terça-feira, julho 26, 2016

O QUE GUARDAMOS DESSES TEMPOS?



No dia quinze de julho, seis anos se passaram da morte de minha mãe. Agora, no dia quatorze de julho, 83 pessoas que gozavam o feriado nacional, em Nice, na França, foram atropeladas e mortas por um caminhão em mais um ato terrorista muçulmano. Outra centena de pessoas ficou ferida. No dia 11 de setembro de 2001, as torres gêmeas da cidade de Nova York foram atacadas por aviões suicidas, e mais de 3000 pessoas morreram em decorrência desse ato infame de terrorismo. Mais pessoas morreram ainda nos ataques coordenados a um avião e ao pentágono. Nos anos desde então, o mundo viu ataques terroristas a maratona em Boston, na França à editora de Charlie Hebdo, a supermercado kasher, a sinagogas, a boates e restaurantes, na Espanha, na Turquia, na Alemanha, em Orlando, em um parque no Paquistão, na Nigéria, em lugares sem conta e sem definição de raça (mas sempre vociferando contra o cristianismo). A maioria européia é pós-cristã, mas está sendo morta sob o nome de ‘cristãos’. Muitos estão temem de que as olimpíadas no Rio de Janeiro venham a ser outro cenário de terror, e outros muitos devolvem os ingressos que compraram para os jogos. E ainda existem milhares de pessoas no mundo que estão sendo atacadas e mortas por sua fé cristã.
A primeira data, o descanso de minha mãe, teve grande impacto sobre mim e minha irmã, sobre centenas de amigos e familiares, e pessoas que receberam seu aconselhamento e suas orações. Muitos missionários e obreiros sentiram a perda de uma mulher de Deus que em 86 anos tocou muitas vidas com o amor de Jesus. Mas não foi uma perda nacional ou internacional. Mamãe estava preparada para estar com Jesus—às vezes almejava ir e não sofrer ou ver mais o sofrimento de pessoas a quem amava aqui no mundo. Eu sinto sua falta, mas já a sentia antes, morando longe e só podendo visitar raras vezes e por pouco tempo. Mas não esqueço a data e, embora eu não estivesse ali no momento em que ela caiu ao atravessar a sala para pegar o aparelho de audição, guardo na memória cada detalhe que me foi relatado. Quero me lembrar, tintim por tintim, porque a história preciosa, recontada, marca minha condição de cristã madura, esposa, mãe e avó, com um vago sentimento de orfandade que se instalou. A minha cabeça até hoje vai cantarolando o Negro Spiritual norte-americano: “Sum’times ah feel like a motherless child’... a long way from home”.
Na verdade, ataques a gente comum, homens, mulheres e crianças, a homossexuais, a judeus, a cristãos, a pessoas de todas as raças e tribos, têm acontecido ao longo da história —desde que cometem o crime de serem “infiéis a Allah”. Infelizmente, muitas perseguições foram perpetradas por “cristãos” contra outros cristãos, judeus, e muçulmanos, na Inquisição. Um médico cristão que dirige o museu da inquisição em Belo Horizonte disse-me que um em cada três dos colonizadores do Brasil eram “novos cristãos”—judeus ‘convertidos‘ à força pela igreja católica romana sob pena de morte. Anda hoje conhecemos gente que viveu o holocausto na Alemanha e Europa Oriental. Ontem morreu um dos mais lúcidos pensadores forjados em Auschwitz e Buchenwald: Elie Wiesel. Eu convivi com um casal querido que foi vítima em Auschwitz e viu muitos dos seus familiares morrerem nos fornos. Hugo e Carole Rosenau se tornaram grandes amigos nossos, em Philadelphia, abençoando nossas vidas. No começo do século XX, os turcos realizaram o maior genocídio de armênios de toda a história, conforme testemunhou uma querida senhora, em Jaú. Ouvimos de gente perseguida na África, Ásia; e mesmo na América. A face da Europa está sendo mudada pela entrada de milhares de imigrantes refugiados, e vemos situações antes de ajuda e apoio tornando-se lugares de ódio e vingança.
Grande parte de nossa nação foi formada por estrangeiros—imigrantes, refugiados, perseguidos em outro lugar, que encontraram lar amigo aqui. Mas como no mundo inteiro, o Brasil está ouvindo vozes de ódio, e muitos atendem a esses sentimentos avessos que se manifestam desde ‘pequenos incidentes’ de preconceito até grandes perigos de terrorismo em massa.
Eu e você somos chamados a guardar na memória dias, meses e anos. Dias de graça, dias de fúria. Dias corriqueiros que só os mais próximos da pessoa ou do evento se lembrarão. Dias singulares que mudaram o curso da história. O tempo para quem passou dos cinquenta (ou sessenta, ou mais...) voa e não passa. Não temos tempo de fazer metade do que pretendemos realizar; temos tempo de sobra para remoer o que está errado nessa vida debaixo do sol. Comecei a escrever esse blog no dia que lembrava a morte de minha mãe. Ontem, quando retomei o assunto, as redes sociais comemoravam duas efemérides: Dia dos Avós, e Dia do Escritor. Participo das duas bênçãos: sou avó de sete netos, e escritora com sete livros publicados. O primeiro “dia” que alguns guardam me enche de orgulho humilde—aquele orgulho de gratidão, de saber que não fizemos por merecer, mas que a graça fez tudo. O segundo me humilha. Sou grata por ser, como o é meu marido e companheiro de vida, escritora. Mas sou humilhada pela imensidão de coisas e assuntos sobre o qual devo meditar na Palavra e escrever para gente que luta, como eu, para entender o que Deus quer de mim (de você). “Não há limite para escrever livros...” diz o Pregador—no entanto, sonho e me esmero por escrever algo que faça diferença em minha própria vida, e na vida dos que lerem. Frustro-me ao ver tão poucos lerem (até os que, orgulhosos, compram nossos livros e postam dizeres sobre eles, muitas vezes só passaram os olhos—não os leram, não os digeriram!). Tão poucos investirem o tempo e o cérebro para aprender mais da Palavra de Deus e aplicar essa Palavra em palavras que enriquecem o coração e a mente. E tenho de admitir que minha maior necessidade é aprender a guardar no coração o Livro-mor.
A Bíblia adverte a não guardar dias, meses, tempos (Gl 4.10) como leis que dominem o tempo e a hora em que estamos vivendo. Ao mesmo tempo, está cheia de advertências para guardar: guardar a boca, a língua, guardar o Dia do Senhor, guardar os preceitos, guardar o bom depósito, guardar os pés, guardar-nos do fermento dos fariseus, guardar-nos firmes, guardar a confissão, guardar-nos dos ídolos, guardar o amor e o juízo. Na minha chave bíblica, encontrei 121 referências bíblicas sobre guardar—o que me lembra o Salmo 121, que fala ainda de quem nos guarda: O Senhor é quem te guarda... guarda tua entrada e tua saída, agora e sempre! E o compilador de provérbios lembra o que engloba todos esses guardados:

Sobre tudo o que se deve guardar,
guarda o teu coração,
porque dele procedem
as fontes da vida. (Pv 4.23)

Elizabeth Gomes