segunda-feira, dezembro 19, 2011

CONCORDÂNCIAS


Beth recebeu da tia, Cynthia, um pacote de livros, “de uma bibliófila a outra”. Com o carinho que lhe é próprio, a tia enviou junto um livreto, uma concordância do Novo Testamento datada de 1844 e com o nome da proprietária original em esmerada escrita: C. F. Watkins. O livro veio acompanhado de uma cartinha curiosa.

Tupper Lake, NY
July 23, 1937
Querida Cynthia,
Um pequeno livro está chegando para você, hoje, pelo correio. Não é especialmente bonito, e não tem nenhuma figura ou diálogos que o faça interessante. O que o torna significativo, no entanto, é o nome de sua trisavó, a quem o livro pertenceu. Ele teve grande valor para ela, pois a ajudava a achar os lugares que ela desejava ler na Bíblia.

Seu nome era Cleópatra Frissell Watkins. Sua filha recebeu o nome de Hyla Cleópatra Watkins, a qual foi sua bisavó. O filho desta foi Byron Franklin Stowell, seu avô. O filho dele é Austin Lovett Stowell, seu pai. E você é sua pequena filha, a primeira a portar o nome Watkins depois de muito tempo. Quem sabe, poderá ser a sua trisneta quem o receba, de novo, a uns cem anos de agora.

Tudo isso é meio confuso, no momento, para uma pequena garota, mas você cresce rápido, e eu espero que se alegre com a posse deste livro porque o nome Watkins pertenceu a tantas pessoas queridas.

Nós nos alegramos ao ouvir que vocês se mudaram para a nova casa. Espero que vocês estejam bem e contentes nela, e que Ela seja o lar dos Stowell por muitos e muitos anos.

Hyla e eu estaremos partindo em duas semanas em viagem para a China, do outro lado do mundo. Por favor, transmita nossa afeição ao seu pai e sua mãe, e a todos um o desejo de um lar feliz.

Sua tia avó,
Ada Stowell Waters


Ada, a signatária da carta, foi casada com o Rev. Dr. Phillip M. Waters, pastor metodista e por muitos anos Presidente do Gammon Theological Seminary, em Atlanta, Geórgia. O casal teve três filhos, Phillip (que foi pastor em White Plains, NY), Florence (que foi missionária na Índia) e Hyla, também conhecida como Hyla Doc, graduada em filosofia e em medicina, que foi missionária na China e na Libéria.

Os livros Hyla Doc: Surgeon in China Through War and Revolution, 1924-1949 e Hyla Doc in África, 1950-1961, organizados por Elsie H. Landstrom são preciosidades para instrução e inspiração missionária.

Certamente a importância do livro está mais na ferramenta para ler a Bíblia do que em nomes de família. Não obstante, nomes são importantes, tanto os da Bíblia quanto os nossos. E é aí que eu entro na história. Há umas duas décadas, implantando uma igreja nos EEUU em um esforço conjunto de oito diferentes etnias e denominações que dividiam um mesmo local de culto, eu conversava com o pastor paquistanês. Falando sobre sua experiência com Jesus, ele contou que seu pai havia sido convertido ao evangelho por instrumentalidade de um tal Dr. Waters.

Wadislau Martins Gomes

sexta-feira, dezembro 16, 2011

COM OS QUE CHORAM E COM OS QUE SE ALEGRAM


De vez em quando faz bem sentir o peso da existência. Como disse o sábio: “Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração” (Eclesiastes 7.3). Poderá parecer que o próprio coração, ansiando sentimentos celestes, aperta os olhos da gente para trazer vida a um ou outro desses desertos terrenos. No entanto, são coisas que vêm de cima, do Deus bondoso, que na mó da disciplina prepara o alimento da alma. Nele, há sempre uma promessa que conforta, consola e anima. “Ao anoitecer, pode vir o choro, mas a alegria vem pela manhã” (Salmo 30.5).

Mesmo sabendo essas coisas, a experiência é dura. Quanto a mim, quando são minhas as disciplinas e dores, eu encho o peito, reteso os músculos e sigo em frente nos joelhos e nos pés. Mas quando são as aflições de queridos, o desejo é de carregar o peso, sofrer os cascalhos do caminho, pensar seus ferimentos, minorar as dores. Mas quê? Minhas mãos não vão além do meu coração nem meus pés vão além da minha vista. Sequer pude prover para minhas necessidades, que dizer sobre as dos outros. Graças a Deus por Jesus que suportou nossas dores e nossos pecados levou sobre si (ver Isaías 53).

Uma visão diferente

Um homem, entre sério e divertido, pouco vê do mundo aparente. Sofre dores e cuidados que sugariam a visão de vida de outros menos fortes. Muitas vezes, não se sente em casa no lugar para onde volta do trabalho ou peregrinações, com os olhos em lugares mais amenos. No entanto, o coração se alegra na amada, a fiel e zelosa, e nos filhos que gemam caminhos e carinhos. Os olhos da mente ágil vêem luz e sombra e cores, composições de arte, e buscam caminhos mais belos, mesmo que mais longos. “Lembra, pais, na fazenda, quando ao cair da noite você ia acendendo as luzes do interior da casa? Pois vou fazendo o mesmo.” E eu o vejo guardado sob os olhos do Senhor.

Um pensamento diferente

Uma senhora, entre esperançosa e pragmática, teve de aprender a pensar de muitos modos. Depois de dores de partos e de alegrias de ver os filhos nascidos, ainda guarda sofrimentos que teriam roubado a fé a mulheres mais fracas. O brilho do primogênito molha os olhos com sentimentos de sadio orgulho. A ternura do meado traduz extrema alegria que convive com um pensamento de diferente brilho – de cuja luz só Deus conhece os meandros. O caçula, devolvido das águas como que por milagre, arranca soluços e risos da memória. Nem sua enfermidade nem a doença maligna do companheiro nobre puderam derrubar o duro cepo plantado junto à boa água. E eu a vejo guardada no entendimento do Senhor.

Uma experiência diferente

Um homem, entre destemido e desafervorado, experimentou vitória e derrotas nas próprias lutas e nas do Senhor. Conheceu o bem e mal e a ambos entregou ao Senhor de sua vida. Viu suas palavras boas levantarem causas e pessoas, e viu suas palavras mal contidas escaparem ao controle de suas mãos. Viu palavras verdadeiras serem transformadas em armas da mentira, viu a morte de perto várias vezes – e em tudo se enfraqueceu para que o Senhor lhe fosse por escudo e fortaleza. A esposa, amiga de embates e triunfos, e os filhos que se fazem bênçãos, testemunham-lhe o espírito perdoador. Eu o vejo experimentando o caráter de Jesus.

Se pudesse, daria meus olhos, meu entendimento, cada fibra do meu ser, para que meus filhos tivessem vida calma e tranquila, manhãs de sol, mesas postas e sono pronto. Mas como sei que nossa parte da herança de Cristo, uma riqueza infinita de bênçãos nos lugares celestiais em Cristo, inclui aflições com bom ânimo (João 16.33), rogo a Deus que me permita cumprir aquilo que posso: “Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram” (Romanos 12.15).

Wadislau Martins Gomes

sábado, dezembro 03, 2011

JÁ LHE OCORREU QUE VOCÊ PODE ESTAR ERRADO?

O Pastor Ed René Kivits negou qualquer associação com o teísmo aberto. De modo geral, ele disse duas coisas: que crê que Deus é eterno (supratemporal) e, portanto, conhece o futuro, e que também não acredita em um determinismo. (http://noticias.gospelprime.com.br/ed-rene-kivitz-diz-que-teismo-aberto-e-uma-besteira/). Para uma fala rápida em um momento informal, o pastor Kivits realmente “mandou ver” – mas, ainda assim, a coisa não é tão fácil, e nesses assuntos, uma autossuspeita sadia é um santo remédio. Cá para nós, depois de ter dado nó nos neurônios, vai um nó na língua: antes de dizer que alguém é isso ou aquilo, utilizando palavras de contacto (como determinismo, processo etc.), deveríamos obedecer à direção de Deus, de examinar pessoalmente para ver se os fatos são reais, pois as possibilidades são muitas.

No entanto, gostei – especialmente depois de ouvir um zunzum sobre esse tal pretenso “namoro” com o deus da moda – apesar de eu ter ficado com um ruído na cabeça. Afinal, como é que fica uma soberania que não determina. E onde ficam textos como “determinado desígnio de Deus” (Atos 2.23), “todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas” (Hebreus 4.13), “tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade” (Atos 1.7), e “... eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Isaías 46.9-10)?

De início, há o ponto do estabelecimento do campo da discussão. Sempre que partirmos de uma perspectiva para a totalidade (p.e., de um ponto de vista apenas moral ou social, econômico, psicológico) acabaremos mais é com torcicolo. Para falar de Deus, teremos de abordar a questão a partir da fé (resposta do homem à revelação), senão estaremos falamos de algo que pressentimos sem jamais poder assegurar (ver Hebreus 1.1,3,6). Com efeito, só o pensamento de uma fé em Deus já pressupõe uma revelação; de outro modo, como saber o infinito invisível? E não poderá ser qualquer revelação, mas uma interpretação do próprio Deus acerca de si mesmo, do homem e do mundo, possível de ser entendida e documentada a fim de possibilitar concordância – isto é, a Bíblia.

A Bíblia apresenta a Deus como sendo eterno, infinito, todotudo, causador não causado, que basta a si mesmo, e criador de toda a realidade; um Deus transcendente e imanente e, ao mesmo tempo, o sustentador de toda a realidade. Especialmente, a Escritura diz que ele é bom e justo. Mas daí vem uma pergunta: como é que um Deus bom “criou” ou permitiu a existência do mal? Bem, aqui vai uma ideia que não deverá ser considerada como declaração teológica, mas como abstração teórica. Como disse Francis Schaeffer, o mal não tem existência própria, mas deriva-se do bem quebrado. O bem, sim, tem existência própria na própria essência do Criador. Portanto, O mal é o bem quebrado.

Considere isto: o mundo não poderia ter sido criado “dentro” de Deus, pois seria impossível haver dois eternos infinitos nem quebrar a unidade e pluralidade divina a fim de comportar outra existência idêntica. Não poderia também ser criado “à parte” de Deus, pois não haveria essência que o mantivesse. O mundo certamente foi criado fora de Deus e menor do que Deus. Ora, Deus é bom, o único bem, e qualquer coisa que não seja Deus terá de ser, por natureza, menos do que bem e, portanto, passível de ser mau. (Difícil de entender? Imagine um espaço único, em que tudo partilha o mesmo cenário; quando um muro é erguido, o espaço é dividido, apresentando dois cenários. “Pegou”?) Enquanto “em Deus”, o mundo usufruía o bem do criador e sustentador de todas as coisas; “sem Deus” (isto é, na intenção do coração, pois nada há que fuja ao controle de Deus), o bem se rompeu no não bem, isto é, o mal.

Não obstante, as trevas não prevaleceram contra a luz da soberania de Deus. O mal não significou embaraço para o bem, mas, sim, a realização do propósito divino de revelar a totalidade do bem àqueles que por um pouco foram feitos menores do que deuses (Salmo 8).  No pacto interno da Trindade, Deus havia planejado realizar o que, para nós, é impossível: criar um novo ser segundo sua própria natureza – a suprema vitória do bem!

Como? Deixe-me fazer uma digressão. Poderia Deus criar uma pedra que ele mesmo não pudesse levantar? Para nós, a quem possibilidade e fato são elementos excludentes, a resposta será: Não. Contudo, para o Deus eterno, criador, não há restrição entre fato e possibilidade, pois sua vontade se sobrepõe não apenas ao tempo e espaço, mas a qualquer contingência. Pela sua palavra, Deus pode criar a pedra e, pela mesma palavra, carregá-la. Assim, voltando ao como: Deus criou o homem menor do que ele mesmo e, mediante a obra redentora de Cristo (encarnação, vida de obediência, morte, ressurreição e ascensão), elevou-o à participação em sua própria natureza (2Pedro 1.4). Portanto, o que recebemos de Deus é o bem e não o mal. O que recebemos de Deus é a graça que justifica a maldade do ímpio.

Essa dificuldade para entender as coisas de Deus na relação com o homem e com o mundo está em que nós, seres finitos e temporais (e ainda por cima decaídos), só podemos pensar em termos duais de fato e possibilidade. Não compreendemos naturalmente um ser para o qual fato e possibilidade sejam modos imediatos. Por exemplo, para nós, seres singulares, ou estamos sentados ou em pé. Para o Criador, contudo, que é eterno infinito, um e muitos (Trindade), estar “sentado” e em “pé” é uma prerrogativa de sua vontade.

Outra dificuldade é entender que não há dois seres com a mesma realidade, isto é, Deus e nós. A Bíblia diz que Deus é o ambiente do homem (Atos 17.25-28). Noutras palavras, o EU SOU encapsula o que somos. Para ilustrar, imagine um grande círculo que compreenda toda a realidade criada, tempo, espaço e matéria: Deus, como criador, está fora desse círculo e, ao mesmo tempo, em controle, presente e com autoridade sobre ele. Nós, como criaturas, estamos dentro do círculo e sujeitos aos propósitos do Criador. Assim, não existem duas vontades soberanas, mas uma vontade divina superimposta ao círculo e toda abrangente, e, outra, humana, sujeita às normas, situações e dramas existenciais sempre em referência à primeira (teorreferência). Agora, imagine que dentro do círculo, sob a vontade de Deus, perpasse um cabo com miríades de fios, representando as possibilidades da nossa vontade. Para Deus, um mínimo fio de cabelo, mas, para nós, um potencial de liberdade que jamais conseguiríamos usar. Todos os fios da história estão controlados e todos seguem a mesma direção, para o propósito final de Deus.

Onde o segredo? Deus o revelou a Jó, no exercício de sua vontade soberana e pactual: “Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Dize-mo, se tens entendimento. Quem lhe pôs as medidas, se é que o sabes? Ou quem estendeu sobre ela o cordel? .... Acaso, anularás tu, de fato, o meu juízo? Ou me condenarás, para te justificares (Jó 38.4-5;40.8)?” A própria conversa de Deus com Jó aponta para o seu desígnio de redimir a vontade limitada do homem para a conformação com sua vontade infinda. (Veja Romanos 12.1-3 e Efésios 3.8-12).

Wadislau Martins Gomes