quinta-feira, maio 26, 2011

EVANGELHO IMPLOSIVO & ESTALOS DE SALÃO


Evangelho explosivo é coisa boa. Especialmente com os sons e as cores da glória de Deus! É uma festa de genuína alegria do Senhor! Experimentei isso quando o Senhor Jesus “me pegou de assalto – cheguei a ver estrelas”, de dia. O problema é que, hoje, muito dessa explosão parece arte de terrorismo evangélico. Quase sempre, acaba em chabu teológico. Depois que a fumaça abaixa, sobram igreja dividida, crente mal passado, pastor frustrado, e muitos que nem querem ouvir falar de igreja. Do jeito que está, parece que isso acontece porque a comemoração vem antes da vitória: “assim como existem leis físicas, existem leis espirituais...”; “se o último avivamento provocou louvor, então é só louvar...!”; “sinais e maravilhas...”; “comunidade e culto relevante à audiência!”

Tudo isso tem algum mérito, certamente, mas onde é que está o antigo e sempre novo conteúdo do Evangelho? O que é feito daquele antigo e sempre relevante evangelho implosivo? Aquele de que Paulo disse: tornam-se-lhe manifestos os segredos do coração, e, assim, prostrando-se com a face em terra, adorará a Deus, testemunhando que Deus está, de fato, no meio de vós (1Co 14.25). Essa é que é pólvora da boa!

As razões pelas quais houve mudanças de orientação no rumo da missão da igreja – dos meios providos por Deus, para os do mundo – não são muitas nem tão difíceis de serem percebidas. Basta considerar as regras chave da estratégia bíblica, e saber que são os motivos do coração que fazem operar os braços e as pernas: onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração e ninguém pode servir a dois senhores (Mt 6.21,24). Em outras palavras, meu comportamento denuncia aquilo em que eu realmente creio. Daí, essa confusão toda de evangélico, evangelical, evangeliquês, soltando traque e achando que é rojão.

Uma das bombinhas de um real o grama é a do tradicionalismo caseiro, que impede que andemos... em novidade de vida (Rm 6.4). Outra é pouco mais cara porque solta faíscas coloridas de planos e doutrinas fátuas e que, geralmente, sai na frente, orando para que Jesus venha atrás; essa atropela o passo porque anda no ritmo das últimas novidades (At 17.21).

Geralmente, os grupos de fogueteiros têm atitudes similares; ambos desejam ganhar almas e propõem o alvo de fazer a igreja crescer. No entanto, a maioria das vezes, isso fica tão à frente do quadro da missão da igreja que perdemos de vista os meios de graça que Deus ordenou para a evangelização – a saber, a pregação para expor os motivos do coração, do eleito para a salvação e, do réprobo, para condenação. A pregação correta do evangelho atinge o coração da pessoa. Destrói ou confirma a rebelião contra Deus; provoca o arrependimento ou faz recrudescer a reversão do pensamento contra os pensamentos de Deus; e fornece uma perspectiva da centralidade de Deus em vez da centralidade da própria pessoa.

Sem isso, não há evangelização. O mundo aí fora não crê na pregação do evangelho porque a comunhão com Cristo e com os irmãos exteriormente exibidas na ceia do Senhor e no batismo não concordam com o restante do que dizemos e fazemos na “vida real”. Perdendo de vista o poder e a eficácia dos meios de graça, geralmente escolhemos um ou mais raios da roda do evangelho e o tornamos o eixo central. Se isso acontece, sai de perto, porque, aí, a roda de fogos fica louca e espalha brasa para todo lado, queimando crentes “impossíveis” e possíveis. No entanto, dá para saber se a foguetada é ou não de confiança.

Entre os primeiros estão os buscapés do misticismo que se apresentam de diferentes formas. O Deus transcendente e imanente (no sentido de que é a essência da criação) ora é visto como o “Deus de longe” ora como o “Deus de perto”, atraído ou apreendido em êxtase ou contemplações, e liberado em termos de sinais e maravilhas. Certamente Deus é Deus de perto e de longe (o corinho está errado) e fica-lhe bem o louvor, mas o louvor não salva – quem salva é Cristo, aquele que liberta o louvor (Hb 13.15).

Depois, vêm as salveiras religiosas: igrejas tradicionais, do tipo que promove campanhas de despertamento, convites para o culto etc., e igrejas modernas, do tipo amigável ou de propósito ou de sucesso (não tenho nada contra o propósito de glorificar a Deus, mas sim, contra o propósito de só ter propósito). Com efeito, a igreja reunida dá testemunho da fé, o culto é evangelizador, e Deus quer que a igreja cresça, mas não é o poder da igreja que anuncia a Cristo; antes, a igreja é que tem de anunciar o poder de Cristo (Mt 28.18-19).

Então, vêm as baterias de técnicas de evangelização. Missões se tornaram rojões de um só tiro, um fim em si mesmo. O “ide” substitui o “indo” do texto original da Grande Comissão. Vale mais “ir” do que “como ir” de modo digno da vocação (Ef 4.1). “Plantação de igreja” segue o padrão de um só missionário modelando igreja para culturas que sequer discernem fogos de artifício de queimada no mato. O bom método de igrejas modelando igrejas cedeu lugar para espoleta “missionária”. Do ponto de vista individual, as reduções do evangelho a formas sintéticas (quatro leis, testemunho pessoal, etc.) deveriam ter um conteúdo substancial mínimo do conhecimento da Palavra: quem é Deus; qual é o fim principal do homem; qual seu problema; qual é vontade divina revelada na Bíblia; quem é Jesus e qual é a totalidade da sua obra – encarnação, vida de obediência, morte, ressurreição e ascensão – qual é a obra do Espírito Santo e qual é o papel da igreja na adoração de Deus e sua glorificação diante do mundo. Mas, mesmo assim, o cumprimento da Grande Comissão, com toda a sua importância, ainda não é o ponto central.

Com efeito, há um espetáculo (1Co 4.9) que inclui todos os bons artefatos pirotécnicos, e sem explosões de vaidades. Essa é a apresentação do evangelho que vivemos de modo coerente com o evangelho que pregamos; é o programa da igreja que é a própria vida da igreja. O evangelho que as igrejas reformadas deveriam guardar e anunciar é um de Verbo e Vida, Cristo, traduzido em nossas palavras e vidas. Ele tem o elemento sobrenatural, o Deus de longe e de perto, Senhor e Pai, a quem adoramos em espírito e em verdade; tem uma apresentação da igreja em adoração no culto familiar e público, com hinos e cânticos espirituais, pregação da Palavra e comunicação de graça; e tem um aspecto do esforço obediente para “indo” de modo digno da vocação, pregar o evangelho de Cristo a todos os homens, fazer discípulos dos que são chamados para seguir a Cristo, batizá-los na fé e na comunhão dos santos, treinando-os aqui e agora para viver a vida eterna na terra e para os céus.

Todos os fogos juntos são o meio para a pregação e para o crescimento na fé e da fé. O começo e o fim estão em Deus. De nada adiantará ser bom pregador evangelista, de púlpito, de televisão, de estádios e daí em diante. De nada adiantará também orar como quem tem de convencer Deus a salvar o pecador. Foi ele quem os amou e criou e chamou; quem nos amou; e quem convence, persuade e constrange o coração. Foi Cristo que morreu e ressuscitou; e nós somos seus embaixadores, cartas vivas, bom perfume, brilho celeste.

Aqueles a quem vamos com o evangelho – por mais que se mostrem entusiasmados com sinais e maravilhas, e se encantem com o acolhimento na igreja e com a exuberância das bênçãos que reluzem no testemunho pessoal – precisam ver a Cristo. Ele se revela em sua Palavra para despertamento da fé, para justificação e santificação. Se o Espírito não traduzir a pregação do Evangelho, ninguém entenderá nossas estratégias e técnicas; e se o Espírito não operar em nossa fala e vida (discurso e comportamento), ninguém nos ouvirá sinceramente nem desejará ser o que dizemos que somos.

Concluindo, somente o evangelho de “Cristo em nós” e “nós em Cristo” poderá atingir a rebeldia do coração que se opõe a Deus, a reversão dos pensamentos humanistas que trocam a verdade pela injustiça, e a inversão dos papéis em que o homem é o centro da religião e, Deus, um mero atributo. Esse é realmente um evangelho implosivo.

Wadislau Martins Gomes

sábado, maio 14, 2011

BRAVO COM O QUE ESTÁ ACONTECENDO POR AÍ?


A morte do Osama, a revitalização do Obama, os passaportes dos Silva, a radiação no Japão, a relação do álcool e da gasolina, a imoralidade das minorias políticas e sociais, a inação da maioria, os destemperos naturais, o pecado de crentes e de incrédulos, e o meu próprio – tudo isso estava me deixando brabo. Até que, como disse o Drummond, em Caso Pluvioso, sobre uma chuva chamada maria: “e Deus, piedoso e enérgico, bradou: Não chove mais, maria! - e ela parou”. E paro eu, não de ficar bravo nem de lutar, mas de permitir que as coisas me irritem e me impeçam de achar graça na vida.

Para que você me siga enquanto penso, deixe-me ilustrar com dois causos. Primeiro um da minha irmã que, pouco mais que menina, ensaiava a mocidade no vai e vem da praça do interior. Um moço desceu da lambreta, calças rancheira, saltos carrapeta, cabelo à Elvis, veio até ela, e disse: “Qual sua graça?” A pobre perdeu a graça, olhos no chão, e murmurou: “Eu não fiz graça nenhuma”. Depois, ô desgraça, percebeu a falta de jeito e desabalou para casa. Tempo depois, ela achou graça da história. É isso aí: graça é beleza que atrai, arte de se dar a conhecer, padrão de transparência de verdade em amor – e alegria autêntica!

O segundo é da minha infância. A panela sobre o fogão a carvão, sofrida do abrasamento da chama e do pó de arear, em um dado momento aprendia a assoviar, aos psius. Minha mãe, então, levantava a dita contra a luz para ver se o furo “dava conserto”. Muitas vezes, eu, olhando estrelas, pensava se o céu não seria o fundo sujo de fuligem de uma panela em que furos de estrelas deixavam passar fios de luz. É mais isso: a glória de Deus, varando a treva desta vida pouca, em réstias de graça, revela a beleza do Criador, sua verdade, seu amor, sua alegria. A cada clarão, eu digo: “Eu não mereço”. Então, tem mais essa: graça é isso: é o movimento de Deus na direção do homem a fim de lhe transmitir sua própria natureza.

Gente adulta, quando a noite chega, só pensa em conforto de luz elétrica e treme com medo de apagão; vive analgesia de televisão e ânsias de notícia ruim (terrorismos, guerras, violência urbana, abuso de toda sorte...); de dia, lida para ter abastança e sofre desmaios de impostos. Entra ano e sai ano, alimenta expectação de melhoria e frustração de trancos políticos e econômicos. Só de pensar, alguns se mordem de ira e, outros, parecendo calmos, acalentam desesperos românticos – “pra frente Brasil”, “um passo a mais (!)”, “agora é real”, “é a vez do trabalhador”, e até parece que a Nação descobriu a máquina do tempo: “o País do futuro”! Isso é de dar azia até em sal de fruta!

Nessa hora é que é preciso pensar na ira e na graça de Deus. Na graça irada de Deus. É isso mesmo, ira tem graça! Se não tiver graça, a dominação da ira será como insônia e pavor noturno. Sem ira, será como dormir a poder de remédio – mais dopado do que rolha de garrafa de pinga. Não entendeu? Vai outro caso. Caído da escada, braço quebrado, perguntei ao meu pai: “A dor não passa?” “A dor é boa, filho” – ele respondeu –, “é um sinal para nos proteger de sofrer mais; só é ruim quando é maior do que a gente”. Assim é a ira; em si mesma, ela é boa; serve para indicar que uma injustiça foi cometida. Só é ruim quando extravasa e fere pessoas ou, internalizada, machuca a gente e contamina a muitos.

O vídeo de suas excelências, nobres parlamentares, entre tapas e beijos freudianos, só não escandaliza mais porque já ficamos muito sem-vergonha. De cara lavada, as exegeses da mídia batem na fuça da gente: a face esquerda grita homofobia e a direita responde heterofobia. O que fazer? Contar piada? Disse o sábio que “Como quem se despe num dia de frio e como vinagre sobre feridas, assim é o que entoa canções junto ao coração aflito” (Pv 25.20). Pelado, vinagre na ferida? Nem pensar. No entanto, tem de haver uma roupa quente nesse frio despudor, uma canção nesse grito de sangue, uma réstia de luz nessa sombra desumana. Certamente tem, tal como o sábio continuou:

Se o que te aborrece tiver fome, dá-lhe pão para comer; se tiver sede, dá-lhe água para beber, porque assim amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça, e o Senhor te retribuirá. O vento norte traz chuva, e a língua fingida, o rosto irado. Melhor é morar no canto do eirado do que junto com a mulher rixosa na mesma casa. Como água fria para o sedento, tais são as boas-novas vindas de um país remoto. Como fonte que foi turvada e manancial corrupto, assim é o justo que cede ao perverso. Comer muito mel não é bom; assim, procurar a própria honra não é honra. Como cidade derribada, que não tem muros, assim é o homem que não tem domínio próprio. (Pv. 25.21-28.)

A exegese do apóstolo Paulo aponta o caminho. Em Rm 12.9-21, ele diz que o “amor seja sem hipocrisia”, isto é, de cara limpa, em que seja visto o desgosto pelo mal e o apego ao bem (v. 9). Fala também de amor cordial, fraterno, “preferindo-vos em honra uns aos outros” (v. 10). Isso, é claro, só poderá ser exibido por quem é nascido de novo e tem o poder de Espírito para refletir a face de Cristo (cf. 2Co 4.1-18); não podemos esperar isso de pessoas que pretendem viver sem Deus, pois quem tem flores dá flores, quem não as tem não as pode dar. Mas quanto a nós que, pecadores como eles, fomos redimidos por meio da pessoa e obra de Jesus Cristo, Paulo continua:

No zelo, não sejais remissos; sede fervorosos de espírito, servindo ao Senhor; regozijai-vos na esperança, sede pacientes na tribulação, na oração, perseverantes; compartilhai as necessidades dos santos; praticai a hospitalidade; abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis. Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram. Tende o mesmo sentimento uns para com os outros; em lugar de serdes orgulhosos, condescendei com o que é humilde; não sejais sábios aos vossos próprios olhos. (Rm 12. 11-16.)

A chave para o relacionamento adequado entre o cristão irado/gracioso e essa situação de ira perversa do mundo em que vivemos vem nos versículos que seguem.

Não torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante todos os homens; se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens; não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor. Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem. (Rm 12. 17-21.)

Essas coisas, certamente, apagarão os “vídeos” de nossa vida em que a ira incontida cobre de lava e cinza todo o testemunho e beleza da glória de Deus. Ficarão aqueles em que a graça recebida é dada de graça a todos os homens, “sem ver a quem”, mas de olhos abertos para o mal que está aí que tem de ser combatido. Para isso, será preciso lembrar o que Paulo também disse: “Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo” (Ef 4.26-27).

Para ser graciosa, a ira jamais poderá ser manifestada contra outras pessoas ou guardada no peito, sem exteriorização: ela terá de ser dirigida contra o problema! Como? Imagine que a patroa venha pedindo a tempos que você conserte “aquela” porta. Um dia você não pode, outro não quer, até que a coisa “pega”. Então, você faz com cara de mau, agarra prego e martelo, e desconta na porta. Findado o trabalho, rostos plenos de graça, você sente: “Que magnífico carpinteiro o mundo perdeu quando...”

Wadislau Martins Gomes

sexta-feira, maio 06, 2011

CRER E CRER: PROMULGADA A LEI DE DEUS SOBRE O HOMOSSEXUALISMO!

 

O crente crê; o incrédulo crê; o teísta crê; o ateu crê; o cientista crê; e o inculto também crê. É crença que não acaba mais. O crente em Jesus Cristo crê na Bíblia. O incrédulo crê que nada crê. O teísta crê que existe um Deus. O ateu crê que Deus não existe. O cientista crê que há alguma coisa aí para ser crida. O certo é que não há nenhuma outra base para qualquer conhecimento, a não ser a fé. A menos que você prefira dizer como o cara que viu o camelo, no zoológico: “Esse bicho não existe!”

Fé é mesmo coisa difícil de tragar. Até a descrição do conceito, de início, parece complicada: a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem (Hb 11.1). Como é que pode haver certeza do que é esperado e convicção do que não é visto? Valha-me Deus! E ele vale. Pense assim: se alguém não sabe coisa alguma sobre o que procura, nem se achar, saberá o que é. Se há alguma coisa sendo tratada, certamente algo é sabido e esperado, mesmo que não seja visto – ainda. Um exemplo disso é a Tabela Periódica dos elementos. Ela permanece tal como foi proposta, boa e genial. À época, foram calculadamente deixados em branco os espaços necessários para colocar elementos sabidamente existentes, mas desconhecidos. Havia fé em que, um dia, os elementos faltantes se encaixariam.

É algo como isso que está faltando, não na fé revelada, mas na evangelização do nosso povo. Sabe por que é que tanta gente não aceita ou abandona ou “muda” a fé cristã histórica a fim de acomodar a fé insossa? É que muitos que receberam o evangelho em fé não repensaram suas vidas em arrependimento – não reviram conceitos e comportamentos próprios da vida anterior nem se preparam para testemunhar o evangelho por meio de palavras e vidas coerentes. Assim, ficam na mente e no coração alguns espaços vazios que tornam difícil a digestão da fé. Tomando emprestada a figura de João, a fé é amarga no “estômago, mas... na... boca, doce como mel” (Ap 10.9). Mas como desejamos mel na boca ainda que com o estômago cheio de abelhas, os que creem que não creem e os que dizemos crer nem sempre estamos dispostos à coerência que a fé exige.

De fato, esse alheamento da fé faz parte do conhecimento natural do Deus desconhecido (At 17.22-31). O que quer que professemos, acabamos adorando algum tipo de deus. No entanto, só um é o verdadeiro. Ele é o Criador de todas as coisas e o próprio ambiente do homem, diante de quem teremos de prestar contas dos atos do nosso corpo. Vem, daí, uma questão: Como é que ficamos diante de duas declarações de fé, a do regenerado e a do não regenerado?

De um lado, o supremo e soberano Deus promulgou um termo de justiça, primeiro exarado na lei (Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; é abominação; Lv 18.22) e, depois, arrazoado no Novo Testamento. De outro lado, os supremos juízes da nossa terra passam julgado sobre os méritos do homossexualismo, com argumentos tais como: “a família é a base da sociedade, não o casamento” (Ministro Ayres Britto, considerando inconstitucional o artigo do Código Civil que trata a união estável usando os termos "homem e mulher"); ou "Desde que duas pessoas, somente" (Ministro Cézar Peluso, sem explicar a razão da restrição); ou "A união homoafetiva deve ser reconhecida como união estável para efeitos de proteção do Estado" (Ministro Luiz Fux). Todos eles, cuidando da causa, sequer chegam à questão do âmago do indivíduo – o vazio que só poderá ser ocupado pela adoração de Deus.

Com base na fé e na justiça (Rm 1.16-17) e movido por gracioso débito de amor para com todos os homens, crentes e incrédulos (vv. 13-15), Paulo faz um arrazoado mais profundo (1.18.32): a humanidade de agora não é a mesma como foi criada, mas experimenta uma separação interna e externa. No entanto, algumas coisas são certas e esperadas.

(i) Há uma dissociação com a essência da identidade humana, Deus, que é o ambiente de todo homem (vv. 18-20; 3.23; cf. At 17.24-29; Cl 1.15-17; Jo 1.1-4). O traço de personalidade que permanece havendo é a certeza de Deus está aí; a Bíblia diz que, de uma ou outra forma, todo mundo tem consciência do Deus verdadeiro, ainda que muitos a reprimam (cf. Rm 2.14-15).

(ii) Há uma crise de identidade psicológica em que racionalidade e irracionalidade geridas pela vontade decaída, equilibram-se e desequilibram-se em um turbilhão emocional (Rm 1.21-22; cf. 7.13-20).

(iii) Há uma dissociação da identidade humana com a natureza criada, que faz o homem não se diferenciar do mundo material e animal. Conquanto todos tenhamos certeza de não sermos deuses, ainda assim, tentamos assumir o papel. Na verdade, a própria tentativa – de controlar o mundo e as pessoas, de desejar justiça ou de reconhecer a injustiça, e de querer redimir o que está errado – é uma admissão do conhecimento de Deus. E é também uma admissão do pecado humano; pelo menos, de não querer reconhecer o Criador e Redentor de todas as coisas (Rm 8.22).

(iv) Há uma crise de identidade sexual (Rm 1.24-32). Negando o Criador, a criatura perde as dimensões de individualidade e coletividade, de igualdade e pluralidade, e de propósito e finalidade. Assim é que pares sem ovários e leite e pares sem testículos e sêmen pretendem uma vida sexual (lat., seco, “divisão da raça”) e muitos anseiam filhos.

(v) Há a convicção do testemunho de Deus, em Cristo e pelo seu Espírito, que ilumina a todo homem, externa e internamente, sobre a verdade e sobre o pecado (Jo 1.9-11; 16.7-11).

Certamente, este último item vem prenhe de esperança. Paulo mesmo disse que todos nós caímos em um ou outro pecado e, assim somos réus de todos eles (Rm 3.10). Em outro lugar, ele disse que não deveríamos nos enganar, pois nenhum impuro, idólatra, adúltero, efeminado ou homossexual, ladrão, avarento, bêbado, maldizente ou caluniador, ou corrupto apreenderia o código de fé e justiça do reino dos céus: Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus (1Co 6.8-11). De um lado, Deus não discrimina um grupo como o de homossexuais, mas a todos encerrou na desobediência, a fim de usar de misericórdia para com todos (Rm 11.32; cf. 2.11); de outro, sua Palavra não esconde os resultados da injustiça e dos desvios da fé. Sobretudo, ela diz:

Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão [Jesus Cristo] que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos (At 17.30-31).

Wadislau Martins Gomes