Evangelho explosivo é coisa boa. Especialmente com os sons e as cores da glória de Deus! É uma festa de genuína alegria do Senhor! Experimentei isso quando o Senhor Jesus “me pegou de assalto – cheguei a ver estrelas”, de dia. O problema é que, hoje, muito dessa explosão parece arte de terrorismo evangélico. Quase sempre, acaba em chabu teológico. Depois que a fumaça abaixa, sobram igreja dividida, crente mal passado, pastor frustrado, e muitos que nem querem ouvir falar de igreja. Do jeito que está, parece que isso acontece porque a comemoração vem antes da vitória: “assim como existem leis físicas, existem leis espirituais...”; “se o último avivamento provocou louvor, então é só louvar...!”; “sinais e maravilhas...”; “comunidade e culto relevante à audiência!”
Tudo isso tem algum mérito, certamente, mas onde é que está o antigo e sempre novo conteúdo do Evangelho? O que é feito daquele antigo e sempre relevante evangelho implosivo? Aquele de que Paulo disse: tornam-se-lhe manifestos os segredos do coração, e, assim, prostrando-se com a face em terra, adorará a Deus, testemunhando que Deus está, de fato, no meio de vós (1Co 14.25). Essa é que é pólvora da boa!
As razões pelas quais houve mudanças de orientação no rumo da missão da igreja – dos meios providos por Deus, para os do mundo – não são muitas nem tão difíceis de serem percebidas. Basta considerar as regras chave da estratégia bíblica, e saber que são os motivos do coração que fazem operar os braços e as pernas: onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração e ninguém pode servir a dois senhores (Mt 6.21,24). Em outras palavras, meu comportamento denuncia aquilo em que eu realmente creio. Daí, essa confusão toda de evangélico, evangelical, evangeliquês, soltando traque e achando que é rojão.
Uma das bombinhas de um real o grama é a do tradicionalismo caseiro, que impede que andemos... em novidade de vida (Rm 6.4). Outra é pouco mais cara porque solta faíscas coloridas de planos e doutrinas fátuas e que, geralmente, sai na frente, orando para que Jesus venha atrás; essa atropela o passo porque anda no ritmo das últimas novidades (At 17.21).
Geralmente, os grupos de fogueteiros têm atitudes similares; ambos desejam ganhar almas e propõem o alvo de fazer a igreja crescer. No entanto, a maioria das vezes, isso fica tão à frente do quadro da missão da igreja que perdemos de vista os meios de graça que Deus ordenou para a evangelização – a saber, a pregação para expor os motivos do coração, do eleito para a salvação e, do réprobo, para condenação. A pregação correta do evangelho atinge o coração da pessoa. Destrói ou confirma a rebelião contra Deus; provoca o arrependimento ou faz recrudescer a reversão do pensamento contra os pensamentos de Deus; e fornece uma perspectiva da centralidade de Deus em vez da centralidade da própria pessoa.
Sem isso, não há evangelização. O mundo aí fora não crê na pregação do evangelho porque a comunhão com Cristo e com os irmãos exteriormente exibidas na ceia do Senhor e no batismo não concordam com o restante do que dizemos e fazemos na “vida real”. Perdendo de vista o poder e a eficácia dos meios de graça, geralmente escolhemos um ou mais raios da roda do evangelho e o tornamos o eixo central. Se isso acontece, sai de perto, porque, aí, a roda de fogos fica louca e espalha brasa para todo lado, queimando crentes “impossíveis” e possíveis. No entanto, dá para saber se a foguetada é ou não de confiança.
Entre os primeiros estão os buscapés do misticismo que se apresentam de diferentes formas. O Deus transcendente e imanente (no sentido de que é a essência da criação) ora é visto como o “Deus de longe” ora como o “Deus de perto”, atraído ou apreendido em êxtase ou contemplações, e liberado em termos de sinais e maravilhas. Certamente Deus é Deus de perto e de longe (o corinho está errado) e fica-lhe bem o louvor, mas o louvor não salva – quem salva é Cristo, aquele que liberta o louvor (Hb 13.15).
Depois, vêm as salveiras religiosas: igrejas tradicionais, do tipo que promove campanhas de despertamento, convites para o culto etc., e igrejas modernas, do tipo amigável ou de propósito ou de sucesso (não tenho nada contra o propósito de glorificar a Deus, mas sim, contra o propósito de só ter propósito). Com efeito, a igreja reunida dá testemunho da fé, o culto é evangelizador, e Deus quer que a igreja cresça, mas não é o poder da igreja que anuncia a Cristo; antes, a igreja é que tem de anunciar o poder de Cristo (Mt 28.18-19).
Então, vêm as baterias de técnicas de evangelização. Missões se tornaram rojões de um só tiro, um fim em si mesmo. O “ide” substitui o “indo” do texto original da Grande Comissão. Vale mais “ir” do que “como ir” de modo digno da vocação (Ef 4.1). “Plantação de igreja” segue o padrão de um só missionário modelando igreja para culturas que sequer discernem fogos de artifício de queimada no mato. O bom método de igrejas modelando igrejas cedeu lugar para espoleta “missionária”. Do ponto de vista individual, as reduções do evangelho a formas sintéticas (quatro leis, testemunho pessoal, etc.) deveriam ter um conteúdo substancial mínimo do conhecimento da Palavra: quem é Deus; qual é o fim principal do homem; qual seu problema; qual é vontade divina revelada na Bíblia; quem é Jesus e qual é a totalidade da sua obra – encarnação, vida de obediência, morte, ressurreição e ascensão – qual é a obra do Espírito Santo e qual é o papel da igreja na adoração de Deus e sua glorificação diante do mundo. Mas, mesmo assim, o cumprimento da Grande Comissão, com toda a sua importância, ainda não é o ponto central.
Com efeito, há um espetáculo (1Co 4.9) que inclui todos os bons artefatos pirotécnicos, e sem explosões de vaidades. Essa é a apresentação do evangelho que vivemos de modo coerente com o evangelho que pregamos; é o programa da igreja que é a própria vida da igreja. O evangelho que as igrejas reformadas deveriam guardar e anunciar é um de Verbo e Vida, Cristo, traduzido em nossas palavras e vidas. Ele tem o elemento sobrenatural, o Deus de longe e de perto, Senhor e Pai, a quem adoramos em espírito e em verdade; tem uma apresentação da igreja em adoração no culto familiar e público, com hinos e cânticos espirituais, pregação da Palavra e comunicação de graça; e tem um aspecto do esforço obediente para “indo” de modo digno da vocação, pregar o evangelho de Cristo a todos os homens, fazer discípulos dos que são chamados para seguir a Cristo, batizá-los na fé e na comunhão dos santos, treinando-os aqui e agora para viver a vida eterna na terra e para os céus.
Todos os fogos juntos são o meio para a pregação e para o crescimento na fé e da fé. O começo e o fim estão em Deus. De nada adiantará ser bom pregador evangelista, de púlpito, de televisão, de estádios e daí em diante. De nada adiantará também orar como quem tem de convencer Deus a salvar o pecador. Foi ele quem os amou e criou e chamou; quem nos amou; e quem convence, persuade e constrange o coração. Foi Cristo que morreu e ressuscitou; e nós somos seus embaixadores, cartas vivas, bom perfume, brilho celeste.
Aqueles a quem vamos com o evangelho – por mais que se mostrem entusiasmados com sinais e maravilhas, e se encantem com o acolhimento na igreja e com a exuberância das bênçãos que reluzem no testemunho pessoal – precisam ver a Cristo. Ele se revela em sua Palavra para despertamento da fé, para justificação e santificação. Se o Espírito não traduzir a pregação do Evangelho, ninguém entenderá nossas estratégias e técnicas; e se o Espírito não operar em nossa fala e vida (discurso e comportamento), ninguém nos ouvirá sinceramente nem desejará ser o que dizemos que somos.
Concluindo, somente o evangelho de “Cristo em nós” e “nós em Cristo” poderá atingir a rebeldia do coração que se opõe a Deus, a reversão dos pensamentos humanistas que trocam a verdade pela injustiça, e a inversão dos papéis em que o homem é o centro da religião e, Deus, um mero atributo. Esse é realmente um evangelho implosivo.
Wadislau Martins Gomes