Outro dia, postei um artigo, homenageando minha mãe e agradecendo a Deus pelo privilégio de ter e educar filhos no Senhor. Hoje, passo a falar dos que não têm filhos — não por vontade própria, mas por impossibilidade — que poderiam ser pais e não desejam essa responsabilidade. Os que gostariam de ter filhos e não os tiveram, os que lutaram e lutam por uma descendência e, por diversos motivos, só encontram esterilidade, frustração e a perda dos sonhos.
A Bíblia é plena de histórias de esterilidade versus frutificação. Quem não se empolga com as historias de Abraão e Sara, Isaque e Rebeca? Todas as disputas entre Raquel e Lia quanto a gerar filhos para Jacó, sendo que a mulher amada não conseguia engravidar? A familia patriarcal foi formada num ambiente de manipulação e substituições, culminando com morte de Raquel após dar a luz?
Mais adiante, a angustiada Ana pedia um filho enquanto Penina tinha criançada de sobra. Ao ter a oração respondida, Ana entregou o filho, Samuel, ao serviço do Senhor.
O Novo Testamento começa com duas histórias de gravidez impossiveis: uma jovem virgem concebe por obra do Espirito Santo e seu Filho, Deus conosco, faz a historia da humanidade -- e Zacarias e Isabel, estéreis por toda a vida de casados, têm o filho profeta, João Batista.
Já mais de seiscentos anos antes do nascimento de Jesus, o profeta Isaias escreveu:
"Cantai alegremente, ó estéril, que não deste à luz; exulta com alegre canto e exclama, tu que não tiveste dores de parto, porque mais são os filhos da mulher solitária do que os filhos da casada, diz o Senhor..." (Is 54.1) e o apóstolo Paulo cita esse trecho ao falar da fertilidade dos que pertencem à Nova Aliança (Gl 4.27).
Essa passagem fala não apenas a Sião, mas ao coração das pessoas que, através dos séculos, têm amargado a ausência de filhos — casadas, solteiras, de estado civil indeterminado — todos que vislumbraram descendentes que não tiveram.
Hoje vivemos situações diferentes: na geração atual, muitos enxergam os filhos como peso, problema, e estorvo. Não querem casar para não ter filhos; quando casam, querem evitar as atrapalhações de planos individualistas com uma criança que custa caro, exige dedicação e anos de cerceamento de projetos de ser e ter. Conheço casais cristãos que propositadamente negam a si mesmos a bênção de ser pais e deixam para depois que estiverem financeiramente estabilizados e emocionalmente maduros — ou seja, no dia de São Nunca. A realidade é que jamais o casal terá maturidade completa e estabilidade material sem risco de perder. Vão sempre querer mais e viverão sempre a escassez de satisfação.
Por outro lado, há os que são talhados para serem pais e mães, que desejam ardentemente ter filhos com os quais compartilhar e formar a vida, e não os têm. Amam crianças, são sábios e amáveis nos relacionamentos, cuidam dos filhos de outros, mas não tiveram o privilégio de receber das mãos de Deus uma vida sua para cuidar. Alguns nunca conseguiram engravidar; outros tiveram gravidez interrompida. Sei o que é sofrer um aborto espontâneo, mas eu tive o consolo do marido amoroso e três filhos vivos que, por sua vez, tambem geraram vidas preciosas. Existem, porém, casais piedosos que fizeram muitos tratamentos de fertilidade, acompanharam com afinco suas gestações interrompidas, imploraram com fé, e viram suas esperanças frustradas, vez após vez.
Alguns desses se dedicaram a ganhar filhos espirituais — ensinando e edificando outros. São evangelistas de crianças, educadores, cuidadores para a gloria de Deus e alegria de seu povo. Admiro muitas essas mulheres solteiras, mesmo os casais, que desempenham papel de mães (e pais) cristãs sem jamais terem dado à luz. Outros adotam — recém-nascidos, crianças pequenas, adolescentes — dando vida valiosa e enriquecendo o próprio coração, enquanto suprem o coração do filho acrescentado à familia. Hå também lindas familias nas quais alguns há adotados, filhos do coração, juntamente com os nascidos do ventre, igualmente adotados para sempre.
Algumas vezes, um filho "não planejado" é a melhor coisa que pode acontecer à familia -- Deus é soberano e seus intentos são cumpridos com graça e bondade. Embora nós, humanos, não tenhamos previsto a existência de um pequeno ser, Deus o planejou (Sl 139) quando a semente ainda não tinha germinado!
Não podemos interferir na intimidade de um casal ou dizer o que devem fazer -- cada casal é responsável diante de Deus por como sua vida será gerida. O casamento, no entanto, implica em formar familia, em crescer e multiplicar — dois, unidos num só propósito, produzem frutos! Não apenas rebentos — são vidas eternas que mostram a generosidade do Criador, desde crianças até o "para sempre" que desconhecemos. Se possível, no entanto, que tenham filhos, que não temam apesar dos tempos dificeis em que vivemos. Aliás, a tais pequeninos pertence o Reino dos Céus. São portadores da imagem de Deus e, como filhos da promessa, embaixadores da esperança e graça do Rei a quem servimos.
Aos que Deus não deu filhos do ventre, ainda assim têm a missão de servos(as), irmãos(ãs), pais e mães —como Paulo que sofria dores de parto até ver Cristo formado em seus discípulos, cf. Gl 4.19 — poderiam contemplar uma adoçāo de adotar, criar e educar alguém, tal como um discípulo na igreja. Fomos feitos para frutificar. Filhos, concreta ou figurativamente falando, não são produtos de realização para satisfação de nosso orgulho — são pessoas preciosas, com valor eterno em Cristo Jesus. Temos de acolher essas jóias com humildade e graça, sabendo que é tesouro de valor perene.
Elizabeth Gomes