terça-feira, dezembro 25, 2012

O TEMPO PASSA, O TESTEMUNHO FALA

Maria do Carmo de Souza, Casa Branca, SP, 1934

“Aos seis, um ano demorava 1/6 da vida para passar; hoje, vai a 1/67... eh! passou: 2013 vem aí!” Eu ia assim, no trem da vida vendo passarem postes, pastos, casas, e coisas antigas, quando dei com uma nota no Estandarte (http://interdocs.com.br/ipibdig/oestandarte/digital/1935/ano_43_n20_21-07-1935.PDF) sobre o falecimento de minha bisavó materna, que me fez pensar no valor que Cristo concede à nossa vida. Segue como se escrevia:

Repousando

Cada um na sua ordem, um dia; uns mais cedo, outros mais tarde, todos voamos rapidamente, atravessando a vida como um sonho. Saindo eu de Assis a 22 de maio findo, vinha a esta cidade para tratamento de minha saúde, devido a uma machucadura em viagem perto de Presidente Prudente. Esperava, logo que melhorasse, ir até o Rio, e, voltando, chegar a Casa Branca especialmente para visitar minha parente enferma, d. Carminha [Maria do Carmo Coelho Barbosa], que sofrendo da paralisia se achava presa ao leito há quasi dois anos. Entretanto, peorando o meu estado de saúde, fiquei preso ao leito até hoje, recebendo a noticia do passamento de d. Carminha, a 19 do corrente, em Casa Branca, onde residia, em casa do seu genro, prof. Cornelio Martins. Conheci-a ainda menina e assisti em Dois Corregos ao seu casamento juntamente com o de sua irmã Idalina, já falecida; desposaram dois distinctos irmãos, Antonio Coelho Barbosa e Jeronimo Martins Coelho Barbosa, já falecidos. D. Carminha era filha de nossos irmãos Francisco Mendes de Souza e d. Benigna Lima Barboza, descendentes da família Oliveira Horta, de Socorro. Era prima da minha saudosa esposa que nos tempos da mocidade se chamava Maria Santana. Era sogra de meu filho Calvino Ferraz, casado com sua filha, Leonor Barbosa Ferraz, e de minha filha Edith, casada com seu filho, sr. José Coelho Barbosa. Ligada assim por laços de parentesco e comunhão de crenças religiosas tão estreitos, e possuindo um carater cristão bem comprovado na sua resignação e paciencia e no amor e dedicação para com todos que a conheceram, seria impossivel deixar de traçar estas ligeiras notas, apreciando c traço luminoso de sua curta existencia. Era uma verdadeira santa. Descansa agora dos seus sofrimentos fisicos e certamente foi poupada de outros sofrimentos e apreensões de um mundo instavel, onde tudo parece escuro e ameaçador. Ela desfruta a realidade do que Cristo disse: "O que crê em mim não morrerá". Oxalá possam todos os seus orar como o Salmista: "Ensina-nos a contar os nossos diasde tal maneira que alcancemos um coração sabio". Sal. 89:12. Corações sabios! Saber viver ê saber morrer. Desprender-se alguem desta vida em paz com o seu Deus, eis a verdadeira sabedoria. Na hora do seu passamento, ás 19,15, no templo, a igreja reunida para o culto entoava o seu hino predileto: "Vai, alma tristonha, teu pranto depôr, entrega os cuidados aos pés do Senhor". No seu sepultamento oficiou o rev. Daniel Moraes. Por nosso intermedio a familia agradece a igreja de Franca as manifestações de simpatia durante a longa enfermidade e por ocasião do passamento da querida irmã. Queira o nosso bom Deus consolar os seus queridos com a fé sublime do Evangelho de Paz.
S. Paulo, 24 de junho de 1935.
Belarmino Ferraz

Continuando minhas divagações senio-infantis (gostou?), quase pensei: “Eu, cá na meia idade, vivo pelo menos até os 134 – quero ver se alguém, em 2080 poderá dizer que eu fui chamado, ‘possuindo um carater cristão bem comprovado na sua resignação e paciencia e no amor e dedicação para com todos que a conheceram’”.
 
Feliz 2013!
 
Wadislau Martins Gomes

domingo, dezembro 23, 2012

VENI EMMANUEL, CAPTIVUM SALVE ISRAEL!


Está chegando o dia em que celebramos o nascimento de Jesus Cristo e, ao ler mensagens de amigos do mundo inteiro, não posso deixar de ler nas entrelinhas o sofrimento de muitos deles. Talvez uns dez (que eu saiba) estejam enfrentando a dor da descoberta ou difusão de um ou muitos cânceres. Cansados de diagnósticos e tratamentos, de desejos de vitórias e curas, alguns, como Jó, glorificam a Deus afirmando “Sei que meu Redentor vive” e trazem ânimo e alento para outros irmãos. Outros não sabem nem por onde começar a pedir misericórdia ao Pai de Amor.

O período de festas é também um tempo quando muitos lembram as carências: um casamento rompido, uma amizade ferida, uma igreja em lutas internas e externas.

Eu me lembro de um 25 de Dezembro, há anos, quando fomos passar a festa em Araras, com os pais do Lau, e encontramos a casa vazia e a empregada respondendo à nossa pergunta sobre onde estavam, com um lacônico: “No hospital”. A paleta de carneiro que eu preparara e os cookies ficaram em cima da mesa, os presentes que trouxemos ainda no carro. Fomos direto ao hospital que testemunhara o nascimento de nossos filhos e tantas surpresas agradáveis. Ali encontramos Da. Eulina junto ao leito do sempre alegre – agora mudo – Sr. Wadislau. Com os familiares estava a vigília: longa e entediante, intercalada com chegada de diversos parentes amados que vinham à medida que sabiam da notícia.

“Que ele viva – ainda que tenha de ficar de cadeira de rodas!” foi uma súplica a Deus. Mas Deus escolheu levá-lo, fazendo-o viver numa esplendida eternidade sem dor, na presença do Senhor da Vida – no dia em que fazia aniversário – 26 de dezembro; sua partida partia nosso coração, mas ele foi em paz. Em vez de “Noite Jubilosa”, cantamos seu coro predileto: “Que a beleza de Cristo se veja em mim / Toda sua admirável pureza e amor...” e vimo-lo partir, calmo, sereno e tranquilo. Minha querida segunda mãe perdera o companheiro de quarenta e seis anos – “Queria tanto fazer bodas de ouro!” ela suspirava. Meu companheiro de vida tinha perdido seu melhor amigo na terra. Mas a beleza de Cristo era visível em cada um cuja vida fora tocada pelo Redentor.

Voltando para as cenas do Natal, conforme as festejamos na igreja de Cristo, lembrei-me de que o primeiro deles, junto com o júbilo de anjos e pastores, estava prenhe de pressentimentos. Um cordeirinho em uma estrebaria – para que, afinal, nascia o Cordeiro de Deus que a mãe colocou na manjedoura? Ele se encarnou para dar a vida pelos que estavam mortos em delitos e pecados. Dar vida, não fazendo com que ficássemos apenas joviais e alegres para festejar o infante Jesus, mas dar vida trinta e três anos mais tarde, consumando todo o plano eterno de Redenção sobre uma tosca, horrenda cruz.

A previsão de Simeão, alguns dias após seu nascimento, foi de que esse menino seria “luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo de Israel”. Era a razão pela qual o velho podia agora descansar (podes despedir em paz o teu servo (...) porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de todos os povos: luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo de Israel – Lucas 2.25-38). José e Maria se admiram do que foi dito, mas certamente Maria lembraria por muitos anos a profecia que continuava: Este menino está destinado tanto para ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição, (também uma espada traspassará a tua própria alma), para que se manifestem os pensamentos de muitos corações.

Em Belém, receberam a visita dos sábios da Mesopotâmia que lhe presentearam com ouro, incenso e mirra; e, avisados por um anjo sobre os intentos de Herodes, os magos não voltaram a Jerusalém. A família sagrada fugiu com o Menino para o Egito. A horripilante matança dos inocentes foi o jeito que o mundo se manifestou no nascimento do Rei dos Reis (Mt 2.1-18).

Quando Jesus iniciou seu ministério, aos trinta anos, João Batista anunciou o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. E o evangelista João descreve o relato dizendo: O Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai (Jo 1.14).

Para meus amigos que se alegram neste Natal: Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança (Tg 1.17) – desfrutem, aproveitem, regozijem-se em tudo que há de bom e honesto para se alegrar.

Para meus muitos amigos queridos que sofrem neste Natal – ou em outras épocas festivas da vida, o mesmo Tiago partilha: “Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes. Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida” (Tg 1.2-5).

Quer estejamos em situação de alegria quer em profunda tristeza, neste Natal tenhamos nítida e constante lembrança da razão pela qual Jesus veio ao mundo: “Hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor”.

Em época do Advento, na Idade Média, monges cantavam: “Ó vem ó vem Emanuel / vem resgatar a Israel / que geme em exílio / sem ter de Deus o Filho. / Regozijai! Emanuel virá a ti ó Israel!” Cantamos porque ele veio. Celebramos porque ele está aqui, Deus conosco! E aprendemos a viver contentes em toda e qualquer situação – porque ele nasceu para nos dar fé confirmada: perseverança a fim de sermos perfeitos e íntegros, em nada deficientes!

Glória a Deus e Feliz natal!

Elizabeth Gomes

sexta-feira, dezembro 07, 2012

ESTRANGEIROS, PEREGRINOS, EMBAIXADORES, CIDADÃOS

Nascer do sol em O Refúgio
Você já odiou, desprezou ou zombou de algum estrangeiro? Quando menina, eu tinha o duvidoso status de estrangeira – onde quer que estivesse! No interior de Minas Gerais e depois Goiânia, filha de missionários norte-americanos, cabelo quase branco de milho novo e olhos azuis, tudo dizia que eu não era de lá. Mesmo que tentasse apresentar sotaque e costumes brasileiros, eu era gringa, alemoa, imperialista americana e “da estranja”. Quando, após cada cinco anos em nossa terra adotiva (como papai chamava o Brasil), íamos aos Estados Unidos para as “férias missionárias”, para renovar os contatos com as igrejas mantenedoras, pessoas também me diziam: “Até que você fala bem o inglês para uma brasileira” – quando não perguntavam a minha mãe: “Os nativos do Brasil usam saiotes de capim ou andam nus?” ou exclamavam para meu pai: “Brasil, eh! Então o senhor deve falar muito bem o Espanhol”! Tempos mais tarde, algumas pessoas se instruíram um pouco e indagavam sobre a nova capital do Brasil e as belezas do Rio de Janeiro, do futebol e do carnaval. Havia desentendidos, mal entendidos e entendimentos errôneos em profusão.

Eu mesma não sabia a que pátria pertencia. Pela manhã tinha aulas do curso de língua e cultura inglesa, por correspondência sob a tutela de minha mãe, e ainda atendia a escola brasileira (Ipê, Doze de Agosto e depois Colégio Batista Americano) no resto do dia. Aprendi o “Pledge Allegiance to the Flag” dos USA e cantava “Ouviram do Ipiranga” de mão no peito no hasteamento da bandeira na escola brasileira – sentindo-me cidadã dos dois países. No entanto, nunca fui naturalizada brasileira e tenho um sentimento dúbio quanto à situação de jamais ter votado em eleições no país que escolhi viver. Nos Estados Unidos, só votei uma vez na vida, quando calhei de me encontrar lá em época de eleição presidencial (e já estou na casa dos velhos sessentas)!

Era ainda bem novinha, recém-alfabetizada, quando aprendi o hino: “Sou forasteiro aqui, em terra estranha estou,/ Celeste Pátria sim, é para onde vou. / Embaixador por Deus do Reino lá dos céus,/ Venho em serviço do meu Rei!”[1] Isso amenizou o sentimento de sempre ser estrangeira – saber que minha identidade nacional não é daqui ou dali -- e sim de embaixatriz do Reino de  Deus, o que é incomparavelmente melhor e mais importante. Mas em termos terrenos – afinal, não éramos alienígenas nem estávamos alienados das ocorrências na terra em que Deus nos colocou – sempre olhei com simpatia para os que vinham de fora ou eram “diferentes do povo em geral”.

Encontrei respaldo na Bíblia para a valorização do estrangeiro e peregrino, e na cultura evangélica, muitas referências a essa peregrinação, do Brilho Celeste até Da linda Pátria estou mi longe. Toda a história do povo de Deus era ligada ao fato de “não ser daqui” ou de “ser de lá”, e as leis dadas aos judeus ressaltavam a necessidade de tratar bem ao estrangeiro “pois estrangeiros fostes na terra do Egito” (Lv 19.34) e a realidade é que “Sou forasteiro à tua presença. peregrino como todos os meus pais o foram (Lv 25.23-24; Sl 39.12) – seja qual for minha origem étnica! Tratar mal ao estrangeiro era idêntico a maltratar o órfão e a viúva! (Dt 24.17- 21). Quando Jeremias repreendeu o povo de Judá por perverter a justiça e o juízo, ele disse, pelo Senhor: “livrai o oprimido das mãos do opressor; não oprimais ao estrangeiro, nem ao órfão, nem à viúva; não façais violência, nem derrameis sangue inocente neste lugar” (Jr 22.3).

O Novo Testamento expande a visão do estrangeiro, valorizando a cidadania verdadeira da qual fazemos e somos parte: “embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus” (2Coríntios 5.20). Paulo ainda pede que Deus lhe dê ousadia para falar por ser ele “embaixador em cadeias” (Ef 6.20). Outrora rude pescador, o apóstolo Pedro faz um sensível apelo a uma vida cristã exemplar em razão de nossa condição de peregrinos e forasteiros:

Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma, mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação. Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem. Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos; como livres que sois, não usando, todavia, a liberdade por pretexto da malícia, mas vivendo como servos de Deus. (1Pedro 2.11-16)

A razão principal de um comportamento digno para com todos, porém, é que todos os cristãos “já não são estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus” (Ef 2.19). Em Jesus Cristo, pessoas de todas as tribos, povos e raças virão louvar juntos ao Senhor do Universo – e não haverá mais barreira de língua, cultura, etnia – seremos participantes da “grande multidão que ninguém pode enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas” que se encontram em pé diante do trono e diante do Cordeiro (Ap 7.9). Será uma Internacionale autêntica, singular e única, que inclui a todo ser humano!

 Quando adolescente, eu me correspondia com pessoas de muitos países – Gana, Camarões, Israel, Malásia, Estados Unidos, Suécia – e boa parte da minha mesada era gasta em selos, e meu tempo em escrever para meus pen pals. Hoje ainda tenho amigos de todas as partes, embora os meios de comunicação sejam outros e os comunicadores vão desde missionários, pastores e pensadores até questionadores sinceros, hereges incertos, e debatedores intransigentes. Continuo no ministério santo de servir ao Senhor do Universo e a seu povo por todo o mundo – escrava e embaixatriz, singularmente estrangeira e forasteira, participante de um povo separado, unido em um só Rebanho pelo sangue de Jesus Cristo.

Elizabeth Gomes



[1] Hinário Novo Cântico # 288