Você
conhece aquela do cachorro que corria atrás de carros e que, um dia, conseguindo
pegar um, não sabia o que fazer com ele? A coisa do namoro vai por aí. Há quem
realmente deseje “encontrar um amor” e nesse sentido, o namoro é um processo de
conhecimento mútuo dos enamorados. A Bíblia não menciona a palavra “namoro” no
sentido de oficialização de um pacto, mas descreve a ideia de atração e
compromisso afetuoso entre um homem e uma mulher, como no caso de Jacó e Raquel
(“Assim, por amor a Raquel, serviu Jacó sete anos; e estes lhe pareceram como
poucos dias, pelo muito que a amava” – Gênesis 29.20). No entanto, há quem
queira namorar – uma ânsia de afeto, de proximidade bem natural –, mas não sabe
com quem. De fato, esse tipo de pessoa quer namorar o “namoro”, isto é, sentir
o gelo na espinha, a borboleta no estômago, ou ter com o que desfilar por aí, ou,
ainda, achar oportunidade para “umas carnalidades” consentidas. Nisso é que dá
correr atrás de namoro sem saber o que fazer com ele. Nesse caso, o alvo de
namorar vem primeiro, como um culto a um ídolo desconhecido, que depois leva a
cara das pessoas que “cabem” no andor.
Aí
é que se adéqua minha versão do ditado: devagar com o santo que o andor é de
barro. Primeiro deveria vir o encontro de pessoas, depois o desejo de namorar.
Mas como o nosso coração prefere mais sentir ânsias de paixão a viver anseios
de amor, a gente acaba pondo o andor do namoro no lugar do santo. Tal como tem
de existir água antes que haja o desejo de nadar, assim também deveria haver
alguém que despertasse o desejo de “namorar”. Como consequência dessa inversão,
ocorre um tríplice engano. Primeiro quem põe à frente o alvo de namorar antes
conhecer a pessoa objeto do encontro, tem de criar uma imagem dela, até mesmo
para que a possa reconhecer, acaba criando a cara do santo à sua própria
semelhança e torna o encontro que deveria ser gracioso em uma transação egoísta.
Segundo, para que possa vir antes do encontro, o namoro (que deveria ser um
termo descritivo da arte desse encontro especial) vira substantivo, quer dizer,
torna-se um termo designativo de uma instituição, como pequeno noivado ou
casamento. Terceiro, nessa condição, o namoro é assumido como um ídolo com
poderes para satisfazer as necessidades dos pares e, consequentemente, torna-se
um encontro por necessidade e não por expressão de amor. Em vez de ser um
encontro que promova o bem do outro, vira um encontro para derivação de
“benefício” próprio (“Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão
também cada qual o que é dos outros” – Filipenses 2.4-5).
O
namoro cristão – no sentido de um período de atração e de conhecimento mútuo
entre um homem e uma mulher com vistas a um compromisso de amor – é uma relação
entre irmãos com o propósito de agradar a Deus por meio do conhecimento da
vontade de Deus caracterizado pela devida santidade. Paulo, instruindo os
tessalonicenses sobre essa matéria, diz: “Pois esta é a vontade de Deus: a
vossa santificação, que vos abstenhais da prostituição; que cada um de vós
saiba possuir o próprio corpo em
santificação e honra” (ver 1Ts 4.3-4; ver vv 1-9). A palavra “possuir” (gr., ktaomai) tem o sentido de “adquirir”,
“obter uma esposa”, e a expressão “próprio corpo” (gr., skeuos, vaso) tem o sentido de “implemento”, que lembra o texto de
Efésios 5.31: “Eis por que deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se unirá à
sua mulher, e se tornarão os dois uma só carne”. Nessa linha de pensamento,
Paulo realça que o empenho de buscar o “par de vaso” implica em um relacionamento
entre irmãos. Assim, namoro deveria ser um relacionamento entre irmãos com
vistas a uma união íntima. Essa união íntima exige o conhecimento de Deus em
santidade de vida e o conhecimento mútuo dos envolvidos com base no
conhecimento da vontade de Deus e no exercício da pureza do amor.
Do
jeito que as coisas estão, hoje, o namoro dispensa o conhecimento da vontade de
Deus e opta pela busca experimental do “par de vaso” por meio de uma intimidade
exacerbada e não própria de irmãos. A jovem ou o jovem “namora” um, depois
outro, e outro, até se esgotarem as possibilidades na igreja ou ao redor. Um
dia, aparece uma cara nova e, no dia seguinte, os namorados dão-se e exigem
todos os direitos de uma falsa intimidade – em nome do amor! Falsa, digo,
porque não há intimidade sem conhecimento. Na verdade, toda intimidade sem
conhecimento é abuso e violência. Não é fato que todos somos pudicos por
natureza? Somos protetores de nossa intimidade assim como jogadores de futebol
que, na barreira para um chute a gol, protegem “a cara”? Não é apenas que a
menina e o menino foram socialmente condicionados a proteger a intimidade
talvez por causa de expressões como: “Só a mamãe pode lavar aí até que você
aprenda a se lavar” ou “Tira a mão daí, menino; tá com coceira?” Sobretudo,
isso é porque Deus disse que as partes mais honradas foram estrategicamente
protegidas por fortes partes do corpo (ver 1Coríntios 12.22-14). É verdadeiro também
que as meninas crescem dotadas de um senso de sua missão de mulher, tanto como
ninho da humanidade quanto de espelho da glória de Deus, refletindo ao homem a
dependência que essa humanidade tem em relação à providência de Deus. E os
meninos, da mesma forma, crescem dotados de um senso de sua missão masculina de
refletir a glória de Deus tanto na proteção do ninho quando na honra a Deus,
refletindo a imagem de Deus na vida da mulher. Tudo isso, como Paulo disse, com
um propósito maior: “Eis por que deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se
unirá à sua mulher, e se tornarão os dois uma só carne” (Efésios 5.31).
Agora,
um dia, vem o completo desconhecido, cheio de beiço e com quatro mãos,
murmurando amores e gabando-se de virtudes protetoras, tais como: “Deixa
comigo” e “Confia em mim”, e a mocinha tímida ou atrevida, sedenta de
experiências de alguma forma de amor – e, no dia seguinte, são os mais íntimos
da vida. Nem pai nem mãe nem irmãos sabem mais ou querem mais. Contudo, ocorre
que, uma vez que, sem conhecimento e compromisso, intimidade é abuso e
violência, os namorados enfrentam um dilema: amar a Deus e ao próximo ou negar
o amor a Deus e “fazer” amor com o próximo? Isso é assim porque a intimidade
antes de o compromisso com Deus ser selado no compromisso com o “par de vaso”
é, de fato, defraude, como disse Paulo: “e que, nesta matéria, ninguém ofenda
nem defraude a seu irmão” (1Ts 4.6).
Poderá
ser que ela pense: “Se eu não ceder, perco a oportunidade” ou “o corpo é meu,
faço o que quero”. E poderá ser que ele pense: “Se eu não aproveitar, outro
aproveita” ou “Se eu não for afoito o que é que vão (ou ela vai) dizer de mim?”
O fato é que, ele e ela estarão se rebaixando e rebaixando um ao outro, de um
grau de dignidade que Deus deu a todos os homens como parte da graça comum,
pois todos temos consciência do bem e mal (ver Romanos 2, esp. vv 14-21).
Seja
um namoro consequente ou inconsequente, os resultados virão. No caso de um
namoro inconsequente (como a saída do moço arguido pelo pai da moça, se estava
namorando a filha pra casar ou pra que é, respondeu: “Pra que é”), lembre-se de
que os namorados sempre preparam o marido ou a esposa de outro irmão ou irmã em
Cristo, e o defraude, guardando culpa e medo, diminuirá as possibilidades de
futuros relacionamentos bem sucedidos. No caso de um namoro que acabe em
casamento, o defraude gerará culpa e ciúme. A qualquer hora ele se perguntará
se o chefe, colega ou amigo da esposa terá mais “lábia” do que ele; ou ela se
perguntará se a secretária, amiga ou o que for do marido será mais atraente do
que ela. Certamente, para os consequentes, haverá sempre a esperança firme de redenção
por meio do arrependimento e da confissão, em Cristo Jesus. Para
os inconsequentes, ainda que prevaleça a redenção, a restauração será sempre
mais difícil e dolorosa.
O
namoro, em moldes bíblicos, portanto, é oportunidade para uma amizade fraterna
que visa o conhecimento de Deus e propicia o conhecimento próprio e o
conhecimento mútuo. Isso implica a orientação da Palavra de Deus:
Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em
qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo; pelo
contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje,
a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado. Porque nos
temos tornado participantes de Cristo, se, de fato, guardarmos firme, até ao
fim, a confiança que, desde o princípio, tivemos (Hebreus 3:12-14).
Uma
boa regra para o namoro será: lembre-se de que o beijo cala a boca. Por isso,
fale, converse, instrua, aconselhe. Permita que o conhecimento em Cristo seja a
intimidade que oriente a maravilha do caminho “do homem com a donzela”
(Provérbios 30.19). Conheça a história do coração (memórias) do irmão ou irmã,
mas conheça com discernimento, lembrando coisas que transmitam graça, não
murmuração, amarguras, maledicências, impurezas e impudicícias. Dignifique o
irmão ou irmã com a dignidade de servos de Cristo.
Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo;
instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus,
com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. E
tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus ,
dando por ele graças a Deus Pai (Colossenses 3.16-17).
Bom
namoro!
Wadislau Martins Gomes