEREGRINOS, EMBAIXADORES, CIDADÃOS

Nascer do sol em O Refúgio
Você já odiou, desprezou ou zombou de algum estrangeiro? Quando menina, eu tinha o duvidoso status de estrangeira – onde quer que estivesse! No interior de Minas Gerais e depois Goiânia, filha de missionários norte-americanos, cabelo quase branco de milho novo e olhos azuis, tudo dizia que eu não era de lá. Mesmo que tentasse apresentar sotaque e costumes brasileiros, eu era gringa, alemoa, imperialista americana e “da estranja”. Quando, após cada cinco anos em nossa terra adotiva (como papai chamava o Brasil), íamos aos Estados Unidos para as “férias missionárias”, para renovar os contatos com as igrejas mantenedoras, pessoas também me diziam: “Até que você fala bem o inglês para uma brasileira” – quando não perguntavam a minha mãe: “Os nativos do Brasil usam saiotes de capim ou andam nus?” ou exclamavam para meu pai: “Brasil, eh! Então o senhor deve falar muito bem o Espanhol”! Tempos mais tarde, algumas pessoas se instruíram um pouco e indagavam sobre a nova capital do Brasil e as belezas do Rio de Janeiro, do futebol e do carnaval. Havia desentendidos, mal entendidos e entendimentos errôneos em profusão.

Eu mesma não sabia a que pátria pertencia. Pela manhã tinha aulas do curso de língua e cultura inglesa, por correspondência sob a tutela de minha mãe, e ainda atendia a escola brasileira (Ipê, Doze de Agosto e depois Colégio Batista Americano) no resto do dia. Aprendi o “Pledge Allegiance to the Flag” dos USA e cantava “Ouviram do Ipiranga” de mão no peito no hasteamento da bandeira na escola brasileira – sentindo-me cidadã dos dois países. No entanto, nunca fui naturalizada brasileira e tenho um sentimento dúbio quanto à situação de jamais ter votado em eleições no país que escolhi viver. Nos Estados Unidos, só votei uma vez na vida, quando calhei de me encontrar lá em época de eleição presidencial (e já estou na casa dos velhos sessentas)!

Era ainda bem novinha, recém-alfabetizada, quando aprendi o hino: “Sou forasteiro aqui, em terra estranha estou,/ Celeste Pátria sim, é para onde vou. / Embaixador por Deus do Reino lá dos céus,/ Venho em serviço do meu Rei!”[1] Isso amenizou o sentimento de sempre ser estrangeira – saber que minha identidade nacional não é daqui ou dali -- e sim de embaixatriz do Reino de  Deus, o que é incomparavelmente melhor e mais importante. Mas em termos terrenos – afinal, não éramos alienígenas nem estávamos alienados das ocorrências na terra em que Deus nos colocou – sempre olhei com simpatia para os que vinham de fora ou eram “diferentes do povo em geral”.

Encontrei respaldo na Bíblia para a valorização do estrangeiro e peregrino, e na cultura evangélica, muitas referências a essa peregrinação, do Brilho Celeste até Da linda Pátria estou mi longe. Toda a história do povo de Deus era ligada ao fato de “não ser daqui” ou de “ser de lá”, e as leis dadas aos judeus ressaltavam a necessidade de tratar bem ao estrangeiro “pois estrangeiros fostes na terra do Egito” (Lv 19.34) e a realidade é que “Sou forasteiro à tua presença. peregrino como todos os meus pais o foram (Lv 25.23-24; Sl 39.12) – seja qual for minha origem étnica! Tratar mal ao estrangeiro era idêntico a maltratar o órfão e a viúva! (Dt 24.17- 21). Quando Jeremias repreendeu o povo de Judá por perverter a justiça e o juízo, ele disse, pelo Senhor: “livrai o oprimido das mãos do opressor; não oprimais ao estrangeiro, nem ao órfão, nem à viúva; não façais violência, nem derrameis sangue inocente neste lugar” (Jr 22.3).

O Novo Testamento expande a visão do estrangeiro, valorizando a cidadania verdadeira da qual fazemos e somos parte: “embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus” (2Coríntios 5.20). Paulo ainda pede que Deus lhe dê ousadia para falar por ser ele “embaixador em cadeias” (Ef 6.20). Outrora rude pescador, o apóstolo Pedro faz um sensível apelo a uma vida cristã exemplar em razão de nossa condição de peregrinos e forasteiros:

Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma, mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação. Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem. Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos; como livres que sois, não usando, todavia, a liberdade por pretexto da malícia, mas vivendo como servos de Deus. (1Pedro 2.11-16)

A razão principal de um comportamento digno para com todos, porém, é que todos os cristãos “já não são estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus” (Ef 2.19). Em Jesus Cristo, pessoas de todas as tribos, povos e raças virão louvar juntos ao Senhor do Universo – e não haverá mais barreira de língua, cultura, etnia – seremos participantes da “grande multidão que ninguém pode enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas” que se encontram em pé diante do trono e diante do Cordeiro (Ap 7.9). Será uma Internacionale autêntica, singular e única, que inclui a todo ser humano!

 Quando adolescente, eu me correspondia com pessoas de muitos países – Gana, Camarões, Israel, Malásia, Estados Unidos, Suécia – e boa parte da minha mesada era gasta em selos, e meu tempo em escrever para meus pen pals. Hoje ainda tenho amigos de todas as partes, embora os meios de comunicação sejam outros e os comunicadores vão desde missionários, pastores e pensadores até questionadores sinceros, hereges incertos, e debatedores intransigentes. Continuo no ministério santo de servir ao Senhor do Universo e a seu povo por todo o mundo – escrava e embaixatriz, singularmente estrangeira e forasteira, participante de um povo separado, unido em um só Rebanho pelo sangue de Jesus Cristo.

Elizabeth Gomes



[1] Hinário Novo Cântico # 288

sexta-feira, novembro 23, 2012

MENTALIDADE DE TELEGRAMA PT CURTÍSSIMA PT


 
Quem sugeriu foi o Firmo Malasartes vg primo do Pedro pt Contou que recebeu um e-mail com um link (httpptpt//ibuikyptblogspotptcomptbr/2008/11/crimes-contra-honra-no-dia-dia-quem-porpthtml ) que acessou e ficou pasmo ptpt se a gente chamar alguém por aquilo que ele é vg é crime de preconceito pt Em plena era da internet vamos ter de chamar a coitadinha de telegrama a fim de não incorrer em crime de preconceito virtual pt

Não parece coisa de sábio? Quero dizer, chamar a pessoa pelo contrário do que ela é? Certo que não é coisa nova; os jornais escritos e falados da bola plim plim já vinham fazendo isso há algum tempo em termos de notícias de agenda política: “A turma da terra atacou os sem terra da faixa só porque estes estavam comemorando São Yahya com cem foguetes terra terra por dia”. Só que agora é pior, pois, se chamar alguém de honesto é capaz de ir parar na hospedaria de vitimizados; se disser a alguém que ele é aquilo ou aquela, o poder desce de chicote; pior ainda, se chamar alguém de conceituoso prévio, aí, não tem jeito, a que dá leite foi pro brejo.

Parece-me que essa fobofobia vai longe. O povo está ficando cada dia mais instruído, como se vê do exemplo recente – o Supremo manda prender os honestos e o povo ainda vota neles. Que mais podemos esperar? Já pensou, que dizer que somos protestantes reformados chiítas (viu como escapei do crime?) é xingamento, mas se for o próprio protestando, é elogio?

E o que dizer do clima de paz e segurança que está aí? Alguém vai ter de processar a Bíblia, pois ela diz sem nenhum medo: Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade; põem o amargo por doce e o doce, por amargo (Isaías 5.20)!

Saúde pt

Wadislau Martins Gomes

sexta-feira, novembro 16, 2012

"SEU" GARCINDO E O JOÃO DE BARRO



 

– Que passa, véio?

O ar brejeiro de dona Déia deixava-a linda

– Está com jeito de quem viu passarinho verde – ela completou

– Não é verde não, é o João de barro ali na barriguda.

No galho espinhento da paineira o pássaro ia, de bico em bico, fazendo sua casa.

– Estou aqui, matutando sobre o caso daquele pastor que veio na outra semana. Parecia ave sem ninho.

– Que foi que vocês andaram falando?

– Das coisas. Tem crente que de tanto escutar a canção do João de Barro parece que virou ave sem perdão para dar. Sabe? “O João de Barro pra ser feliz como eu...” – cantarolou.

– ?!

– Tem crente que é joão de barro só de pena. Peito estufado, bico agudo, faz e acontece, mas se a mulher escorrega, fecha a porta da casa com ela lá dentro.

– Estou voando.

– É essa coisa de a gente pregar o que não vive e querer que os outros vivam o que a gente prega. É só trilado de salvação, transformação, mas só no vento. Para muitos, o Deus que cuida das aves só se ocupa com as “perdidas”; as de casa eles acham que não têm jeito não. Assim é melhor nem casar com joão de barro.

–Ainda estou no ar.

– Esse moço, o pastor, andou batendo asas e a passarada arreliou. O homem já mudou, é construtor sério, asa forte, canto firme, só que não é joão de barro, é curió, e por isso os outros penados não lhe dão trela.

– Ah!

– Pois é, fico pensando no rei Salomão que não se vestia bem como as aves, mas sofria como uma. Queria ser passarinho só para por música no seu poema: “Como o pássaro que foge, como a andorinha no seu voo, assim, a maldição sem causa não se cumpre” (Provérbios 26.2). É letra bem mais verdadeira do que a do João de Barro; tem esperança.

– Ainda não entendi tudo, mas começo a ver alguma coisa no céu.

– Os joãos de barro não sabem que Deus tem poder para criar passarinho do nada. Se soubessem o que Deus pode fazer na vida da gente não ficavam se apoiando em galho seco.

– Agora é que não sei mais nada!

– Nem eles, nem eles. Conversa vai conversa vem, saiu um comentário bobo que nem grasnada de urubu, e veio diz que me disse de periquitos, conversa de ajurujuru; e o moço estava no meio. Ficou jururu que nem o passarinho do Salomão. Disse que fez até uma canção.

– E como é?

– Uma coisa do rei Davi: “Tu fazes rebentar fontes no vale, cujas águas correm entre os montes; dão de beber a todos os animais do campo; os jumentos selvagens matam a sua sede. Junto delas têm as aves do céu o seu pouso e, por entre a ramagem, desferem o seu canto” (Salmo 104.10-12).

– E o que ele quis dizer?

– É nisso que eu pensava enquanto via o João de barro. Enquanto tem crente fechando as portas das casas, o moço abria para eles a casa do Senhor. Disse que era tristeza sem mágoa, que orava por eles e que, se pudesse, ainda dava de beber. Imagine, no bico!

Wadislau Martins Gomes

quinta-feira, novembro 15, 2012

TRABALHO INFANTIL: A ÉTICA PROTESTANTE DO TRABALHO E O QUE ENSINAMOS AOS NOSSOS FILHOS

São José Carpinteiro - Georges de La Tour, Paris, Louvre

Cena um: após o culto vespertino de um dia cheio tomado pela conferência missionária, três pastores e suas esposas estão em uma pizzaria ao ar livre. Um menino com não mais de oito anos vem até a mesa para pedir uns trocados e, quando um dos pastores pergunta onde estaria sua mãe e quem havia deixado que ele estivesse na rua a essa hora, ele responde:

 – Tá’li esperando meus irmão trazê o dinheiro. Ela que mandou a gente trabaiá nessas hora que gente rica come e tá cansada.

Eu era uma das mulheres e fiquei, como as colegas, indignada com o trabalho a que o menino era submetido a essa hora da noite. Tive vontade de dar um pito na mãe por explorar a vulnerabilidade do filho, mas isso não resolveria o problema. São centenas, milhares de mães, pais, tios e outros parentes que usam crianças como fonte de renda, explorando a compaixão alheia. Não me lembro de como acabou a cena. Estávamos condoídos pela situação que se repete por todo o país, apesar dos programas assistenciais e assistencialistas do governo e das tentativas de cristãos para mudar o estado de coisas por meio de um evangelho ativo que corrobora a pregação das boas novas de Cristo. Tem muita criança pelo Brasil afora que garante “os trocados” dos pais mediante seu trabalho – esmolando, limpando parabrisas de carro, vendendo drops e chocolates ou, pior ainda, vendendo o próprio corpo mal iniciado na adolescência. É a escravidão do mais fraco oprimido pelo mais forte.

Cena dois: um menino em zona rural atrela um bode ao carrinho feito pelo pai carroceiro a quem imita levando sua pequena carga até um destino vizinho. O menino tem orgulho do trabalho realizado depois das aulas e, apesar da idade, faz serviço útil e bem feito que lhe dá mais do que um senso pessoal de valor. Quando foi mostrada sua história no programa rural da TV, imediatamente diversas pessoas se manifestaram contra a “exploração do trabalho infantil”.

Cena três: uma mãe hospedada na casa de amigos observa que os filhos da casa prontamente tiram a mesa, lavam, enxugam e guardam a louça, e se explica à mãe hospedeira:

– Em casa meu marido não admite que nossos filhos ajudem na cozinha ou arrumem suas próprias coisas. Ele diz que o trabalho de criança é estudar e que adulto não tem o direito de exigir que meninos façam qualquer trabalho doméstico.

Trabalhei por alguns anos como assistente social de língua portuguesa para uma agência de defesa da criança abusada e negligenciada, em Somerville, Massachussetts. Era triste averiguar situações de abuso físico e psicológico que algumas crianças e adolescentes sofriam. Esses abusos ocorriam não apenas em famílias de baixa renda, mas também em famílias abastadas que “davam tudo para seus filhos”. O horror do abuso sexual deixa marcas para toda a vida. É injustificável a violência do abuso físico a que pais, mães e responsáveis submetem as crianças, quebrando-lhes braços, queimando-as com cigarros ou ferro elétrico, ou lanhando-lhes as costas com surras que derrubam até gente grande e forte. Nas escolas, as crianças eram instigadas a delatar qualquer abuso que tivessem sofrido, verdadeiro ou produto de mentiras para obtenção de alguma vantagem. Muitas vezes a única solução que o Estado tinha era retirar a criança do “nocivo convívio familiar” e colocá-la sob o cuidado temporário de famílias substitutas pagas para isso. A fim de se qualificarem a esse trabalho, os “pais substitutos temporários” recebiam treinamento psicossocial dado pelo departamento de serviço social do governo dos Estados Unidos e pagamento por cada criança sob seus cuidados. Supostamente eram visitadas a cada mês para reavaliar a situação com vistas à recondução aos progenitores. As crianças recebiam dinheiro para roupas, calçados e pertences pessoais – um “bom dinheiro”, muito mais do que teriam se estivessem vivendo com os pais. Cria-se assim uma indústria de assistência à criança em que os pais substitutos lucram, as crianças perdem os vínculos familiares e, além da vitimização real, desenvolvem um senso inflado de vitimização juntamente com um senso de “direitos” (entitlement) sem um mínimo de responsabilização pelos próprios atos, atitudes e faltas.

Foram quase dois anos na assistência de crianças e foi com alívio que passei para um trabalho duro, mas menos sofrido – com adultos portadores do vírus HIV. Contudo, valeu a lição. Nas situações de abuso ou negligência infantil, sequer um caso havia de serem forçadas a trabalhar. Antes, tudo era lazer e divertimento – mesmo no trabalho escolar. Meu coração se condoia ao pensar nas muitas crianças brasileiras, mendigando moedas e migalhas junto à mãe ou tia, dormindo ao relento e sob marquises de imponentes prédios ou pontes. Apoio os esforços de cristãos conscientes que procuram mudar o quadro. Amigas assistentes sociais – como Alva, Mary, Júnia – desenvolviam trabalho compassivo em prol da criança, ensinando aos pais (quando existentes) a pescar em vez de lhes dar o peixe podre do assistencialismo – dando chance às mães de cuidar, alimentar, educar e manter a criança na escola.

Realmente, o primeiro trabalho da criança é estudar, e ela tem de ter condições e estímulos ambientais para isso. Infelizmente tanto o ambiente quanto o estímulo são pouco propiciados para grande parte de nossas crianças. Mas um aspecto da educação que aquela mãe da cena três ignorava ao defender o ócio lúdico do filho é que é responsabilidade primeira dos pais ensinarem os filhos para a vida – não apenas mandá-los para uma boa escola. A criança aprende pelo exemplo: pais que valorizam o estudo e não tem medo do trabalho terão filhos com gosto de estudar e trabalhar. É questão de criar um gosto permanente (Provérbios 22.6: “Ensina a criança no caminho que deve andar, e ainda quando for velho, não se desviará dele”).

Brincar também é trabalho da criança – com a brincadeira e o brinquedo ela aprende por imitação, em doses adequadas para a idade, sobre todas as coisas da vida. Proponho também que essa brincadeira inclua boa dose de trabalho: não apenas brincar de professora, bombeiro ou médica, mas de ajudar nas tarefas do cotidiano. “Gosto de ajudar” era uma cantiga que hoje poucas crianças conhecem – porém, o senso de valor infantil cresce quando o menino e a menina aprendem a cuidar e guardar seus brinquedos. Com isso, ensinamos-lhes a ética de Gênesis 1.28, de cultivar e guardar a terra, de ter domínio sobre a natureza e todas as coisas criadas.

O menino da cena dois não estava sendo forçado ou sendo abusado com o trabalho. Com certeza seu pai conseguia transportar uma carga maior sem atropelos – mas o garoto aprendia e brincava ao trabalhar de verdade com sua carrocinha. Aprendia na escola, na roça ou em casa, e a carga lhe era leve por ser prazerosa. Responsabilidade diária, sim. Ajuda verdadeira ao pai, sim. Esse trabalho infantil que realizava não era abuso – era melhor que andar de bicicleta ou na roda gigante!

Quando ensinamos a criança a expressar criatividade nas atividades corriqueiras – a limpar o que sujou, a arrumar o que desarrumou, e a valorizar um trabalho bem feito – não a faremos sentir-se abusada, mas, sim, importante e participante da família, da vida cotidiana. Ela aprenderá habilidades que nunca deixará de usar.

Claro que pai e mãe não podem dar aos filhos tarefas acima de sua capacidade nem lançar sobre eles responsabilidades que os próprios pais não queiram desenvolver. Às vezes, deixar a criança ajudar dá mais trabalho do que fazer a tarefa sem ela (por exemplo, chão molhado pela criança que orgulhosamente lavou sozinha a louça), mas o motivo de deixá-la participar do trabalho não é a perfeição e sim a educação na justiça e no amor. Mesmo se a família tiver ajudante para os serviços domésticos, será importante, por exemplo, que a criança aprenda a estender sua própria cama. Lembro-me da vergonha de uma moça de quinze anos quando pela primeira vez na vida teve de arrumar a cama, em um acampamento de jovens, e não sabia como! Arrumar a mesa para o lanche e lavar alguns copos e pratos deve fazer parte do currículo de cada criança. Quando for maior, saber esquentar uma comida ou fritar um ovo serão úteis, mesmo se tiver sempre quem o faça por ela. Nunca me esquecerei do orgulho de minha filha de sete anos, ao esquentar, por à mesa e servir o jantar a seu avô que nos visitava, antes de a mãe chegar da faculdade.

Uma das mais preciosas lições que podemos dar às crianças é aquilo que Jesus disse quando interpelado por trabalhar no sábado: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). Quando Jesus lavou os pés dos discípulos (trabalho para os servos menos valorizados na escala hierárquica) e Pedro protestou, Jesus insistiu que dava o exemplo – que o servo não é maior do que o senhor e o discípulo será bem-aventurado se praticar o que aprende do Mestre (Jo 13.15-17).

Uma das grandes diferenças do pensamento protestante e do pensamento escolástico romano estava na perspectiva do trabalho. De um lado os reformadores, destacando a salvação somente pela graça mediante a fé, independente de obras, davam valor ao trabalho, por mais humilde que fosse, vendo toda obra bem feita como cumprimento do chamado de Deus. De outro lado, a graça de Deus sendo comprada mediante méritos e pagamento, sendo o ideal contemplativo obtido no ócio[1]. Na prática, países estabelecidos por protestantes tinham forte ideal de operosidade, enquanto em países de índole romana o ideal era o de ganhar dinheiro e posição suficientes para colocar outros para trabalhar no lugar dos senhores (e das senhoras). Isso se reflete na maneira como vemos a vida e como ensinamos nossas crianças.

Temos de dizer “não” ao abuso de crianças em qualquer forma que ele se instaure. Temos de dizer “sim” à criança quanto à valorização de seu estudo e aprendizado, sua vida lúdica e também sua tarefa de aprender a trabalhar, cuidar e criar conforme Deus designou desde a infância deste mundo criado por ele. Não exploramos as crianças quando as ensinamos a desenvolver tarefas e responsabilidades na vida – preparamo-las para vidas mais criativas, úteis, completas e plenas, da meninice à velhice!

Elizabeth Gomes



[1] GUINNESS, Os, O Chamado. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, “A distorção católica e a distorção protestante pp. 39-40 e pp. 47-48.

segunda-feira, outubro 29, 2012

O CRISTÃO, O FACEBOOK E O FAKEBOOK

Curtir     Comentar     Compartilhar     Beijar o sapo     Abraçar o jacaré
 

Facebook é como telefone sem fio. Para os recém vividos, não é o sem fio antigo nem o celular; é uma brincadeira do tempo que as festas eram animadas numa roda em que alguém cochichava um status no ouvido próximo e ele era compartilhado com o seguinte, até voltar à origem. Dava um bué! Saia coisa como “salada de mamão macho” e voltava como “sai de baixo que vem a mão”. No Facebook, cada um lê quando e como quer. Outro dia, alguém me perguntou quando é que eu viajaria, a que de pronto respondi: “amanhã, às 8”. A mensagem era de uns dias antes e já havia outra na linha: “Bom dia, dr. Tudo bem?” Ainda bem que o cara tinha cérebro.

Você abre a página principal e vê um monte de coisas que a pessoa “está pensando”: mesas postas, pratos feitos, árvores, eventos, dentros, foras, saudações gerais, tratativas pessoais de cunho delicado tal como “o que você está fazendo?” Nem me pergunte! Outros mandam notícias, fotos, citações, altos pensamentos, risos, choros, mesas postas, pratos feitos, árvores, eventos, dentros, foras, saudações gerais, e a gente curte; as de interesse pessoal, compartilha.

Entre tapa e beijos, eu gosto do Facebook. Demorei para entrar, mas dou uma boiada para não sair. O Facebook é bom por uma centena de comentários, mas, aqui, vão dois: um, revela a pessoa como ela é e, dois, revela a pessoa como ela é. A diferença é que um é o Facebook e o outro é o fakebook. O fakebook não esconde a espinha inflamada da foto nem da alma. Facebook é superficial e profundo; fakebook é superficial e chato. Adaptando o que disse o meu filho Davi, Facebook é intimidade aparente e fakebook é nudez real.

De fato, facebook é um instrumento de comunicação que permite de oi e oba até boi e boba. Tem gente que envia graça até que com certa graça, tem gente que faz graça, e tem quem curta e compartilhe desgraça. Vai lá! Não gostou, é só deletar o feião. O problema é o que fazer com amigos amigos. Amizade não se faz num dia nem se apaga num clique; assim, o negócio é separar as coisas em categorias: sala, cozinha e banheiro.

Noutras palavras, há papo que é público, outro que é reservado e outro que é privado. A coisa toda está à mostra e deve ser tratada com inteligência, arte e bons afetos. Inteligência, bem... Já arte tem um lado inteligente e outro de bom gosto, e essas não são opcionais. Tudo que dizemos e exibimos, além de expor quem somos, porta um tanto de responsabilidade quanto ao Senhor a quem amamos e servimos e ao próximo a quem deveríamos amar e servir no Senhor. Como disse o Paulo da Bíblia em um lugar: “pouco se me dá de ser julgado por vós (...) nem eu tampouco julgo a mim mesmo (...) quem me julga é o Senhor (1Coríntios 4.3-4) e, em outro: “que ninguém se preocupe comigo mais do que em mim vê ou de mim ouve” (2Co 12.6). E essa é a chave: na sala, estamos à vista e sem cochichos; na cozinha, ensaiamos um dedo de cafezinho com cuidado e fala mansa porque a porta tem ouvidos; no lugar de lavar o rosto e escovar os dentes, aí é melhor fechar a porta e ligar um mata som – não podemos expor as vergonhas.

Na sala, o bom tom manda que não cobremos, acusemos ou corrijamos as pessoas. Além do lugar comum da frase “errar é humano”, tem aquele risco de aparecer nosso próprio erro, no mínimo, de falta de educação. Se a pessoa for amiga, deixa pra lá porque “o amor cobre multidão de pecados” (1Pedro 4.8), e, se for amigo mesmo, também, porque “O que encobre a transgressão adquire amor, mas o que traz o assunto à baila separa os maiores amigos” (Provérbios 17.9).

Tem disso e tem daquilo, mas na sala, cruze as pernas com elegância, não sacuda os braços nem lance perdigotos juntamente com as palavras. Na cozinha, a conversa é mais íntima, reservada. Se for você quem estiver lá, exponha o coração, mas não os intestinos; dobradinha e buchada ficam bem na panela. Se outros estiverem lá, lembre-se de que sapo de fora não chia nem se intromete nem critica senão vira perereca venenosa. Espere o chamado do tanoeiro ou do cururu ou do sapo boi. Se for colhido de surpresa, finja que está no pântano, dê um coaxado, uma limpada de garganta, uma tossidinha e vê se dá para filar um bolinho de chuva. No banheiro, ah! você acha que eu preciso disso? Não quero ver ninguém lá, nem rusga de casal nem iras nem náuseas.

Vamos lá, pessoal! É divertido – até que alguém bote aquela foto ou aquele comentário. Aí, jacaré tem boca maior do que a do sapo. Tem não, gente; o jacaré é manso.

Wadislau Martins Gomes