
Esta semana uma amiga
me mandou uma caixa de tesouro – certamente seu conteúdo não qualificaria como
as jóias da coroa nem mesmo seriam classificadas de jóias preciosas, mas foi um daqueles presentes surpresa que indicam
carinho, trabalho artesanal, investimento de tempo e algum dinheiro, e amor à
arte, beleza e criatividade próprias dos filhos de Deus e irmãos na fé. Sou
privilegiada por ter algumas irmãs que se caracterizam por essas qualidades, e
pelo menos quatro delas periodicamente me presenteiam com o fruto de suas
hábeis mãos. Essas artesãs foram treinadas em outras áreas: minha presenteadora
atual é formada em letras e trabalha com livros, outra é arquiteta de grandes
projetos, mas está sempre criando pequenas bijuterias que multiplicam a alegria
das suas amigas; uma é formada em artes plásticas; suas criações do Rio, São
Paulo e Brasília estão pelo Brasil e mundo afora, enquanto outra (bancária
aposentada antropóloga, psicóloga e cantora encantadora!) certa vez dividiu
comigo os enfeites de alguns anos de presentes.
Acho que minha
apreciação de bijuteria começou quando eu contava uns seis anos e minha tia
Cynthia confeccionou coroas de rainha para minha irmã Kitty e para mim, a
partir de “jóias” quebradas e brincos dispares, vasculhando ainda um velho baú
de roupas de bailarina que tinham sido dela e de suas irmãs (uma das quais
minha mãe!) quando elas eram meninas.
Temos uma foto daquele dia de faz de conta em que a artista plástica formada pelo
Pratt Institute transformou suas sobrinhas vindas do Brasil em ricas princesas
e fadas mágicas dos contos de Anderson e Grimm.
Alguns anos atrás,
trabalhei como secretária de uma pessoa em cujo escritório ficava o estoque de
um comprador de espólios e heranças, e tive oportunidade de comprar “a preço de
custo” diversas sacolas de materiais para confecção de colares e enfeites
artesanais. Por três anos seguidos, fiz meu dinheiro de “alfinetes” com a venda
de colares que eu confeccionava, e meu presente coringa para mãe, irmã, parentes
e amigas, natal e aniversários todos, era tosca obra de minhas mãos.
Quando fizemos
quarenta anos de casados, Lau deu-me um conjunto de brincos e colar de rubi.
Três anos antes, ele dera um conjunto semelhante de água-marinha. Meu anel de
pérola foi um presente dado quando decidimos nos casar, e os brincos que o
acompanhavam, vieram quando nosso primeiro filho nasceu. Eu tinha umas duas
pulseiras e brincos-argolas de ouro e algumas peças preciosas herdadas da
sogra, da mãe e da avó (um anel de opala e brilhantes era especialmente belo),
mas jamais podia ser considerada rica em jóias. A advertência de Jesus em
Mateus 6.19 não tinha muito significado para mim, pois não podia dizer que
acumulasse tesouros na terra – até que um dia um ladrão entrou em nosso sítio e
saqueou nosso closet, levando algumas
armas dos homens defensores de nosso pedaço de chão, as poucas jóias que eu
possuía, e as variegadas bijuterias que acumulara com o passar dos anos. Dias
depois, ainda encontrava uma trilha de brincos de plástico e colares
insignificantes no caminho que ele fez ao fugir.
Certa vez, escrevi um
artigo para uma revista da Assembléia de Deus e, conforme pediram, mandei-lhes minha
foto. A editora atenciosamente pediu
permissão para eliminar, no photoshop,
meu colar e brincos da fotografia “para não causar escândalo para o irmãozinhos
que tenham usos e costumes mais rígidos”. Claro! Tirar os brincos e colar da
foto não tem nada demais. Quando, anos antes, pertencia a uma igreja que exigia
eliminar maquiagem, jóias, calça comprida e saia curta da vida da moça cristã,
eu aderi sem titubear à cara lavada e enfeites vetados de minhas irmãs.
Esta semana, estive
traduzindo um livro de devocionais de D. Martyn Lloyd-Jones, em que algumas
leituras tratam dos enfeites dos israelitas. O ato de “despojar os egípcios”,
que o povo de Deus assumiu ao deixar o cativeiro e seguir pelo deserto até a
Terra Prometida, teve seu valor. Muitos dos artefatos do Tabernáculo foram
forjados do ouro e pedras preciosas provenientes dos egípcios. A começar com os
patriarcas, a riqueza era contada por rebanhos e minérios (Abraão era muito
rico em gado, prata e ouro – Gn 12.2), a nação escolhida de Deus, até os dias
atuais, tornou-se hábil no manejo e comércio de jóias, especialmente por
concentrar grandes valores em pequenos objetos – o que, em tempos de exílio e
perseguição por pogroms, holocaustos
e restrições racistas, fez com que tivessem com o que sobreviver, mudar de
localidade e restabelecer suas vidas dilaceradas. Um pequeno diamante pode
valer mais que uma ampla casa, e são muitas as histórias de vidas salvas
mediante o uso sensato desses bens. A entrega dos adereços e jóias para prover
para a casa do Senhor é histórica (Êx 35.22-36.5) e repetido – a ponto de
proibir mais doações, de tantas riquezas coligidas. Também se repetem simulacros históricos (“ouro para o bem
do Brasil”, por exemplo, onde muitos deram até seus próprios anéis e alianças
sem ver resultados permanentes). Voltando ao despojo dos egípcios, alguns
conselheiros e professores cristãos usam a válida metáfora para falar da
necessidade do cristão utilizar os recursos que obtém do mundo para fins
bíblicos. A própria família do Deus encarnado usufruiu os tesouros de mirra,
incenso e ouro (presentes dados pelos magos ao Profeta, Sacerdote e Rei). Jesus
frequentemente usou metáforas ligadas a jóias (por exemplo, a pérola de grande
preço, que é o reino dos céus, de Mt 13.45,46).
Os próprios bens que
os israelitas tomaram, aproveitaram, investiram e usaram, entretanto, também
podem ser e foram usados para a formação de ídolos (Êx 32.2-5). Enquanto Moisés
tardava em
descer do Monte Sinai, Arão convocou o povo para contribuir
ouro para confeccionar o bezerro e atribuir
aos ídolos a libertação do povo – “São estes, ó Israel, os teus deuses que
te tiraram do Egito!” Um dos mais graves problemas do evangelho da prosperidade
é atribuir às coisas, aos bens, aos
tesouros que Deus outorga por sua bondade, a própria salvação. “Vim para a
Igreja X e, agora, sou empresário bem
sucedido, tenho carro do ano, casa, etc.” “Dou o dízimo em primeiro lugar e
Deus faz isto, aquilo e mais aquilo outro por mim – sou abençoado porque sou bom”! Isto é idolatria tão crassa
quanto a que Arão, sacerdote escolhido por Deus e portavoz da redenção do povo
de Israel, incitou o povo a fazer. Além de atribuir a esses ídolos o que só
Deus faz, usam a estapafúrdia de justificativas que sequer enganam a si mesmos.
Arão “explicou” a Moisés: “Então, eu lhes disse: quem tem ouro, tire-o.
Deram-mo; e eu o lancei no fogo, e saiu este bezerro.”
Mágica. Milagre. Busca de dons e rejeição do Doador Supremo.
Lembro-me de uma mãe
que trabalhava como faxineira, dizendo ter assumido outro emprego durante a
noite “para poder comprar um anel de brilhante de presente de quinze anos para
minha filha”. Estava adorando um bezerro de ouro, e privando a filha de
educá-la na justiça, verdade e bondade que vem de valores eternos em vez de
valorizar um anel de brilhante a ponto de sacrificar a sua presença junto à
filha e a saúde de seu corpo (bem como a saúde mental e emocional da menina
mimada).
Especialmente depois
de ver nosso quarto invadido e minhas coisas todas espalhadas – desde roupas
velhas até bijuterias sem valor passando a jóias insubstituíveis – tenho ficado
mais cônscia de que o acúmulo de coisas é pura vaidade. Claro que ainda gosto
de estar apresentável, vestir-me adequadamente, e de usar enfeites que
ressaltam a cor, o corte e a textura do que visto. Faz-me bem, lembrar do
adágio de Tia Maria Fraga, falando às moças do Seminário Bíblico Palavra da
Vida: “Seja simples e sensata. Se estiver bem calçada e com as mãos em ordem,
sempre estará elegante”. Ela não propunha um acúmulo de sapatos – apenas “bem
calçada” (não posso deixar de pensar em “Calçar os pés com a preparação do
evangelho da paz” (Ef 6.15). Não eram mãos cheias de anéis e unhas trabalhadas
por manicure – era mais o ser limpo de mãos e puro de coração (Salmo 24.4). Uso
com prazer as bijuterias que minhas amigas deram para substituir o que foi
roubado, e hoje estou perto da situação de Moisés, dizendo ao povo para deixar
de contribuir, pois já era demais.
Lembro de um colar feito por indígenas de
Roraima, dado por minha amiga Edith que já é missionária ali desde que nos
formamos há 46 anos. Sempre que o usava, lembrava de orar por missões em tribos nativas. Aprecio
a engenhosidade de pessoas que pegam capim dourado e o transformam em pulseira,
brincos e outros enfeites com a leveza da erva que seca e o peso da promessa
(perdi o par do brinco, mas tenho a pulseira; ainda vou comprar outro brinco de
capim porque me lembra: “Seca-se a erva, cai a sua flor, mas a palavra do
Senhor permanece para sempre” – Is 40.8). Tenho alguns enfeites de crochê e
tricô que lembram mãos hábeis que os fizeram. Acumulei muitos lenços coloridos
e esbanjo seu uso. Mas tenho sempre em mente a advertência de Pedro que meu
adorno principal jamais seja o que é externo, mas o “homem interior do coração”
– e isto vale para mulheres e homens, jovens, velhos e crianças em Cristo.
Quando me casei, o vestido era emprestado (de uma
filha de dois dos meus professores); os sapatos e as luvas, emprestadas de
Déia, (filha da mencionada Tia Maria). Nada era meu senão o amor vindo de Deus
e experimentado no amor fraterno. Na verdade, havia algo de pertencimento e de
propriedade: no Senhor, somos chamados sacerdotes (como outra vez Pedro me
lembra), raça eleita, sacerdócio santo, povo de propriedade exclusiva de Deus.
E ele mesmo promete que “comereis as riquezas das nações e na sua glória vos
gloriareis (...) a minha alma se alegra no meu Deus; porque me cobriu de vestes
de salvação e me envolveu com o manto de justiça (...) como noiva que se
enfeita com as suas jóias (...) o Senhor Deus fará brotar a justiça e o louvor
perante todas as nações (Is 61.6-11). Especialmente, como parte da Noiva do
Senhor, vou bem trajada de brancas vestes para o banquete de bodas:
Alegremo-nos (...) pois lhe foi dado vestir-se de linho finíssimo,
resplandecente e puro. Porque o linho finíssimo são os atos de justiça dos
santos (Ap 19.7 e 8).
Elizabeth Gomes