Depois de um sonho em que eu me defendia de um intruso em minha casa, fiquei com aquela peça do Chico Buarque na cabeça: “Hoje eu sonhei contigo e caí da cama..." (“Não sonho mais”). E olha que, quando ouvi pela primeira vez, achei que era uma dessas descomposições pop de “ídolo nacional”. Mais tarde, como o cheiro do feijão do caso do João Ratão, do Casamento da Dona Baratinha, o som foi entrando pelos meus ouvidos, tomou conta da atitude, tomou conta da mente, tomou conta de tudo. Hoje, passados os anos, já me esqueci de quem é que eu queria ver perseguido por orangotangos candangos (pois ele mesmo pediu para ser esquecido); só não me esqueci do sentimento de ira que faz a gente babar na fronha. Acordei com esse sentimento. Veja só! Velho, devendo ser, a esta altura, bom de casa e de rua, ainda sonho com sentimentos de injustiças covardes, que só me pegam quando estou dormindo. Essa é de matar, não é?
Exatamente por que é de matar, é que temos de lidar com essa ira. É isso aí: Ira mesmo! Certo que ela tem seu lugar. A ira está para a dor assim como a misericórdia está para o amor. Trocando em miúdos, a ira é boa e louvável enquanto é um sentimento de que alguma coisa está errada (“Irai-vos e não pequeis” – o negócio é não pecar, pois senão, é o diabo; ver Efésios 4.26-27). É como a dor, esse incômodo que impede que eu vá além dos meus limites e me fira, mas que, quando rompe seu próprio limiar, dói mais do que dente do siso encavalado. Quando o diabo pega, a ira vira amargura e enrosca na cabeça, ressentida, como cisco no olho que mesmo depois de tirado ainda raspa. A solução cristã é sobrepor o desafeto com a redenção que há em Cristo Jesus. Há uns dois ou três versículos, na Bíblia, que, se você se lembrar deles na hora “h”, até ajuda: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Romanos 5.1); “Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12.14); e “amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mateus 5.44). A questão é como fazer para amar aquelas pessoas que claramente não permitem ser amadas? Como amar meu inimigo? Parece pesadelo! Contudo, não é para desesperar. Se Deus conseguiu que eu despertasse, ele poderá acordar a qualquer um. E ele quer. Por isso mesmo, juntamente com suas promessas, ele fornece mandamentos; aquelas motivam o coração e estes nos capacitam a mudar o comportamento.
Pense um pouco comigo sobre dois mandamentos do Decálogo (usei o termo, agora, só para ver se você não estava cochilando – são os Dez Mandamentos, ô): o sexto mandamento, “Não matarás”, e o oitavo, “Não furtarás” (Deuteronômio 5. 17 e 19). O primeiro é mais simples. Entendendo certo as ordens bíblicas aparentemente antagônicas, de não matar e de matar, o bom intérprete conclui que tem mais coisa aí. Com efeito, o termo hebraico usado no texto é ratsah, que tem mais o sentido de “tomar nas mãos, voluntariamente, o direito de tirar a vida ao semelhante”, do que o sentido de homicídio acidental ou de legítima defesa (pessoal ou institucional, como em caso de guerra ou de pena capital). Ora, esse cara que de quem gratuitamente não gosto, ou que gratuitamente me ataca, é meu semelhante, criado à imagem de Deus, a quem não tenho o direito de roubar a vida. A promessa do Senhor é que a vida procede de sua graça, e que o respeito à vida do outro pressupõe o valor da minha própria vida. Não poderei matar aquele a quem Deus criou assim como não poderei matar a imagem de Deus plasmada em suas criaturas. Não poderei matar seu caráter por meio do ódio ou da maledicência (“Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”, 1João 4.20; “Todo aquele que odeia a seu irmão é assassino”, 1João 3.15; “todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento”, Mateus 5.22).
O segundo, o oitavo mandamento, é um pouco mais complicado. “Não furtarás” não diz respeito à simples apropriação indébita (ainda que esse crime seja igualmente condenado por Deus), mas está mais próximo do sentido de sequestro. A melhor ilustração disso é o caso de José, sequestrado e vendido por seus irmãos em função de lucro pessoal. O Deus que nos libertou da escravidão do ambiente decaído em que vivemos, da esfera de morte à espreita dentro de casa e nas ruas, e que nos remiu do cativeiro interior que nos devora de desejos de prazer e de poder, ele mesmo não quer que o homem criado para a liberdade se torne escravo de homens. Como é que eu, na mesma terra e sujeito aos mesmos troncos e barrancos do caminho, posso pensar em controlar o homem que Deus criou para sujeitar, cultivar e guardar as suas obras? Quantas vezes, eu sequestro o bom nome de alguém e só devolvo se o resgate for bastante para elevar meu nome! Isso, e mais o fato de que me deixo levar pela competição para ver quem é mais desgraçado.
Entretanto, há algo mais importante do que toda a importância que essas coisas têm. É o fato de que as razões de Deus para as promessas que mexem com o homem interior e os mandamentos que capacitam a operar no ambiente externo têm maior significância: Deus é gracioso e deseja que o nosso relacionamento com ele seja de íntimo conhecimento da verdade em amor. Seus mandamentos, ainda que contenham forte ênfase moral, não são legalistas, mas éticos; e suas promessas não são vazias, mas plenas de cumprimento. É isso que está escrito: “Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: quando amamos a Deus e praticamos os seus mandamentos” (1João 5.2); e
Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas vos torneis co-participantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo (2Pedro 1.3-4).
Exatamente aqui é que está a casa de marimbondos. Com tais princípios motivadores por dentro e tais disposições por fora, como é que fica nossa vida em um mundo não apenas decaído por causa do pecado, mas averso às virtudes cristãs, inimigo de Deus e dos homens (pois a advertência vale para gregos e troianos: “Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede que não sejais mutuamente destruídos”, Gálatas 5.15)? Como crer nas promessas e obedecer aos mandamentos de Deus, com tanto zumbido de ameaças por dentro e por fora?
Por um lado, há a apatia medrosa dos cristãos que cedem à profecia do poeta: “Quantos há que os telhados têm vidrosos, / E deixam de atirar sua pedrada, / De sua mesma telha receosos?” (2) Deixam de exercer seu papel profético e se acomodam à faina dos vespeiros à cata do mel de flores murchas que o século planta em cada esquina. Na poética bíblica, não experimentam a vida que recebemos do amor e da misericórdia de Deus:
Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais (Efésios 2.1-3).
Por outro, há a dura realidade de que não é por que eu seja paranóico que não tenha gente me perseguindo. Também está escrito, nas palavras de Jesus: “No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (João 16.33). O Julio Severo, por exemplo, enfrentando as aguilhoadas do movimento político em favor do “home com home, muié com muié” – que nega a própria identidade a fim de anular a glória de Deus (ver Romanos 1.18-32) –, comenta: “Quanto aos cristãos em geral e aos evangélicos em particular, a Globo sabe que pode pisoteá-los à vontade, pois a reação máxima da população evangélica é manifestar algum leve protesto passageiro e depois esquecer o caso. Em resposta, a Globo boceja”. (3)
Como viver com um barulho desses? Olha a realidade prática de confiar ou não nas promessas de Deus e de obedecer ou não aos seus mandamentos. “Não matarás.” Assassinato é tão comum que ninguém mais liga. Não é que não ligue de ser assassinado. Afinal, o que é que você prefere: ser pobre e doente ou rico e com saúde? O caso é que picada de marimbondo no dedo dos outros tem gosto de mel. Contudo, fazendo um balanço, a coisa assusta. Veja o comentário de Solano Portela e Mauro Meister, no blog O Tempora! O Mores!, sobre coisas que eles não comentaram em 2010: “vários assassinatos bárbaros... Entre esses, o da Eliza Samúdio, cujo maior suspeito é o ex-goleiro do Flamengo, Bruno... Esse crime ocorreu em um contexto de vidas desregradas alimentadas pelo excesso de dinheiro e escassez de moralidade... Outro... foi o do Glauco Vilas Boas, cartunista famoso da Folha de São Paulo, ocorrida no bojo da demência provocada pelo Santo Daime e outras tantas drogas – ...condenadas da boca para fora por expoentes sociais e pela grande imprensa, como instituição, mas consumidas avidamente, por muitos dos que a fazem e nela atuam”. (4) Note como os comentários ligam os atos bárbaros às barbáries do coração. Um mata o corpo com uma espada, outro com pó, outro ainda com ideias contra Deus e, outros mais, com a língua. Onde fica a beleza pés dos que anunciam as boas novas? A vaidade do leque de pavão, em vez de servir de atrativo, apenas exibe a feiúra dos pés. A esperança vai cedendo lugar ao cinismo e, quando percebemos, já fizemos tanta cera em termos de quem somos e do que fazemos que nos restará somente exibir o ferrão e entrar na festa.
“Não furtarás.” Os maus políticos (porque a boa política anda escassa de candidatos) querem se locupletar, como ia o bordão do Justo e Veríssimo, do Chico Anízio. Na maioria das vezes, somos sequestrados e nos quedamos reféns de atos governamentais, de leis de interesse pessoal dos legisladores, de injustiças jurídicas, de causas sociais que nada têm a ver com a vida justa e boa – e ninguém nos consulta depois de havermos pagado o resgate do voto. A coisa piora quando isso vira virtude do jogo eclesiástico. Hoje, sem projeto de sucesso pessoal ninguém vence, nem nas câmaras nem nos átrios; e a moçada segue os passos dos bem sucedidos, cantando: “Tropeça aqui, oi, cai acolá, mas depressa levanta e começa a cantar...” Somos sequestrados por figuras carismáticas sem caráter, líderes astutos, liderados matreiros, mentirosos anônimos, reveladores do pecado alheio, críticos de porta de igreja e tanto louvor mais. De arrependimento e santidade, pouco se fala. Uns caem e não se levantam, outros julgam e não querem ser julgados; a verdade é chamada de mentira e, a mentira, de verdade – e nós fingimos que ninguém falou conosco. Olha que tem filósofo andando com lanterna acesa à procura de honestidade. Eu sei, eu sei que sempre foi assim. Mas entre cristãos? Na igreja? Em que é que o mundo, que tem o direito de nos criticar (“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros”, João 13.35), deverá crer: no testemunho de nossas palavras ou no de nossos atos? Certamente crerá na incongruência! Se os assassinatos de caráter e os sequestros da alma não derem uma parada, como é que prosseguiremos, convidando gente para vir a Cristo, a cabeça da igreja? O que é que convidamos o mundo para ver na igreja: nossa boca, nossas mãos, nossos pés e nossos olhos? Não se engane, o que falamos, fazemos, aonde vamos e o que consideramos – tudo procede das fontes do coração (cf. Provérbios 4.10-27).
Hoje, início de ano, eu faço um voto: prometo que não sonho mais essas coisas; não irei mais para a cama depois de comer iras amargas e indigestas; vou sonhar com você sem cair da cama; sonhos bons, coloridos. E quando em meus sonhos eu for visitar os seus, irei desarmando, munido apenas do resgate que Jesus pagou ao Pai para que fôssemos um nele e com ele.
Exatamente por que é de matar, é que temos de lidar com essa ira. É isso aí: Ira mesmo! Certo que ela tem seu lugar. A ira está para a dor assim como a misericórdia está para o amor. Trocando em miúdos, a ira é boa e louvável enquanto é um sentimento de que alguma coisa está errada (“Irai-vos e não pequeis” – o negócio é não pecar, pois senão, é o diabo; ver Efésios 4.26-27). É como a dor, esse incômodo que impede que eu vá além dos meus limites e me fira, mas que, quando rompe seu próprio limiar, dói mais do que dente do siso encavalado. Quando o diabo pega, a ira vira amargura e enrosca na cabeça, ressentida, como cisco no olho que mesmo depois de tirado ainda raspa. A solução cristã é sobrepor o desafeto com a redenção que há em Cristo Jesus. Há uns dois ou três versículos, na Bíblia, que, se você se lembrar deles na hora “h”, até ajuda: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Romanos 5.1); “Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12.14); e “amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mateus 5.44). A questão é como fazer para amar aquelas pessoas que claramente não permitem ser amadas? Como amar meu inimigo? Parece pesadelo! Contudo, não é para desesperar. Se Deus conseguiu que eu despertasse, ele poderá acordar a qualquer um. E ele quer. Por isso mesmo, juntamente com suas promessas, ele fornece mandamentos; aquelas motivam o coração e estes nos capacitam a mudar o comportamento.
Pense um pouco comigo sobre dois mandamentos do Decálogo (usei o termo, agora, só para ver se você não estava cochilando – são os Dez Mandamentos, ô): o sexto mandamento, “Não matarás”, e o oitavo, “Não furtarás” (Deuteronômio 5. 17 e 19). O primeiro é mais simples. Entendendo certo as ordens bíblicas aparentemente antagônicas, de não matar e de matar, o bom intérprete conclui que tem mais coisa aí. Com efeito, o termo hebraico usado no texto é ratsah, que tem mais o sentido de “tomar nas mãos, voluntariamente, o direito de tirar a vida ao semelhante”, do que o sentido de homicídio acidental ou de legítima defesa (pessoal ou institucional, como em caso de guerra ou de pena capital). Ora, esse cara que de quem gratuitamente não gosto, ou que gratuitamente me ataca, é meu semelhante, criado à imagem de Deus, a quem não tenho o direito de roubar a vida. A promessa do Senhor é que a vida procede de sua graça, e que o respeito à vida do outro pressupõe o valor da minha própria vida. Não poderei matar aquele a quem Deus criou assim como não poderei matar a imagem de Deus plasmada em suas criaturas. Não poderei matar seu caráter por meio do ódio ou da maledicência (“Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”, 1João 4.20; “Todo aquele que odeia a seu irmão é assassino”, 1João 3.15; “todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento”, Mateus 5.22).
O segundo, o oitavo mandamento, é um pouco mais complicado. “Não furtarás” não diz respeito à simples apropriação indébita (ainda que esse crime seja igualmente condenado por Deus), mas está mais próximo do sentido de sequestro. A melhor ilustração disso é o caso de José, sequestrado e vendido por seus irmãos em função de lucro pessoal. O Deus que nos libertou da escravidão do ambiente decaído em que vivemos, da esfera de morte à espreita dentro de casa e nas ruas, e que nos remiu do cativeiro interior que nos devora de desejos de prazer e de poder, ele mesmo não quer que o homem criado para a liberdade se torne escravo de homens. Como é que eu, na mesma terra e sujeito aos mesmos troncos e barrancos do caminho, posso pensar em controlar o homem que Deus criou para sujeitar, cultivar e guardar as suas obras? Quantas vezes, eu sequestro o bom nome de alguém e só devolvo se o resgate for bastante para elevar meu nome! Isso, e mais o fato de que me deixo levar pela competição para ver quem é mais desgraçado.
Entretanto, há algo mais importante do que toda a importância que essas coisas têm. É o fato de que as razões de Deus para as promessas que mexem com o homem interior e os mandamentos que capacitam a operar no ambiente externo têm maior significância: Deus é gracioso e deseja que o nosso relacionamento com ele seja de íntimo conhecimento da verdade em amor. Seus mandamentos, ainda que contenham forte ênfase moral, não são legalistas, mas éticos; e suas promessas não são vazias, mas plenas de cumprimento. É isso que está escrito: “Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: quando amamos a Deus e praticamos os seus mandamentos” (1João 5.2); e
Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas vos torneis co-participantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo (2Pedro 1.3-4).
Exatamente aqui é que está a casa de marimbondos. Com tais princípios motivadores por dentro e tais disposições por fora, como é que fica nossa vida em um mundo não apenas decaído por causa do pecado, mas averso às virtudes cristãs, inimigo de Deus e dos homens (pois a advertência vale para gregos e troianos: “Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede que não sejais mutuamente destruídos”, Gálatas 5.15)? Como crer nas promessas e obedecer aos mandamentos de Deus, com tanto zumbido de ameaças por dentro e por fora?
Por um lado, há a apatia medrosa dos cristãos que cedem à profecia do poeta: “Quantos há que os telhados têm vidrosos, / E deixam de atirar sua pedrada, / De sua mesma telha receosos?” (2) Deixam de exercer seu papel profético e se acomodam à faina dos vespeiros à cata do mel de flores murchas que o século planta em cada esquina. Na poética bíblica, não experimentam a vida que recebemos do amor e da misericórdia de Deus:
Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais (Efésios 2.1-3).
Por outro, há a dura realidade de que não é por que eu seja paranóico que não tenha gente me perseguindo. Também está escrito, nas palavras de Jesus: “No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (João 16.33). O Julio Severo, por exemplo, enfrentando as aguilhoadas do movimento político em favor do “home com home, muié com muié” – que nega a própria identidade a fim de anular a glória de Deus (ver Romanos 1.18-32) –, comenta: “Quanto aos cristãos em geral e aos evangélicos em particular, a Globo sabe que pode pisoteá-los à vontade, pois a reação máxima da população evangélica é manifestar algum leve protesto passageiro e depois esquecer o caso. Em resposta, a Globo boceja”. (3)
Como viver com um barulho desses? Olha a realidade prática de confiar ou não nas promessas de Deus e de obedecer ou não aos seus mandamentos. “Não matarás.” Assassinato é tão comum que ninguém mais liga. Não é que não ligue de ser assassinado. Afinal, o que é que você prefere: ser pobre e doente ou rico e com saúde? O caso é que picada de marimbondo no dedo dos outros tem gosto de mel. Contudo, fazendo um balanço, a coisa assusta. Veja o comentário de Solano Portela e Mauro Meister, no blog O Tempora! O Mores!, sobre coisas que eles não comentaram em 2010: “vários assassinatos bárbaros... Entre esses, o da Eliza Samúdio, cujo maior suspeito é o ex-goleiro do Flamengo, Bruno... Esse crime ocorreu em um contexto de vidas desregradas alimentadas pelo excesso de dinheiro e escassez de moralidade... Outro... foi o do Glauco Vilas Boas, cartunista famoso da Folha de São Paulo, ocorrida no bojo da demência provocada pelo Santo Daime e outras tantas drogas – ...condenadas da boca para fora por expoentes sociais e pela grande imprensa, como instituição, mas consumidas avidamente, por muitos dos que a fazem e nela atuam”. (4) Note como os comentários ligam os atos bárbaros às barbáries do coração. Um mata o corpo com uma espada, outro com pó, outro ainda com ideias contra Deus e, outros mais, com a língua. Onde fica a beleza pés dos que anunciam as boas novas? A vaidade do leque de pavão, em vez de servir de atrativo, apenas exibe a feiúra dos pés. A esperança vai cedendo lugar ao cinismo e, quando percebemos, já fizemos tanta cera em termos de quem somos e do que fazemos que nos restará somente exibir o ferrão e entrar na festa.
“Não furtarás.” Os maus políticos (porque a boa política anda escassa de candidatos) querem se locupletar, como ia o bordão do Justo e Veríssimo, do Chico Anízio. Na maioria das vezes, somos sequestrados e nos quedamos reféns de atos governamentais, de leis de interesse pessoal dos legisladores, de injustiças jurídicas, de causas sociais que nada têm a ver com a vida justa e boa – e ninguém nos consulta depois de havermos pagado o resgate do voto. A coisa piora quando isso vira virtude do jogo eclesiástico. Hoje, sem projeto de sucesso pessoal ninguém vence, nem nas câmaras nem nos átrios; e a moçada segue os passos dos bem sucedidos, cantando: “Tropeça aqui, oi, cai acolá, mas depressa levanta e começa a cantar...” Somos sequestrados por figuras carismáticas sem caráter, líderes astutos, liderados matreiros, mentirosos anônimos, reveladores do pecado alheio, críticos de porta de igreja e tanto louvor mais. De arrependimento e santidade, pouco se fala. Uns caem e não se levantam, outros julgam e não querem ser julgados; a verdade é chamada de mentira e, a mentira, de verdade – e nós fingimos que ninguém falou conosco. Olha que tem filósofo andando com lanterna acesa à procura de honestidade. Eu sei, eu sei que sempre foi assim. Mas entre cristãos? Na igreja? Em que é que o mundo, que tem o direito de nos criticar (“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros”, João 13.35), deverá crer: no testemunho de nossas palavras ou no de nossos atos? Certamente crerá na incongruência! Se os assassinatos de caráter e os sequestros da alma não derem uma parada, como é que prosseguiremos, convidando gente para vir a Cristo, a cabeça da igreja? O que é que convidamos o mundo para ver na igreja: nossa boca, nossas mãos, nossos pés e nossos olhos? Não se engane, o que falamos, fazemos, aonde vamos e o que consideramos – tudo procede das fontes do coração (cf. Provérbios 4.10-27).
Hoje, início de ano, eu faço um voto: prometo que não sonho mais essas coisas; não irei mais para a cama depois de comer iras amargas e indigestas; vou sonhar com você sem cair da cama; sonhos bons, coloridos. E quando em meus sonhos eu for visitar os seus, irei desarmando, munido apenas do resgate que Jesus pagou ao Pai para que fôssemos um nele e com ele.
Wadislau Martins Gomes
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(1) Inspirado em meu trabalho de tradução de Peter C. Graigie, Deuteronômio, em o Novo comentário internacional do Antigo Testamento, a ser publicado pela Editora Cultura Cristã.
(2) MATOS, Gregório de. Obra poética. Org. James Amado. Prep. e notas Emanuel Araújo. Apres. Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.
(3) Júlio Severo, Gays, perseguição e mentiras: a novela de sempre (2009), Mídia Sem Máscara, sexta, 31 de dezembro de 2010: http://www.midiasemmascara.org/artigos/direito/75-gays-perseguicao-e-mentiras-a-novela-de-sempre.html
(4) Postado por Solano Portela, quarta-feira, dezembro 29, 2010; http://tempora-mores.blogspot.com
(1) Inspirado em meu trabalho de tradução de Peter C. Graigie, Deuteronômio, em o Novo comentário internacional do Antigo Testamento, a ser publicado pela Editora Cultura Cristã.
(2) MATOS, Gregório de. Obra poética. Org. James Amado. Prep. e notas Emanuel Araújo. Apres. Jorge Amado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.
(3) Júlio Severo, Gays, perseguição e mentiras: a novela de sempre (2009), Mídia Sem Máscara, sexta, 31 de dezembro de 2010: http://www.midiasemmascara.org/artigos/direito/75-gays-perseguicao-e-mentiras-a-novela-de-sempre.html
(4) Postado por Solano Portela, quarta-feira, dezembro 29, 2010; http://tempora-mores.blogspot.com