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“Tudo fez Deus formoso
no seu devido tempo; também pôs a
eternidade no coração do homem” (Ec 3.11).
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Odiava mudança. Filha
de missionários norte-americanos, radicada no Brasil, antes dos dezoito anos,
quando me casei, já havia mudado mais de trinta vezes em seis estados e dois
continentes. Cursando o Seminário Bíblico Palavra da Vida, moramos na “casa
branca” e no “motel velho”, duplicando residências na casa dos meus sogros quando
Lau ajudava a igreja de Araras e durante as férias, quando “voltávamos para
casa”. Mudando para Belo Horizonte, moramos no Sion, no Bairro das Nações
Unidas (onde compramos uma casinha cuja parede caiu) e na Serra, perto do
Hospital Evangélico em casa graciosamente emprestada pelos irmãos Abdala e
Paulinho. Mudamos para São Paulo, onde primeiro moramos no Brooklyn e depois em
três residências diferentes em Santana. Quando Lau assumiu um pastorado em Jaú,
fomos para o “apartamento pastoral”, e, depois, para a espaçosa casa pastoral então
adquirida. A mudança de ministério, o trabalho de tempo integral com O Refúgio,
levou-nos por três anos a morar numa grande casa de fazenda, emprestada. Sendo
meu marido convidado para dirigir o Instituto Presbiteriano
Nacional de Educação, em Brasília, enfrentamos mais uma mudança e duas
residências – para, quatro anos depois, desfazermo-nos de tudo que possuíamos e
ir aos Estados Unidos. Lá, moramos temporariamente com um jovem pastor, John
Yenchko, e sua esposa Nina, que receberam em amor a família do novo aluno do
CCEF, antes de encontrar uma situação residencial mais estável na 301 (e depois
309) Bent Road, em Wyncote. A nova residência era uma mansão vitoriana dividida
com outra família de estudante. Uma mudança para Boston, para implantar igrejas,
incluiu um séquito de duas casas e dois apartamentos. Voltamos para Brasília só
com o filho mais novo (a filha estava casada e o filho mais velho continuou o
pastorado começado por Wadislau e ele, em Alston), onde houve o apartamento da
igreja e, mais tarde, a casa da chácara O Refúgio. Depois disso, mais duas casas
em outro sítio de O Refúgio, em Mogi das Cruzes , SP.
Na maturidade, as
mudanças não vieram mais de ano em ano, mas continuavam nos surpreendendo.
Mudança de local nem sempre implica mudança de vida ou status, mas, muitas vezes, mudanças externas e internas ocorrem
simultaneamente, mesmo que algumas sejam imperceptíveis, no começo. Por
exemplo, o começo de nossa vida de casados foi no final dos estudos bíblicos, preparando-nos
para o trabalho missionário (incluindo visitando muitas igrejas para levantar o
sustento); tive gravidez, parto, nascimento e criação do primeiro filho
enquanto estudávamos e trabalhávamos em diversos “bicos”, de Lau abrindo fossas
e poços, aprendendo marcenaria com Haroldo, grego com Ary Veloso e teologia com
Dr. Shedd (a quem hospedamos diversas vezes para refeições) e sendo motorista
do IBPV, até minha aventura de fazer doces e vender aos colegas ou dar aulas de
inglês sem nenhuma garantia de sustento financeiro – vivendo a abundância da
graça de Deus.
Em BH, a missão teve
mudança de enfoque: evangelização de israelitas. Com cinco salários mínimos,
alugávamos apartamento, comprávamos alimentos, material de limpeza e nos
locomovíamos, tendo ainda para compartilhar oferta com outros irmãos! E dava! Comecei
a dar aulas em tempo parcial (outra grande mudança de vida, apesar de eu ter
dado aulas particulares desde os treze anos de idade) e estudamos para prestar
e passar exames de estudo secular, depois simplesmente continuamos estudando
sempre para aprender.
Não dá para enumerar
mais as modificações de vida, de enfoque, de situações, nas mudanças que
continuavam ocorrendo, ao vir a São Paulo no trabalho missionário, no primeiro
pastorado de uma igreja (que no começo não tinha como nos sustentar, e em que,
depois, dividíamos o salário do Lau com o auxiliar de pastor para que ele também pudesse servir a igreja!).
Obviamente eu era bastante imatura; cometi muitos erros de desempenho como esposa de pastor e erros básicos de vida cristã. Aprendíamos
sobre eternidade da vida com Deus e a efemeridade da vida no tempo. Vivendo na cidade
grande, ansiávamos pela Cidade Celestial, como os perambulantes do deserto no
Salmo 117 que firmaram raízes no Senhor e sua Palavra,
Ao mudar para Jaú,
cidade da infância do Lau, coração de São Paulo e cerne de grandes expectativas
de fazer e realizar para o Senhor,
começamos a aprender também que as realizações não eram tão importantes quanto ser do Senhor – instrumentos e não
agentes, servos e não fazedores!
Wadislau era pastor cercado e procurado principalmente por jovens, e alguns dos
velhos sob seu cuidado, que o haviam carregado no colo, também pastoreavam
nossos corações. Continuamos no aprendizado enquanto servíamos ali, depois na
capital federal, e então, voltando aos estudos na casa dos quarentas em outro
país, outra cultura, tendo três filhos estudantes também se preparando para a
vida e vivendo enquanto se preparavam! Finalmente, quando fomos para o campo
como caipiras assumidos em busca do ministério sonhado, de aconselhamento,
muitos perguntavam como então viveríamos ou sustentaríamos os filhos? Lau
respondia “Como sempre, na dependência do Senhor” – que não significa de papo pro ar, mas de “cavar buraco quando é
preciso, e tapar buraco se não tiver o que fazer – Deus dá o sustento ao
trabalhador”.
Depois de mais de seis
anos nos States, voltamos a Brasília, então com meu marido no pastorado da IP
Nacional. Além de mudanças de posição e atuação, havia também transformações de
ciclo de vida. Em cada lugar aonde fomos, fizemos amizades, tivemos grandes
perdas e inestimáveis ganhos para a eternidade. Quando deixamos a IPN para
construir, finalmente, a Refúgio, pensei “Agora quero viver até morrer na casa
que estamos construindo” e vários irmãos nos apoiavam nessa meta. NUNCA MAIS
VOU MUDAR, pensei.
Mas mudança faz parte
da vida cristã, e Deus nos chamou para mais uma deslocação geográfica, enquanto
trabalhava nossa transformação mental e cardíaca. Continuamos trabalhando,
servindo, escrevendo, participando ativamente do Reino. Não somos mais
descritos como jovens nem fica sobre nós o rótulo de imaturos ou inacabados. Às
vezes nos sentimos acabados mesmo fisicamente, quando o corpo não tem a
agilidade de quando acampávamos na praia ou no campo, viajávamos de Volkswagen
de Belo Horizonte à Argentina e Uruguai, de São Paulo a Garanhuns, nossa família
com outro casal, sem pernoite em hotel, ou mesmo mil quilômetros de Brasília a
Araras saindo de madrugada e chegando à noite, comíamos frango com farofa feito
na noite anterior e acondicionado em lata de Neston !
É, nós farofeiros de outrora hoje aceitamos compromissos em que vamos de avião
se for mais de 500
quilômetros de distância. Não é luxo, não – os tempos
mudaram e o tempo deixou marcas em nosso corpo descuidado!
Jamais deixamos de ter
cuidado com o que realmente transforma a vida. Fortalecemos a alma, amolecemos
o coração e buscamos transformar a disposição para um contentamento autêntico,
conforme Paulo indicava depois de ter vivido incríveis aventuras e impossíveis
sofrimentos: “Aprendi a estar contente em toda situação...” (Fp 4.11 e 1Tm
6.6-8). Cada mudança tem sido parte de nossa meta de inconformidade com o mundo
e de transformação segundo a mente renovada proposta pelo Senhor (Rm 12.1-3). Em
muitos aspectos, somos os mesmos que começamos a caminhar juntos há quase
cinquenta anos. Em outros, ainda estamos sendo mudados, e não imaginamos o
quanto ainda o Senhor da Seara nos transformará. Mudará nosso coração, as
coisas ao redor, as pessoas a quem amamos, as circunstâncias que prezamos e as
que gostaríamos de ver diferentes! Em meio a um mundo em queda, em espiral
descendente, temos um Deus imutável (Malaquias 3.6), uma fé ancorada no firme
fundamento: “Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo:
O Senhor conhece os que lhe pertencem” (2Tm 2.19). “Tivemos sempre consciência
do contraste de estar, por um lado, em movimento e mudança, enquanto por outro,
havia a firme certeza de nossa condição – de forasteiros e peregrinos,
embaixadores do Reino celeste, sem medo de sujar as mãos na vida terrestre do
aqui e agora”. Podem vir mais mudanças inesperadas nesta época em que amadurecemos
e a saúde do corpo deteriora – mas que sejam mudanças de crescimento para a
vida no Corpo de Cristo! Embaixatriz, embaixador – forasteiros somos, mas
estamos representando um Rei imutável e imarcescível! Bebês, crianças, jovens,
maduros, velhos quase decrépitos – um
dia mudaremos para a presença permanente e visível do Senhor – e pretendo
continuar aprendendo dele quando o vir em glória!
Elizabeth Gomes
2 comentários:
Eu também detesto mudanças... Gosto de me sentir segura. Jamais imaginei que mudaria de Brasília. Hoje, moro no Nordeste e sei que como casei com um pastor, devo ter em meu coração a disposição para o chamado de Deus, para onde ele quiser.
Linda mensagem, experiência riquíssima, eu particularmente gosto de mudar, mas, o mais importante de tudo, é vivermos contentes em tempo e fora de tempo. Imaginem ir até Garanhuns (terra da minha mãe, num fusca, só Jesus mesmo para capacitarmos). Creio firmemente que faz parte do ide do Senhor essa disposição e coração atento às mudanças. Deus os capacite sempre , cada vez mais, renovando-lhes os ânimos e a saúde.
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