“Persegui os inimigos e os alcancei, os esmaguei e
os pisoteei e nunca mais se levantaram!” (Sl 18.37-38)
A mocidade de nossa igreja cantava este coro com veemência e animação e
por dentro eu me encolhia de vergonha. Certo que era baseado em versículos
bíblicos (Salmo 18.37-38), verdade que o cristão tem lutas e, consequentemente,
inimigos contra quem luta, mas a exaltação guerreira parecia totalmente
contrária ao que Jesus Cristo, Príncipe da Paz, nos ensinou. “Eu não tenho
inimigos,” eu achava. “Haja paz na terra a começar em mim”, cantei no coração.
A belicosidade de muitos crentes por toda história humana é pedra no sapato
em nossa caminhada com Deus, e pedra de tropeço para muitos que observam o nosso
caminhar. Mas tenho de admitir que a Bíblia relata muitas inimizades ferrenhas.
Olhe o que diz a Palavra de Deus sobre inimigos.
A primeira referência a inimizade ocorre na Queda, e foi uma declaração
de Deus à Serpente:
Porei
inimizade entre ti e a mulher, entre atua descendência e o seu descendente.
Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar (Gn 3.15).
Até os dias atuais, existe inimizade entre o descendente
da Humanidade e o descendente da serpente, aquele cobra safado chamado diabo. Inimigos atacam o povo de Deus por todo
lado (Ex 15.6, Lv 26.8, Js 7.12 , Jz
5.31- Js 7.12 , Jz 5.31).
Quando pediram (e coroaram) um rei, Saul, Samuel
relata a história passada de Israel, lembrando que foi sempre o Senhor que era
seu rei (1 Sm 12.11 – 12) e os livrava dos inimigos. Davi, um rei segundo o
coração de Deus, teve uma oportunidade singular de acabar com seu arquinimigo,
mas não ousou levantar a mão contra o ungido do Senhor, mesmo que este o
tivesse enganado e tentado assassiná-lo várias vezes. Perguntou: “Quem há que,
encontrando o inimigo, o deixa ir por bom caminho?” A história é resumida em 1
Samuel 24. Quem sabe ele mesmo ensinou seu filho Salomão, compilador de
provérbios, que “Sendo o caminho dos homens agradável ao Senhor, este
reconcilia com eles os seus inimigos,” (Pv 16.7) e
Quando
cair o teu inimigo, não te alegres, e não se regozije o teu coração quando ele
tropeçar; para que o Senhor não veja isso, e lhe desagrade, e desvie dele a sua
ira. Não te aflijas por causa dos malfeitores, nem tenhas inveja dos perversos,
porque o maligno não terá bom futuro, e a lâmpada dos perversos se apagará (Pv
24.17-20).
Jesus, o Príncipe da Paz, citou o Salmo 110: “Disse o Senhor ao meu
Senhor: assenta-te a minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés” (Mt 22.44; Marcos 12.36; Lucas
20.43); Pedro o citou em seu magnífico sermão estréia (At 2.35); Paulo em sua
explanação sobre a ressurreição (1Co 15.25) e o autor de Hebreus em sua
majestosa introdução à epístola que apresenta Jesus como sacerdote, profeta e
rei ( Hb 1.13). Em sua morte sobre a cruz, Jesus, o Descendente da mulher,
pisou a cabeça da serpente dando início à destruição de toda inimizade, e
mostrando que os inimigos de Deus serão estrado dos seus pés. Desde o inicio de
seu ministério terreno, Jesus ensinou: “Ouvistes o que foi dito, Amaras o teu
próximo e odiarás o teu inimigo. Eu porem vos digo: Amai os vossos inimigos e
orai por aqueles que vos perseguem” (Mt 5.43-45; Lc 6.27-35). A palavra
aconselha: Se teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer (Rm 12.20). Contando a
parábola do Semeador, Jesus incluiu na narrativa o fato de que haveria um inimigo
que veio e semeou joio Mt 13.25, 28. Ele tinha inimigos, admitindo que os
inimigos do homem seriam os da própria casa ((Mq 7.6, Mt 10.36). Antes de sua
paixão e morte, Jesus chorou sobre Jerusalém, dizendo que seria destruída
(Sobre ti virão dias em que teus inimigos te cercarão de trincheiras e, por
todos os lados te apertarão o cerco, e te arrastarão e a teus filhos dentro de
ti; não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste o dia de tua
visitação - Lc 19.41-44). Na Páscoa em que o traidor comia com ele à mesa junto
com os outros discípulos, horas mais tarde, Jesus remiria seus inimigos e os
reconciliaria com Deus. Em Cristo Jesus, nós que estávamos longe,
fomos
aproximados pelo seu sangue. Ele é a nossa paz... de ambos fez um, derrubou a
parede de separação que estava no meio, a inimizade, aboliu a lei dos
mandamentos em forma de ordenanças, para que dos dois criasse,em si mesmo, um
novo homem, e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da
cruz, destruindo por ela a inimizade (Ef 2.13-17).
Existem inimigos da cruz de Cristo, cujo destino é a perdição, e o deus
deles o ventre, a glória deles é infâmia, visto que só se preocupam com coisas terrenas
(Fp 3.18). São inimigos no entendimento (Cl 1.21). Paulo definiu essa inimizade
como “o pendor da carne”, ou inimizade contra Deus (Rm 8.7), uma das obras da
carne (...prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades,
porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissenções, facções, invejas, bebedices,
glutonarias e coisas semelhantes a essas – Gl 5.19-21) que militam contra o
fruto do Espírito.
Nossa luta, contudo, “não é contra o sangue e a carne, e sim, contra os
principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra
as forças espirituais do mal nas regiões celestes” (Ef 6.12), e para tais
inimigos, temos de nos revestir com as armas que Deus oferece (Ef 6.10-18).
Em sua carta aos Romanos, Paulo fala que quando éramos
inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte de seu Filho... de quem
recebemos, agora, o ministério da reconciliação 5.10-11). Advertindo os crentes
de Tessalônica, Paulo disse
Caso
alguém não preste obediência... notai-o; nem
vos associeis com ele, para que fique envergonhado. Todavia, não o considereis por inimigo, mas adverti-o
como irmão. Ora, o Senhor da paz, ele mesmo, vos dê continuamente a paz em
todas as circunstâncias. O Senhor seja com todos vós (2Ts 3.15-16).
Entre as qualidades imprescindíveis do bispo está ser inimigo de contendas (1Tm 3.3). Nos últimos
tempos os seres humanos serão egoístas (e uma série de pecados comuns hoje em
dia)... inimigos do bem (2Tm 3.1) e
Tiago lembra que a amizade do mundo é inimiga de Deus (Tg 4.4-6).
Diante de tantos trechos sobre o que Deus pensa de inimizades, fico estarrecida
ao observar comentários na mídia quanto à política, nas redes sociais, nas
igrejas cristãs (tanto as mais ortodoxas como também as apóstatas!), no
trabalho e nas famílias. Numa família que conheço, as filhas acusaram a mãe de
insano malfeito; noutra família um irmão processa sua irmã e cunhado porque seu
filho quebrou o braço brincando com o primo no pula-pula. Este irmão (que é
pastor) defende que só os processou para acessar o seguro de indenização, mas o
casal que foi processado (o esposo também pastor) ficou tão ferido que recusa
qualquer contato com o irmão ou com a mãe que não teve nada a ver com o
assunto, nem com outro irmão que está com câncer terminal e o recebeu em casa.
Numa igreja, uma mulher que encantava com sua voz no culto, engana quatro ou
cinco casais a fazer um investimento de todas as suas economias num esquema
fraudulento, e depois “some” da igreja e da cidade, deixando os irmãos em Cristo
feridos e sem recursos. Casais brigam, divorciam, juntam-se a outros e querem
ser reconhecidos como inculpáveis na igreja e fora dela. Pessoas casam-se,
enganando aquela com quem casou e assumindo uma relação ou série de casos
homossexuais. Há inimizades de todo tipo e muitos abismos parecem
intransponíveis. Na terra sob domínio de Satanás, será assim até que o último
inimigo, a morte, seja vencido por Jesus Cristo (1 Co 15.26).
Amo a expressão Shalom aleichem
e o costume de muitos irmãos em Cristo de se saudarem com “a paz do Senhor”.
Mas temo que por muita gente seja dita da boca para fora. Algumas pessoas dizem
“Eu preciso sentir paz para perdoar fulano de tal”, ou “vou orar para ver se
consigo paz a respeito desse caso”. Esquecem que o árbitro no coração que rege
a vida do crente é a paz de Cristo – conquistada na cruz, paga com sangue, à
qual fomos chamados em um só corpo (Cl 3.13-17). Antes tínhamos inimigos porque éramos
inimigos de Deus, estávamos longe e éramos alienados. Mas se cremos em Jesus “temos
acesso ao Pai em um Espírito... já não somos estrangeiros e peregrinos, mas
concidadãos dos santos, e somos família de Deus” (Ef 2.13-19).
Elizabeth Gomes