sexta-feira, novembro 13, 2020

QUANDO UMA PESSOA AMADA INCORRE EM PECADO GRAVE



Penso num assunto há muito tempo, mas demorei para escrever porque temia ser mal compreendida e, assim, começo o artigo com duas afirmativas gerais:

  • Todo mundo é pecador e não existe quem não cometa, cometeu ou cometerá pecados nessa vida sobre a terra.
  • Nenhuma pessoa – cristã ou descrente, criminosa ou caridosa – é melhor do que outra ou merecedora diante do Deus justo e santo. Somos salvos somente pela graça de Jesus e, se condenados, é porque continuamos no pecado em que nascemos.

Entendendo assim, não sou melhor do que a pessoa que observo cair num precipício, e qualquer observação que eu faça quanto ao pecado cometido, não poderei impor juízo ou condenação – somente amor e misericórdia, pois estamos falando de pessoas criadas à imagem de Deus.

Vivemos, porém, num mundo real onde nada vai tão bem. Você e eu já escorregamos em erros tamanhos e, certamente teremos ou iremos presenciar gente que amamos a cometer outros tipos de pecados crassos. Estamos sempre e enfretar o nosso pecado, o pecado contra nós e o pecado de uns contra os outros.

Conto nas duas mãos casos de amigas cristãs que “casaram no Senhor”, cujos maridos, depois de longo ou curto prazo, revelaram-se promíscuos, iracundos, beberrões ou homossexuais praticantes, deturpando o casamento e esmagando os sonhos de viver a verdade em amor “até que a morte os separe”. A carnalidade, em suas muitas formas, separa os relacionamentos mais íntimos, seja ira amargurada seja escolha temporal errada seja impureza moral. Muitas e muitas vezes, outro homem ou outra mulher separa um casal sem que haja arrependimento e perdão.

Certamente, você também conhece pessoas que começaram bem a vida a dois e foram traídas por enganos e adultérios. Deus odeia o divórcio e promove o perdão, mas quando a pessoa é contumaz e não busca reconciliação, Deus permite a separação pela dureza do coração. Deus odeia a mentira e a distorção do matrimônio baseada em enganos. Poderá ser que você tenha sido traído por um cônjuge sem que você tenha sido parte “culpada” (quem há de?). Novamente, volto à afirmativa inicial que ninguém é totalmente inocente e isento de pecado, mas estamos falando de uma pessoa que não traiu o casamento e que está ferida por aquele/a a quem ama e em quem confiava. Ainda ama, embora esteja morrendo de raiva e corroida/o pelo rancor da decepção. Mesmo que filmes, psicologias e todo um mundo secular romantizem “casos de amor” e justifiquem traições, dizendo que tudo vale quando surge novo amor, quem ficou sozinho ficou arrasado e sem rumo.

Outros amigos sofrem as decisões chocantes dos filhos que assumiram transgeneridade, passaram a viver conjugalmente com pessoa do mesmo sexo ou cometeram algum crime contra pessoas vulneráveis. Provavelmente já estavam envolvidos com pornografia virtual ou de outro tipo, mas o “caso” veio a público, envergonhando os familiares e forçando-os a tomar decisões complicadas. Se uma filha ou filho é dependente dos pais e reside com eles, talvez tenham de “mandar embora”—mas como rejeitar aquele que é parte da gente, que nasceu em casa, e expô-lo a ainda perigos piores? Quando o filho é adulto e independente, o relacionamento fraturado ainda é dolorido, mas sabemos que ele terá condições de sobreviver no mundo.

 O que dizer do filho ou irmão tomado por drogas que o tornam alienado e incapaz de manter emprego? E se uma filha faz uma falcatrua financeira que pode levar a punições legais – além de lesar a própria familia?

Temos de fazer diferença entre fraquezas que promovem erros de desempenho, performance – tal como por a perder um emprego, ou tomar decisões amalucadas — e  outros pecados biblicamente condenáveis. Um filho, irmão ou cônjuge que tenha um surto psicológico, certamente precisará de ajuda e apoio dos familiares. O mesmo passa a viver uma loucura de travestiismo e precisará ser confrontado com a Palavra de Deus, não acobertado pelos pais. Claro que todo confronto tem de ser em amor, não enfatizando a “desgraça ou vergonha que causa para nossa família”, e sim, o quanto ferimos ao Deus santo que nos ama e nos salvou. Temos sempre de nos lembrar que “tais fostes alguns de vós, mas vós vos lavastes...”. Cristo morreu por pecadores, “dos quais eu sou o principal”. Ele tira a culpa do pecado, não fazendo de conta que ele não existe, mas porque, morrendo, Jesus expôs nossa culpa sobre a cruz e, ressurgindo, nos justificou, tornando possível uma nova vida. Mas não admitimos que você tenha relações sexuais ilícitas em nossa casa! Recebemos o parente em casa com comida e hospedagem – não seremos coniventes com atitudes ou atos que firam o convívio cristão ou ponham em risco irmãozinhos mais novos.

Tenho conversado com algumas pessoas que sofreram abuso sexual da parte de quem deveria protegê-las – professor, tio, padrasto, pai, avô, amigo da família. Se souber que alguém ligado a você está assediando ou ferindo uma criança, um deficiente mental, ou idoso – alguém vulnerável que não saiba se defender — você  e eu temos de agir, interferir e, se for o caso, denunciar! Não permita que o mal seja perpetuado em sua casa. Pode ser que o infrator seja uma pessoa amada do seu convívio – tem de dar um basta ao mal. Quanto mal a família do rei Davi poderia ter evitado, se tivesse agido e defendido a filha, Tamar, contra a maldade do meio-irmão. As inimizades das gerações futuras poderiam ter sido evitadas com o exercício de bondade, justiça e verdade nos relacionamentos!

Jesus foi acusado de ser amigo de publicanos e prostitutas – mas não aprovou os pecados de apropriação indébita pública ou privada, nem pornéia, fornicação ou adultério de qualquer espécie. Deus ama seu povo chamado de adútero, e permite que ele sofra as consequências do pecado —porém, sempre os chama ao arrependimento e perdão.

Estou impactada por testemunhos de pessoas como Rosária Butterfield, professora norte-americana, que foi feminista lésbica, ganha para Cristo através do amor de uma igreja bastante rígida, disposta a amar até as últimas consequências. Hoje, é esposa de pastor e mãe cristã de muitos. Testemunhos de pessoas que eram sexualmente escravizadas e vendidas internacionalmente, que hoje em Cristo são servos do Senhor e fundaram escolas para ajudar outras vítimas a sair da prostituição também nos enlevam.

Chegamos ao que sugere nosso título: o que fazer quando uma pessoa amada está prestes a cometer ou comete um pecado grave. Temos de nos lembrar que todo pecado é grave, pois afronta a santidade de Deus; contudo, existem pecados “mais escabrosos” quando eles trazem consequências mais sérias à integridade ou sanidade das pessoas. 

Primeiramente, não podemos fazer de conta que não importa tal ato ou atitude, ou que não existam graves consequências. Temos de ser realistas – ver as coisas sérias como são. Durante o início dos anos noventas, trabalhei como casemanager numa organização não governamental para ajudar pessoas com risco de AIDS ou soropositivas. A maioria dos meus clientes na época era homossexual. Antes de trabalhar com essa população, eu ajudava em casos de negligência ou abuso sexual de crianças, tentando proteger os vulneráveis e fornecer aconselhamento aos que facilitavam o erro.  Ajudava gente que tinha estilo de vida totalmente contrário ao que eu, esposa de pastor, propunha. Às vezes o pessoal da SPAL ou do Aids Action Committee, ao saber das minhas convicções cristãs, tachava-me de retrógrada ou preconceituosa. Mas eu sempre respeitava as pessoas como pessoas, sem emitir julgamentos. Eram meus amigos. Essa amizade ia além do emprego. Com o apoio de meu marido, convidamos nossos clientes a jantar em casa. Um deles, José, se converteu, foi batizado,  e veio fazer parte de nossa igreja. Por ignorância, alguns crentes questionavam se nós não estaríamos nos arriscando a “pegar AIDS” recebendo-os como seres humanos benvindos em nosso lar. Eles foram convidados a conhecer Cristo, que liberta da vida devassa que levavam.

Segundo, amar a pessoa não significa ser conivente com o pecado. Recebemos todo e qualquer tipo de gente – mas não admitimos que seus atos abomináveis sejam realizados em nossa casa ou igreja. A pessoa que está no erro poderá não entender isso – poderá até se revoltar contra a verdade que afirmamos da Palavra de Deus, achando que estamos julgando e nos posicionando acima delas. Na verdade, elas já estão julgadas e condenadas, mas não por nós, que também estávamos na mesma situação.

Terceiro, não debochamos da pessoa que assume uma postura pecaminosa nem a rebaixamos ou expomos diante de outras pessoas. Não aceitamos sequer a nossa própria maledicência – cremos no poder transformador de Jesus. Quando falou com a mulher samaritana, Jesus a tratou com dignidade, e com realismo: mandou: “Vai e chama teu marido”, para que ela mesma admitisse que estava entregue a relacionamentos ilícitos consecutivos! (Interressante que essa mulher à margem da sociedade foi a primeira a evangelizar Samaria). Quando Jesus avisou a Zaqueu que jantaria em sua casa, não começou a recriminá-lo pelo que ele fazia, mas fez óbvio que Zaqueu teria de mudar totalmente de vida.

Quarto, nosso relacionamento com o nosso parceiro, filho, parente ou amigo em pecado, tem de ser regado primeiramente com o amor de Deus — o que somente demonstraremos, se estivermos em oração e em dependência do Senhor. Soluções humanistas e humanas não resolvem as armadilhas desumanas e demoníacas em que nossos amados caíram. Nossa luta não é contra carne e sangue – e, pelo sangue de Jesus, Deus transforma o que é impuro e escuso em Noiva resplandecente.

Há sempre a possibilidade de restauração. Deverá haver restituição e mudança! O filho ou filha rebele pode vir a ser servo/a do Senhor. O cônjuge traidor poderá retornar à união do Senhor.

Elizabeth Gomes

domingo, julho 26, 2020

MEUS MONTES DA FALTA DE FÉ E OS MONTES DO SENHOR



Da varanda de casa, os montes da Serra do Mar, em Sabaúna...

— Salmo 121 —

Num desses dias de inverno, eu derramava a minha alma na presença do Senhor — são dias de isolamento dado a atual crise da saúde, e de terrorismo mediático social político-econômico entrincheirados nas armadilhas de uma pandemia engendrada. Lia a Bíblia, como de costume, com ações de graças e petições por mim, pela família imediata e estendida, tanto da carne quanto da fé. Pedia que, se fosse o seu querer, o Pai poupasse o mundo, principalmente o corpo de Cristo, dos males do atual corona vírus e de suas consequências oportunistas, e que abençoasse a igreja a bem do testemunho de nossa fé.

Em nada sou diferente de todos da minha humanidade, sendo igualmente fraco e necessitado em tudo e de muitas coisas. Há, contudo, uma enorme diferença, a qual não procede de mim: Deus concedeu-me o seu conhecimento e regenerou-me por sua Palavra para a viva esperança de refletir a sua glória e usufruí-lo para sempre. Enquanto aguardo que essas coisas sejam completadas, eu as experimento no culto individual e no culto da congregação, com cujos membro compartilho os atos e sentimentos da fé, os mesmos percalços e aflições, as mesmas fraquezas e os mesmas forças advindas da vitória do Senhor. A cada dia, preciso do alimento da Palavra de Deus.

UM SALMO PARA O CAMINHO

Foi assim que tive sobremaneira fortalecidos os afetos do coração, ao considerar o Salmo 121 à luz de outros textos lidos no culto individual. Esse Salmo é tido como um hino processional e tenho para mim que seja uma introdução ao culto público solene, como uma invocação do Pacto divino, e, no caso, um motivo para a minha adoração a sós. É um salmo sobre o clamor existencial da alma e o encontro da consolação no Criador de toda a existência.

Um pouco de leitura, um tanto de confissão e de louvor, um pedido de esclarecimento ao Autor invisível, mais um pouco do texto, um tanto de consulta ao coração, outro tanto de intercessão, e apanhei-me olhando para fora de varanda de casa. Do vale de O Refúgio, o sítio em que moramos, os montes da Serra do Mar, em Sabaúna, paralelos aos da Serra do Itapeti, formavam um quadro quase perfeito para entreter algumas perspectivas das primeiras palavras do Salmo: “Elevo os meus olhos para os montes…”

Poderá ser que o salmista evocasse somente os altos das idolatrias, mas eu acolho a expansão da figura para incluir os demais ambientes da experiência do povo de Deus. Havia ainda os montes das alianças, Sião e Sinai, e outros pontos referenciais da Bíblia. Até esses, se vistos à parte do Pacto figurado, poderiam igualmente provocar falsas esperanças e gerar escravidão em vez da liberdade em Cristo (cf. Gl 4.21-31; 2.4; 5.1). (Lembro-me de que, em visita às terras da promessa bíblica, vi muitas pessoas a pedirem um novo batismo, como se as águas do Jordão tivessem um poder maior do que a do Filho de Deus e do Homem, batizado por João.)

Tais considerações levaram-me a manter um olhar voltado para a situação corrente e outro para interpretação da promessa, sem descuidar do realismo cruel do século e zeloso da graciosa esperança eterna. A vida do ser humano será sempre um culto de adoração quer do Criador quer da criatura, dependente do que advirá louvor ou ira, gratidão ou medo. Assim, prossegui a meditação em humilde adoração.

Em outra pausa da leitura, como as que ressaltam as notas das composições melódicas, fui comovido pelas expressões do texto, e deixei que a mente usufruísse o enlevo. Assegurava-me a Palavra do Senhor de que o Espírito que a inspirou também orientaria os meus olhos, guardaria os pés, o sono ou a vigília, sob sol ou lua, do início ao fim, em todo o tempo.

UM SALMO PARA OS ALTOS E BAIXOS DA VIDA

O que eu via, no entanto, eram os vales das minhas próprias injustiças e os montes das injustiças cometidas contra mim, contra nós, e por outros contra os outros. Eu queria abrir o coração, confessar minha insuficiência, declinar o meu temor e minha ira diante do ódio ideológico professado e praticado num mundo sem Deus, sem fé, sem amor e sem esperança. Governos e povos ímpios se levantam na cidade contra Deus e os seus escolhidos e sequer percebem que a existência lhes escorre como areia entre os dedos. Sentia-me impotente e, assim, com o devido respeito e humilhação, repeti a pergunta do salmista: “de onde me virá o socorro?” De onde obter esperança num mundo que trocou a verdade pela mentira, o amor pela maldade, e em que um novo normal prenuncia tempos difíceis de injustiça e de perseguição?

Ah! Pequeno que sou, sequer me firmo no louvor a Deus pelo lugar que ele me deu. Sei que tanto o lugar onde nasci — Pátria amada, não adorada, mas grata terra de minhas moradas e para o nosso serviço da fé — quanto o pedaço de chão de O Refúgio foram resposta às orações da mocidade. Ingrato, como os que não têm esperança, os pés coxeiam entre maledicências e preferências quanto coisas dos montes da cidade, como diz: “mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se, no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho” (Rm 2.15, 15).

Certamente, tudo em minha vida vem do Senhor que me chamou e enviou. Ele “fez os céus e a terra”, fez-nos e ao momento presente para “o louvor da glória de sua graça que ele nos concedeu gratuitamente no Amado” (cf. Ef 1.6). Dele vem o socorro; aliás, dele veio o nosso socorro, Jesus Cristo, o amado do Pai e nosso. Ainda que nos vales de trevas (cf. Sl 23), ele guarda os nossos pés para que não vacilem; ele não dormita nem dorme e faz-nos repousar na paz de sua justificação; cuida dos nossos dias, preservando a nossa alma! Ele guarda a nossa saída e entrada, pois a promessa é que o que começou a boa obra em nós há de completá-la até o Dia de Cristo Jesus (cf. Fp 1.6).

Ah! A pequenez da minha alma! A esta altura da vida já era para eu ter alcançado lugares mais altos! Já devia confiar mais nas coisas dos altos céus! Rodeado, porém, de tantos montes de incredulidade, tenho sustos e temores, desconfianças pecaminosas as quais ofendem ao Senhor e a minha própria alma! Às vezes, as minhas orações empalidecem e saem murmuradas, roucas: de onde virá o meu socorro, hoje e no último dia? Onde uma certeza de fé? Quem guiará a saída das minhas peregrinações e a minha entrada na volta para casa?

UM SALMO DE LOUVOR E CONFIANÇA NO CRIADOR E REDENTOR

Ah! Mesmo conhecendo as promessas e tendo experimentado inúmeras vezes as suas concretizações, o meu coração ainda se apequena, e eu tenho de clamar: “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!” (Mt 9.24). E quando, então, eu me pergunto: quem sou eu para que me visites? — sentindo-me apenas um menino no meio de uma geração incrédula, mesmo que quase velho na idade, a olhar os montes da cidade — o Espírito do Pai e do Filho volve os meu olhos, os pés e a alma para a entrada e a saída, o Alfa e Ômega.

O Espírito, assim, alça os meus olhos para além dos montes — não apenas para os montes deste século nem somente para os montes que testemunharam a história da fé, mas para a significância dos atos da graça de Deus, para o significante Cristo Jesus em quem repousa a nossa fé. Não para meus medos nem minhas impossibilidades, mas para o Senhor Jesus, cujo amor expulsa o medo e cujo poder dá finalidade e propósito à minha vida. Foi dele que “alguém, em certo lugar, deu pleno testemunho, dizendo: Que é o homem, que dele te lembres? Ou o filho do homem, que o visites?” E sobre ele é a resposta: “Fizeste-o, por um pouco, menor que os anjos, de glória e de honra o coroaste [e o constituíste sobre as obras das tuas mãos]. O escritor de Hebreus prossegue, dizendo que o Senhor Jesus, por quem e para quem todas as coisas existem, deveria conduzir muitos filhos à glória, aperfeiçoando-os por meio de seus próprios sofrimentos; far-se-ia Autor de sua salvação, irmanando-se e irmanando-os na família de Deus. E do modo como ele não se envergonha de nos chamar irmãos, assim não nos envergonhamos de seu evangelho, o qual é o seu poder para a salvação revelada de fé em fé (cf. Hb 2.6-12 e Rm 1.16 e 17). Nessa linha, o escritor de Hebreus continua a citar o salmista: “A meus irmãos declararei o teu nome; cantar-te-ei louvores no meio da congregação; vós que temeis o Senhor, louvai-o; glorificai-o  (Sl 22. 22, 23).

Enquanto deste lado da eternidade, portanto, no meu vale ou na cidade, os seus louvores me acompanham e me asseguram. Bendito o Espírito da Palavra que me assegura de que, a despeito de todos os males e ameaças desta hora, tudo está sob o controle do Filho Criador. Todas as coisas estão sujeitas ao Filho criador, e nada foi deixado fora do seu domínio. Se, porventura, um olhar para “os montes” da cidade, faz parecer distante o socorro do Senhor, e eu sinto desmaiar a minha fé, sem demora vem-me o seu auxílio. O Espírito aponta para o Autor da nossa fé:
Agora, porém, ainda não vemos todas as coisas a ele sujeitas; vemos, todavia, aquele que, por um pouco, tendo sido feito menor que os anjos, Jesus, por causa do sofrimento da morte, foi coroado de glória e de honra, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todo homem” (Hb 2.9-10).

E ainda:
Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna (Hb 4.14-16).

Bendito seja o Senhor que dia a dia aperfeiçoa a nossa vida na santificação do Espírito e cuja graça é suficiente para conceder-nos o poder transformador. Ele vem em nosso socorro a partir de montes mais altos e mais profundos, como o Gólgota e o Olival de intensas dores e de júbilo — de morte, ressurreição e ascensão — e assiste-nos na fraqueza, concedendo-me o seu poder. Acima dos montes de nossa falta de fé, muito além dos montes da vizinhança e da vida toda, o Senhor Jesus abre os olhos de nossa alma para que vejamos as promessas de satisfação de justiça do evangelho. Satisfação da justiça do Pai mediante o sangue de sua cruz para remissão dos escolhidos; e satisfação da justiça de Deus em relação à impiedade dos que existem somente para a carne e para os desgovernos da própria natureza decaída (cf. 2Pd 2.9).

Louvado seja!

Wadislau Martins Gomes



quinta-feira, maio 21, 2020

NEM TUDO O QUE RELUZ É OURO

Pirita ou ouro de tolo

Nesses últimos dias, tive umas “sessões de bate papo” com os netos, Daniel e Rafael, sobre as dificuldades da igreja para discernir ensinos abalizados e conceitos inadequados. Por isso, quando os olhos bateram numa chamada na mídia social, eu sabia que não se tratava de coincidência. Tratava-se de uma matéria como tantas outras na enxurrada de visões que atraem os menos avisados — os quais, dado o tempo decorrido e a altura pretendida, já deveriam ser mais sábios (cf. Hb 5). A tal chamada era para uma apresentação pseudocientífica misturada a uma doutrina bíblica, numa amálgama não somente inconveniente, mas equivocada.

Segundo a orientação bíblica, em Provérbios, os discernimentos da pessoa sábia evitam as armadilhas da ignorância, da estultícia e da loucura. Deixe-me situar de onde venho e para onde vou, e o que carrego comigo. O Presbítero Dr. Vern S. Poythress — de quem tive a honra atender a algumas aulas — frequentemente levanta a questão: “É, a ciência, um guia adequado para a interpretação bíblica?” A resposta a essa pergunta retórica é a de que a ciência acaba sendo um método não objetivamente puro nem neutro (p.e., Ciência e Hermenêutica, 1988). O que ele quer dizer é que a ciência não é uma pedra de toque isenta de ser afetada por “compromissos, presunções e filosofias”.

Noutras palavras, o conhecimento do cristão verdadeiro é orientado por fé e é artigo de crença cujas doutrinas deveriam orientar toda e qualquer observação da realidade criada. Por sua vez, a ciência, quando tomada como ditadora do pensamento, perde o caráter de método de pesquisa e de conhecimento, para tornar-se instrumento de ataque ou defesa de própria consciência (cf. Rm 12.15; 7.14-25). Note que a Bíblia é a revelação escrita de Deus para os homens e, como tal, presta-se a julgar os motivos do coração a fim de proporcionar sabedoria espiritual no discernimento do certo e do errado, tanto na consideração da natureza humana interna quanto da observação da natureza externa. O contrário, isto é, quando aceita sem discernimento, totalmente objetiva e neutra, a ciência não é adequada como guia para a interpretação bíblica.

Certamente, não sou obscurantista. Aprecio o fato de que, por sua graça comum, Deus concedeu vislumbres de conhecimento natural a crentes e incrédulos, cujos gênios são evidentes, e isso a fim de nos abençoar. Creio, contudo, que mesmo esse tipo natural de sabedoria não foge à condenação da Queda. Até mesmo a pessoa de gênio e brilho, se não for regenerada, acabará distorcendo e conspurcando o conhecimento. O próprio crente regenerado terá de cuidar que seu conhecimento seja sempre conferido com a Bíblia, e que seu coração seja por ela examinado segundo a sabedoria do Espírito do Senhor. (Cf. 1Ts 5.21; 1Co 2.13; 2Co 13.5.) Existe uma falsa ciência cujo método é cultuado em diversas vertentes, dentro e fora do cristianismo nominal. Existe outro método científico que todo crente tem de abraçar. Esse consiste em examinar todas as coisas à luz das proposições da Escritura, em conferir coisas espirituais com espirituais, e em experimentá-las sob condições controladas até onde for possível, atentando ao estudo que homens de Deus fizeram ao longo do tempo e agora.

Onde quero chegar? A Escritura é clara: Ninguém se engane a si mesmo: se alguém dentre vós se tem por sábio neste século, faça-se estulto [para este século] para se tornar sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus; porquanto está escrito: Ele apanha os sábios na própria astúcia deles. E outra vez: O Senhor conhece os pensamentos dos sábios, que são pensamentos vãos (1Co 3.18-20). É isso: procure a verdadeira luz que vem de cima, Cristo, e não qualquer fogo de artifício, pois, nesse caso, é verdadeiro o ditado — nem tudo que reluz é ouro…

Uma boa hermenêutica — método científico corretamente aplicado ao conhecimento da Palavra de Deus e, à luz dela, adequado à observação do mundo — cumpre seu mister quando esclarece o conhecimento. A tarefa, no entanto, não para aí, se quiser portar o bom nome de ciência. Terá, ainda, de ter aplicação geral em outras áreas do conhecimento (heurística), e terá de ser corretamente explanada (enunciado). Por exemplo: dizer que Jesus é Senhor e não viver em conformidade com isso, até a universal faz; dizer que Jesus é o Criador sem levar em conta que o mundo se encontra decaído, até o diabo faz; dizer que Jesus é o Redentor sem considerar a redenção do nosso pensamento, muitos na cristandade o fazem; e dizer que Jesus é o Senhor criador e redentor, sem que isso importe em sua soberania sobre toda a criação e sobre a sustentação de todas as coisas, isso implica em estultícia, ignorância e loucura. É correr atrás de vagalume achando que bamburrou.

Wadislau Martins Gomes