Muitas vezes os melhores chefs
são os homens, mesmo aqui em casa, mas, geralmente, quando vamos decidir o que
preparar para um jantar especial, cabe a nós mulheres a compra, o preparo e a
apresentação. Divido com minha nora o prato principal. Valente, apesar de uma
mão costurada e imobilizada Adriana assou um chester e uma verdura gratinada. Felizmente, meus netos se
encarregaram de preparar um pavê delicioso e mais algumas guloseimas.
Lembrei de uma conversa sobre o cardápio para a ceia alguns anos atrás:
era bom ter romã entre as frutas, e não pode faltar lentilha—as moedinhas
garantem prosperidade para o ano.
(Os judeus fazem rodelas de cenouras cozidas em suco de laranja e açúcar
mascavo: suas moedas são maiores e doces!) Sou contra usar o formato do
alimento para prognosticar um futuro próspero, ou as cores vestidas (o clássico
branco para muita paz, vermelho para uma nova paixão, amarelo para atrair mais ouro).
Ficaria contente se nosso pezinho de romã já estivesse produzindo grandes
frutos que, partidos, parecem centenas de rubis para enfeitar uma boa salada de
frutas. Mas resolvi fazer lentilha, porque tinha meio pacote em casa e isso faz
excelente acompanhamento ao cordeiro ensopado e cuscuz marroquino com
aperitivos de falafel que preparei.
É costume fazer uma boa faxina antes de casa e gente ficarmos arrumados
para a festa, e não deixar itens pendentes de um ano para outro. Desde pequena,
minha família participava do culto de vigília nas igrejas por onde passamos, e
tenho lembranças doces dos propósitos e decisões que esses cultos
proporcionavam. Lembro de muita gente que só pisava na igreja na páscoa, no
Natal, e no “Ano Bom”. Isso garantia que Deus abençoasse para o ano, diziam. Hoje
nossa igreja se reúne em hotel e não temos o horário de ceia e vigília, e
muitos aproveitam o feriado para zarpar para longe. Vamos ter o culto normal do
Dia do Senhor às dez da manhã, ainda que outros desistam de ir para não ter de
“madrugar” no domingo. Lembro-me, com embaraço, de cultos de vigília em que
recebíamos folhas de papel em que escrevíamos umaa lista de pecados que
queríamos que Deus perdoasse, queimando-os para simbolizar o recebimento do
perdão. Outra vez em culto semelhante, listávamos as pessoas que nos magoaram e
queimávamos, perdoando uns aos outros. Lembrava muito os cultos da fogueira nos
acampamentos, em que, jovens, colocávamos gravetos no fogo simbolizando a
entrega de nossas vidas em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus.
Com o passar das
gerações, muitas pessoas, crentes e descrentes, foram acrescentando costumes,
alguns bons (como é bom louvar a Deus em todo tempo, e passar a “virada” em
oração), outros inócuos (o tipo de roupa ou comida, por o pé direito para
frente para dar o primeiro passo, desejar felicidade e bem estar ao próximo,
listas, fogueiras etc.), outros até brincando com as coisas do maligno (se
banhando sete vezes ou dando sete saltos sobre as ondas do mar—ué, essa é do
candomblé—não foi o que o profeta Elias mandou Naamã, o capitão do exército da
Síria fazer?).
Estamos na gangorra
de guardar dias, meses e anos de modo negativo, como Paulo mencionou em sua
carta aos Gálatas (4.19), ao mesmo tempo em que Deus nos manda aprender a
contar nossos dias para encontrar coração sábio (Sl 90.12)—e o próprio Deus é
quem “Coroa o ano da tua bondade; as tuas pegadas destilam fartura” (Sl 65.11).
Descobrimos que a contagem do tempo, dos dias, meses e anos pode ser um
exercício em piedade e contentamento, ou de amargura e incredulidade. Depende de
como vemos nosso tempo coram deo. Ao
iniciar o seu ministério terreno, Jesus declarou que apregoava o ano aceitável
do Senhor, pois “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para
evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e
restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos...” (Lc
4.19)
Do mesmo modo como aprendemos a administrar o espaço onde Deus nos
coloca, temos de aprender a administrar o tempo que ele nos dá. Lembranças do
passado podem ser pensadas e resgatadas, sonhos para o futuro são parte de
nossa esperança criativa, mas o tempo que se chama hoje é o tempo que temos
agora para viver conforme a vida tem de ser vivida. Hoje é tempo de louvar a
Deus. Hoje é tempo de engrandecê-lo, quer pela vida quer pela morte.
Que em 2017 tudo seja para a glória daquele em quem confiamos e
confiaremos a cada ano, década, século, por toda a eternidade.
Elizabeth Gomes