quarta-feira, abril 30, 2014

FRACO? QUEM? EU?


 
Velho é sempre quem tem, pelo menos, dez anos a mais do que eu. Sobre alguns deles, ouço do Dr. Shedd, do Pastor Reimer, do Dr. Schalkwijk, do Rev. Campos (o Álvaro, meu cunhado), dos meus primos todos, e invejo a experiência de vida e o vigor que eles exibem – mas também (ah!) regozijo-me na minha relativa mocidade! De outros nem comento, pois já foram revestidos de juventude eterna! Ouço também de irmãos e amigos – mais novos e, às vezes, mais maduros do que eu, que enfrentam lutas com doenças graves, como o Dr. Powlison, o Rev. Deaton (o John, meu genro), o Rev. Freitas (meu irmão amigo, Dídimo), o Presb. Portela, o Dr. Carlos Osvaldo Pinto, e tantos outros – e sinto que não deveria me pronunciar a respeito de pequenas fortes fraquezas que experimento. Ocorre que, recentemente, fui premiado com uma condição física, miastenia gravis (no que conto com a solidariedade da Maria Izabel), que me rouba a força física e que limita meu campo de ação. Não é nada tão grave, pois o gravis diz respeito à lei da gravidade, mas incomoda muito porque a debilidade do corpo passa uma ideia de fraqueza da alma. Às vezes, eu digo às minhas pernas, pleno de alma: “Mais rápido!”, mas tudo o que ouço de volta é: “besta!” Não obstante as voltas e contravoltas do tema, vai lá: estou terminando de escrever um livro, Personalidade centrada em Deus, e tratando das razões para o enfrentamento de fraquezas, escrevi:

Não poucas vezes, a Escritura nos ensina a louvar o poder de Deus em contraste com a fraqueza humana. O salmista louva ao Senhor e insta que não confiemos nos fracos “filhos dos homens”, mas que depositemos nossa esperança no Deus criador e redentor (cf. Salmos 146). O apóstolo Paulo diz que “a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Coríntios 1.25) e que Cristo “foi crucificado em fraqueza; contudo, vive pelo poder de Deus. Porque nós também somos fracos nele, mas viveremos, com ele, para vós outros pelo poder de Deus” (2Coríntinos 13.4); de fato, ele disse que se gloriava nas próprias fraquezas, não dele mesmo, mas na verdade, bastando-lhe a graça de Deus, “porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo”. Certamente, o apóstolo Paulo falava de fraquezas sem dolo, isto é, de espinhos na carne e de perseguições que lhe quebravam o orgulho e exaltavam a grandeza de Deus. Sobre fraquezas pecaminosas, ele disse: “Não vos louvo” (cf. 1Coríntios 11.2,17), e, em outro lugar recomenda que nos examinemos a nós mesmos, se estamos na fé, não apenas parecendo aprovados, mas realmente fazendo o bem “Porque nada podemos contra a verdade, senão em favor da própria verdade” (cf. 2Coríntios 13.5-8). Em todos os casos, virtuosos ou viciosos, devem sempre prevalecer a glória e a graça de Deus – se houver virtude louvado seja o único Autor de todo o bem e (Tiago 1.17,18; Filemom 1.6) e, se houver pecado, louvado seja o único Autor da nossa redenção que nos concede todas as bênçãos para o arrependimento e para o livramento das paixões que há no mundo a fim de que participemos de sua santidade (cf. Romanos 4.6; 2Pedro 1.4). A conclusão a somos levados, nessa linha de pensamento, é que este padrão de “obras mortas” abre portas para o aperfeiçoamento de nosso caráter, como disse o apóstolo Pedro: “Ora, o Deus de toda a graça, que em Cristo vos chamou à sua eterna glória, depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar. A ele seja o domínio, pelos séculos dos séculos. Amém!” (1Pedro 5.10-1).

Se eu digo à minha fraqueza: “Animo!”, ouço de volta um forte: “besta!” Quando, porém, digo aminha alma: “suspira e desfalece pelos átrios do Senhor”, então, “o meu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo” (Salmo 84.2)!

Wadislau Martins Gomes

terça-feira, abril 22, 2014

JÓIAS, BIJOUTERIAS E TESOURO ETERNO

Esta semana uma amiga me mandou uma caixa de tesouro – certamente seu conteúdo não qualificaria como as jóias da coroa nem mesmo seriam classificadas de jóias preciosas, mas foi um daqueles presentes surpresa que indicam carinho, trabalho artesanal, investimento de tempo e algum dinheiro, e amor à arte, beleza e criatividade próprias dos filhos de Deus e irmãos na fé. Sou privilegiada por ter algumas irmãs que se caracterizam por essas qualidades, e pelo menos quatro delas periodicamente me presenteiam com o fruto de suas hábeis mãos. Essas artesãs foram treinadas em outras áreas: minha presenteadora atual é formada em letras e trabalha com livros, outra é arquiteta de grandes projetos, mas está sempre criando pequenas bijuterias que multiplicam a alegria das suas amigas; uma é formada em artes plásticas; suas criações do Rio, São Paulo e Brasília estão pelo Brasil e mundo afora, enquanto outra (bancária aposentada antropóloga, psicóloga e cantora encantadora!) certa vez dividiu comigo os enfeites de alguns anos de presentes.

Acho que minha apreciação de bijuteria começou quando eu contava uns seis anos e minha tia Cynthia confeccionou coroas de rainha para minha irmã Kitty e para mim, a partir de “jóias” quebradas e brincos dispares, vasculhando ainda um velho baú de roupas de bailarina que tinham sido dela e de suas irmãs (uma das quais minha mãe!) quando elas eram meninas. Temos uma foto daquele dia de faz de conta em que a artista plástica formada pelo Pratt Institute transformou suas sobrinhas vindas do Brasil em ricas princesas e fadas mágicas dos contos de Anderson e Grimm.

Alguns anos atrás, trabalhei como secretária de uma pessoa em cujo escritório ficava o estoque de um comprador de espólios e heranças, e tive oportunidade de comprar “a preço de custo” diversas sacolas de materiais para confecção de colares e enfeites artesanais. Por três anos seguidos, fiz meu dinheiro de “alfinetes” com a venda de colares que eu confeccionava, e meu presente coringa para mãe, irmã, parentes e amigas, natal e aniversários todos, era tosca obra de minhas mãos.

Quando fizemos quarenta anos de casados, Lau deu-me um conjunto de brincos e colar de rubi. Três anos antes, ele dera um conjunto semelhante de água-marinha. Meu anel de pérola foi um presente dado quando decidimos nos casar, e os brincos que o acompanhavam, vieram quando nosso primeiro filho nasceu. Eu tinha umas duas pulseiras e brincos-argolas de ouro e algumas peças preciosas herdadas da sogra, da mãe e da avó (um anel de opala e brilhantes era especialmente belo), mas jamais podia ser considerada rica em jóias. A advertência de Jesus em Mateus 6.19 não tinha muito significado para mim, pois não podia dizer que acumulasse tesouros na terra – até que um dia um ladrão entrou em nosso sítio e saqueou nosso closet, levando algumas armas dos homens defensores de nosso pedaço de chão, as poucas jóias que eu possuía, e as variegadas bijuterias que acumulara com o passar dos anos. Dias depois, ainda encontrava uma trilha de brincos de plástico e colares insignificantes no caminho que ele fez ao fugir.

Certa vez, escrevi um artigo para uma revista da Assembléia de Deus e, conforme pediram, mandei-lhes minha foto. A editora atenciosamente pediu permissão para eliminar, no photoshop, meu colar e brincos da fotografia “para não causar escândalo para o irmãozinhos que tenham usos e costumes mais rígidos”. Claro! Tirar os brincos e colar da foto não tem nada demais. Quando, anos antes, pertencia a uma igreja que exigia eliminar maquiagem, jóias, calça comprida e saia curta da vida da moça cristã, eu aderi sem titubear à cara lavada e enfeites vetados de minhas irmãs. 

Esta semana, estive traduzindo um livro de devocionais de D. Martyn Lloyd-Jones, em que algumas leituras tratam dos enfeites dos israelitas. O ato de “despojar os egípcios”, que o povo de Deus assumiu ao deixar o cativeiro e seguir pelo deserto até a Terra Prometida, teve seu valor. Muitos dos artefatos do Tabernáculo foram forjados do ouro e pedras preciosas provenientes dos egípcios. A começar com os patriarcas, a riqueza era contada por rebanhos e minérios (Abraão era muito rico em gado, prata e ouro – Gn 12.2), a nação escolhida de Deus, até os dias atuais, tornou-se hábil no manejo e comércio de jóias, especialmente por concentrar grandes valores em pequenos objetos – o que, em tempos de exílio e perseguição por pogroms, holocaustos e restrições racistas, fez com que tivessem com o que sobreviver, mudar de localidade e restabelecer suas vidas dilaceradas. Um pequeno diamante pode valer mais que uma ampla casa, e são muitas as histórias de vidas salvas mediante o uso sensato desses bens. A entrega dos adereços e jóias para prover para a casa do Senhor é histórica (Êx 35.22-36.5) e repetido – a ponto de proibir mais doações, de tantas riquezas coligidas. Também se repetem simulacros históricos (“ouro para o bem do Brasil”, por exemplo, onde muitos deram até seus próprios anéis e alianças sem ver resultados permanentes). Voltando ao despojo dos egípcios, alguns conselheiros e professores cristãos usam a válida metáfora para falar da necessidade do cristão utilizar os recursos que obtém do mundo para fins bíblicos. A própria família do Deus encarnado usufruiu os tesouros de mirra, incenso e ouro (presentes dados pelos magos ao Profeta, Sacerdote e Rei). Jesus frequentemente usou metáforas ligadas a jóias (por exemplo, a pérola de grande preço, que é o reino dos céus, de Mt 13.45,46).

Os próprios bens que os israelitas tomaram, aproveitaram, investiram e usaram, entretanto, também podem ser e foram usados para a formação de ídolos (Êx 32.2-5). Enquanto Moisés tardava em descer do Monte Sinai, Arão convocou o povo para contribuir ouro para confeccionar o bezerro e atribuir aos ídolos a libertação do povo – “São estes, ó Israel, os teus deuses que te tiraram do Egito!” Um dos mais graves problemas do evangelho da prosperidade é atribuir às coisas, aos bens, aos tesouros que Deus outorga por sua bondade, a própria salvação. “Vim para a Igreja X e, agora, sou empresário bem sucedido, tenho carro do ano, casa, etc.” “Dou o dízimo em primeiro lugar e Deus faz isto, aquilo e mais aquilo outro por mim – sou abençoado porque sou bom”! Isto é idolatria tão crassa quanto a que Arão, sacerdote escolhido por Deus e portavoz da redenção do povo de Israel, incitou o povo a fazer. Além de atribuir a esses ídolos o que só Deus faz, usam a estapafúrdia de justificativas que sequer enganam a si mesmos. Arão “explicou” a Moisés: “Então, eu lhes disse: quem tem ouro, tire-o. Deram-mo; e eu o lancei no fogo, e saiu este bezerro.” Mágica. Milagre. Busca de dons e rejeição do Doador Supremo.

Lembro-me de uma mãe que trabalhava como faxineira, dizendo ter assumido outro emprego durante a noite “para poder comprar um anel de brilhante de presente de quinze anos para minha filha”. Estava adorando um bezerro de ouro, e privando a filha de educá-la na justiça, verdade e bondade que vem de valores eternos em vez de valorizar um anel de brilhante a ponto de sacrificar a sua presença junto à filha e a saúde de seu corpo (bem como a saúde mental e emocional da menina mimada).

Especialmente depois de ver nosso quarto invadido e minhas coisas todas espalhadas – desde roupas velhas até bijuterias sem valor passando a jóias insubstituíveis – tenho ficado mais cônscia de que o acúmulo de coisas é pura vaidade. Claro que ainda gosto de estar apresentável, vestir-me adequadamente, e de usar enfeites que ressaltam a cor, o corte e a textura do que visto. Faz-me bem, lembrar do adágio de Tia Maria Fraga, falando às moças do Seminário Bíblico Palavra da Vida: “Seja simples e sensata. Se estiver bem calçada e com as mãos em ordem, sempre estará elegante”. Ela não propunha um acúmulo de sapatos – apenas “bem calçada” (não posso deixar de pensar em “Calçar os pés com a preparação do evangelho da paz” (Ef 6.15). Não eram mãos cheias de anéis e unhas trabalhadas por manicure – era mais o ser limpo de mãos e puro de coração (Salmo 24.4). Uso com prazer as bijuterias que minhas amigas deram para substituir o que foi roubado, e hoje estou perto da situação de Moisés, dizendo ao povo para deixar de contribuir, pois já era demais.

Lembro de um colar feito por indígenas de Roraima, dado por minha amiga Edith que já é missionária ali desde que nos formamos há 46 anos. Sempre que o usava, lembrava de orar por missões em tribos nativas. Aprecio a engenhosidade de pessoas que pegam capim dourado e o transformam em pulseira, brincos e outros enfeites com a leveza da erva que seca e o peso da promessa (perdi o par do brinco, mas tenho a pulseira; ainda vou comprar outro brinco de capim porque me lembra: “Seca-se a erva, cai a sua flor, mas a palavra do Senhor permanece para sempre” – Is 40.8). Tenho alguns enfeites de crochê e tricô que lembram mãos hábeis que os fizeram. Acumulei muitos lenços coloridos e esbanjo seu uso. Mas tenho sempre em mente a advertência de Pedro que meu adorno principal jamais seja o que é externo, mas o “homem interior do coração” – e isto vale para mulheres e homens, jovens, velhos e crianças em Cristo. 

Quando me casei, o vestido era emprestado (de uma filha de dois dos meus professores); os sapatos e as luvas, emprestadas de Déia, (filha da mencionada Tia Maria). Nada era meu senão o amor vindo de Deus e experimentado no amor fraterno. Na verdade, havia algo de pertencimento e de propriedade: no Senhor, somos chamados sacerdotes (como outra vez Pedro me lembra), raça eleita, sacerdócio santo, povo de propriedade exclusiva de Deus. E ele mesmo promete que “comereis as riquezas das nações e na sua glória vos gloriareis (...) a minha alma se alegra no meu Deus; porque me cobriu de vestes de salvação e me envolveu com o manto de justiça (...) como noiva que se enfeita com as suas jóias (...) o Senhor Deus fará brotar a justiça e o louvor perante todas as nações (Is 61.6-11). Especialmente, como parte da Noiva do Senhor, vou bem trajada de brancas vestes para o banquete de bodas: Alegremo-nos (...) pois lhe foi dado vestir-se de linho finíssimo, resplandecente e puro. Porque o linho finíssimo são os atos de justiça dos santos (Ap 19.7 e 8).
 
Elizabeth Gomes

quinta-feira, abril 10, 2014

ACORDANDO PARA UMA SOLUÇÃO



 
Uma menina de onze anos acompanhou seu pai em visita pastoral à Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, e mudou para sempre a vida de muita gente. Eu sabia que minha amiga Carol Ewing tinha duas irmãs adotadas, mas não conhecia a história, que ouvi semana passada pelo facebook, sobre como aconteceu há 57 anos.

Nina relata que, ao sair do hospital, seu pai viu um menino de uns dez anos com grande curativo no joelho, mancando, e seu pai ofereceu carona ao garoto. Chegando ao local, Nina e o pastor José Woody viram que essa família (pai, quatro crianças pequenas e minúsculas gêmeas, bebezinhos) moravam em casebre de pau a pique com alguns blocos de cimento, e cozinhavam sobre dois tijolos no chão de barro. A mãe morrera no parto e as gêmeas quase morriam de fome.

O missionário e a filha levaram comida a essa família em penúria (Nina acha que a Liga Juvenil ajudou a coletar alimentos) e a junta diaconal foi acionada, ajudando-os a mudar para uma casinha de adobe com telhado e porta. Um dia, quando Nina foi com seu pai para visitá-los, o viúvo estava à porta com as gêmeas nos braços e lágrimas nos olhos, e disse:

– Reverendo, leva essas meninas. Estão morrendo.

Nina levou as duas esquálidas meninas no colo, no carro, e foram direto para o hospital. Um médico as examinou, receitou medicamentos, e disse-lhes que não via muita esperança. Assim, eles as levaram para sua casa.
(O pobre pai e seus outros filhos, mais tarde, mudaram-se para a Fazenda Experimental, em que um presbítero arranjou-lhe emprego e escola para os filhos.)

Nina acha que sua família só cuidou delas por volta de uma semana. Da. Dina, sua mãe, tinha medo de deixá-las sozinhas porque estavam tão doentes que temia que morressem a qualquer instante.

Minha amiga Nina costumava visitar outra amiga americana, Carol Ewing, filha única, que uma vez lhe dissera que os pais queriam adotar uma filha, uma irmã para ela. Certa noite, enquanto as gêmeas estavam ainda na casa dos missionários Woody, Nina acordou às três da manhã com pensamento nítido: “Os Ewing adotarão essas menininhas." Acordou sua mãe e seu pai, e contou seu pensamento da madrugada. Nina lembra ouvir sua mãe dizer:

– Nina, não é tão simples assim.

A persistente Nina sabia que sua mãe estava acostumada com seus esquemas malucos. Contudo, no dia seguinte, sua mãe – relata Nina – foi visitar os Ewings,e... encurtando a longa história, eles adotaram as pequeninas, que hoje são Ruth e Betty, na casa dos 50 anos, irmãs de Carol Ewing McQuistan! Ambas retornaram ao Brazil para visitas anos atrás.

Descobri velhas amizades por meio das redes sociais, e a de Nina é uma das mais assíduas. Pensei em “blogar” sobre o rico tema bíblico de teologia e vida de adoção, assunto precioso que tenho visto na vida de amigos e parentes desde que me conheço por gente. Mas quando li a história contada por uma menina cristã que acompanhava e ajudava seus pais a viver aquilo em que cria, as lágrimas só pararam ao pensar em compartilhar com vocês. Só uma garota? É a maravilhosa, estrondosa misericórdia do Senhor dos Exércitos que entrou na nossa humanidade e pequenez. Obrigada Nina, Carol, Ruth e Betty, obrigada “dinossauros missionários do passado” – que aprendamos e os imitemos!
Elizabeth Gomes