– Que passa, véio?
O ar brejeiro de dona Déia deixava-a linda
– Está com jeito de quem viu
passarinho verde – ela completou
– Não é verde não, é o João de
barro ali na barriguda.
No galho espinhento da paineira
o pássaro ia, de bico em bico, fazendo sua casa.
– Estou aqui, matutando sobre
o caso daquele pastor que veio na outra semana. Parecia ave sem ninho.
– Que foi que vocês andaram
falando?
– Das coisas. Tem crente que
de tanto escutar a canção do João de Barro parece que virou ave sem perdão para
dar. Sabe? “O João de Barro pra ser feliz como eu...” – cantarolou.
– ?!
– Tem crente que é joão de
barro só de pena. Peito estufado, bico agudo, faz e acontece, mas se a mulher
escorrega, fecha a porta da casa com ela lá dentro.
– Estou voando.
– É essa coisa de a gente
pregar o que não vive e querer que os outros vivam o que a gente prega. É só
trilado de salvação, transformação, mas só no vento. Para muitos, o Deus que
cuida das aves só se ocupa com as “perdidas”; as de casa eles acham que não têm
jeito não. Assim é melhor nem casar com joão de barro.
–Ainda estou no ar.
– Esse moço, o pastor, andou batendo
asas e a passarada arreliou. O homem já mudou, é construtor sério, asa forte,
canto firme, só que não é joão de barro, é curió, e por isso os outros penados
não lhe dão trela.
– Ah!
– Pois é, fico pensando no
rei Salomão que não se vestia bem como as aves, mas sofria como uma. Queria ser
passarinho só para por música no seu poema: “Como o pássaro que foge, como a
andorinha no seu voo, assim, a maldição sem causa não se cumpre” (Provérbios 26.2).
É letra bem mais verdadeira do que a do João de Barro; tem esperança.
– Ainda não entendi tudo, mas
começo a ver alguma coisa no céu.
– Os joãos de barro não sabem que Deus tem poder para criar passarinho
do nada. Se soubessem o que Deus pode fazer na vida da gente não ficavam se
apoiando em galho seco.
– Agora é que não sei mais
nada!
– Nem eles, nem eles. Conversa
vai conversa vem, saiu um comentário bobo que nem grasnada de urubu, e veio diz que me disse de periquitos, conversa de ajurujuru; e o moço estava
no meio. Ficou jururu que nem o passarinho do Salomão. Disse que fez até uma
canção.
– E como é?
– Uma coisa do rei Davi: “Tu
fazes rebentar fontes no vale, cujas águas correm entre os montes; dão de beber
a todos os animais do campo; os jumentos selvagens matam a sua sede. Junto
delas têm as aves do céu o seu pouso e, por entre a ramagem, desferem o seu
canto” (Salmo 104.10-12).
– E o que ele quis dizer?
– É nisso que eu pensava
enquanto via o João de barro. Enquanto tem crente fechando as portas das casas,
o moço abria para eles a casa do Senhor. Disse que era tristeza sem mágoa, que
orava por eles e que, se pudesse, ainda dava de beber. Imagine, no bico!
Wadislau Martins Gomes
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