Ocorre-nos que a vida é a maior manifestação da graça. A Bíblia nos diz que, antes, a graça é maior que a vida!
Dia de sol quente, jogávamos conversa fora, na varanda da frente da casa. O tema das crianças competia com a fresca. De repente, quando Beth falava com Adriana sobre as crianças, as palavras lhe saíram como que enroladas na língua. Sua boca estava contorcida e o olhar, surpreso. Eu não queria estar certo quanto ao que pensei. De imediato, chamei Davi, que estava na área de trás da casa, e disse: “Olhe o rosto da mamãe!” Tendo visto, suas palavras confirmaram minha primeira impressão: “Direto para o hospital!”
Lá fomos, depressa, sem muita conversa, e, enquanto Beth apresentava sinais de melhora e de piora, nossas certezas e incertezas igualmente flutuavam. No hospital, a plantonista diagnosticou qualquer coisa como “infecção do nervo da face”. Qualquer leigo poderia ter dito isso, e até leigo saberia que não era. “Vamos para casa”, eu disse. Quem seria louco de entregar a esposa ao trato de tal diagnóstico?
Em casa, Beth apontou para um quadro pintado pela irmã da Adriana, e disse: “Andréa pintou este quadro há trinta anos." “Trinta? Então, que idade ela teria na época?” “Trinta não”, tornou Beth... “cento e cinqüenta... não... setenta e cinco... menos onze...” A partir daí, trocou refresco por panela, bolsa por sofá, e a boca ficou mais torcida.
Pequeno acidente vascular cerebral. Foram cinco dias de cuidados e exames, ultra-som da carótida, eletrocardiograma, sangue etc. Depois, mais exames, ressonância magnética, eletro encefalograma e angiografia cerebral. Os exames mostraram que Beth já havia sofrido uma isquemia anteriormente, no lado esquerdo, numa área bem no interior do cérebro. A isquemia atual, no lado direito de cérebro, não atingiu área extensa nem causou seqüelas insuperáveis. O problema é que exames recentes mostraram que, desde o AVC, houve outras diminutas ocorrências, as quais implicam continuação da busca das causas. Tudo isso aconteceu no último mês. No meio de tais correrias e sobe-e-desce emocional, recebemos muitas visitas e reunimos quase toda a família (Deborah veio com o filho mais novo; Davi, logo após a angiografia, viajou para os EEUU, a serviço).
Há cinco dias, quando nos assentamos à mesa da sala de jantar para o lanche da tarde o céu escureceu rapidamente. Raios e trovões e muita água despencaram, mas, como de costume, tocamos a vida. Quando o telefone soou, três de nós reagimos mecanicamente, fazendo menção de levantar da cadeira: “Eu atendo”, soaram três vozes. Ganhou quem levantou. Daniel foi ao telefone e, quando disse "alô", houve um estalo e tudo o que vimos foi seu corpo arremessado contra a parede e resvalando para o chão.
No meio da confusão formada, debrucei sobre ele, meu coração aos pulos sobre o dele parado. Gritei: “Ai meu Deus!” em profundo rogo. Soquei seu peito, calquei com força uma, duas, três vezes, até arrancar-lhe o grito sufocado. “Ele está movendo os olhos”, gritou Debby. Sem controle do braço e da perna esquerdos, e a mão direita rígida e retorcida, Daniel estava aturdido e não conseguia se comunicar. Márcia, ao telefone, buscava ajuda. Foi então que Daniel começou a reagir. Pouco a pouco retomou a quase normalidade.
Nos comentários posteriores, Davizinho, o filho mais velho do Daniel, de seis anos, exprimiu susto e medo. Tia Adriana e tia Debby o sossegaram: “Deus está em controle”.
Algumas das causas prováveis do AVC foram eliminadas, deixando questões sobre as causas daquilo que continua acontecendo. Beth, agora, deverá passar aos cuidados do cardiologista. Daniel foi ao médico e constatou, no coração, sinais da violência do ocorrido.
Somos, todos, meninos assustados e com medo, mas Deus nos diz que ele mesmo está em controle, presente e em autoridade, dando-nos força para caminhar com a companheira e para dar murro no peito do filho. Seria isso, tudo? Teriam passado as tempestades de dentro e de fora?
Jonathan, um ano e meio, filho da Deborah, estava à mesa, no café da manhã. Eu, desde as quatro da manhã no trabalho, havia reservado agrados de chocolate para os netos. Dei um para o pequenino. “What do you say, baby?” E ele: “More, please”. Depois disso, voltei ao escritório. As costas sentindo a tensão das semanas passadas, o trabalho se arrastava dolorido. Desci para medir a pressão arterial: alta. Encostei o corpo num sofá para fugir à preocupação da família, sem sucesso. Deborah, com Jonathan do lado, veio para perguntar: “Tudo bem, papai? Precisa de ajuda?” E a conversa vai entre tudo-bens e é-só-cansaço, quando, então, ela pede: “Um minutinho, pai, deixa-me ver o Jonathan, que ele anda sapequinha”. Onde o Jonathan? Não na sala, não no quarto, não na cozinha. Na piscina. Então, os gritos, as corridas, e minha filha, na água, põe o corpo inerte do neto na borda. “Oh Deus! Salva meu neto!” Boca-a-boca, gritos, pressão do tórax frágil, terror e oração e, de repente, a vida. Vômito e fôlego, ações prontas, o resgate encaminha o ferido e os atônitos para o hospital.
Ele está lá, agora. Luta bravamente para vencer as dificuldades respiratória e cerebral. Revezamo-nos no acompanhamento, na UTI. Neste momento, a mãe está lá, ao lado do leito, cercada de nosso apoio, mas visivelmente só. O pai, John, conseguiu aprontar a documentação para viagem, e chega amanhã. Davi conseguiu rápido transporte, da Califórnia, e veio juntar à fraqueza, a força da graça. Jonathan e Debby estão feridos. Nós estamos feridos. Beth, filhos, noras, genro e netos assumiram seus postos na porta dos céus e na roda da terra. Nosso coração pulsa no ritmo da paz de Deus, certo das dores e das glórias de Cristo.
Certamente a graça é maior que a vida!
Wadislau