Lenda grega de Narciso |
O
acrônimo WYSIWYG, da expressão inglesa “what you see is what
you get” (o que você vê é o que você obtém), é usado na computação para se
referir à representação imediata da imagem gráfica e o resultado final. O dito é
verdadeiro em relação a nós mesmos. Dá vergonha de dizer isso, mas o que somos tá na cara e é impossivel de ser
evitado. Todos os dias, em todos os meus dias, tento disfarçar os desejos,
intenções e atos do meu coração. Isso me faz lembrar de outra expressão usada
por linha de avaliação de traços de personalidade, tomada de empréstimo aos mágicos
de palco: “now you see me now you don’t” (agora você me vê, agora não). Esta
diz respeito ao comportamento dúplice de pessoas que prometem muito e não estão
prontas a cumprir ou que repetidamente mostram uma mão enquanto escondem a
outra. O fato é que, pelo verso ou pelo avesso, sempre me dou a conhecer. Se,
às vezes, parece que sou bem sucedido em minhas estratégias, acabo escravo do
engano e do autoengano (cf. Tg 1.17-27). Estou sempre a descoberto aos olhos
críticos mais aguçados.
Pense nas palavras da Escritura: Como na água o rosto corresponde ao rosto,
assim, o coração do homem, ao homem, e Até
a criança se dá a conhecer pelas suas ações, se o que faz é puro e reto (Pv
20.11; 27.19). Elas nos permitem considerar que quando as nossas palavras e
ações forem puras e retas, a sinceridade do coração transparecerá na admissão
de nossa fraqueza e dependência da graça de Deus. Se, porém, as nossas palavras
e atos forem uma cortina de fumaça para acobertar a feiúra da impureza moral,
dos valores temporais errados, e da amargura incontida (cf. Hb 12.14-17), isso
também transparecerá.
De nada adiantará sistematicamente evitar
certos assuntos ou exageradamente abordar certos temas, pois isso também será
evidência do mal que abrigamos no peito—um mal chamado hipocrisia! O próprio
Senhor Jesus foi quem disse isso, recordando as palavras de Isaías: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu
coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são
preceitos de homens (Mt 15.8-9; cf. Is 29.13). Hipócritas!—chamou. O Senhor se referia ao requerimento farisaico do
ato externo da lavagem de mão sem a correspondência interna da purificação da
alma. Ouvi e entendei—disse ele—não é o que entra pela boca o que contamina
o homem, mas o que sai da boca, isto, sim, contamina o homem ... o que sai da
boca vem do coração, e é isso que contamina o homem (Mt 15.10b-11).
O que fazer? Deixarmo-nos levar pela sátira
do vício, como fez Gregório de Matos, o “boca do inferno”?
“De que pode servir, calar, quem cala, / Nunca se há de falar, o que se
sente? / Sempre se há de sentir, o que
se fala? ... Se souberas falar, também falaras, / Também
satirizaras, se souberas, / E se foras Poeta, poetizaras. / A ignorância dos
homens destas eras / Sisudos faz ser uns, outros prudentes, / Que a mudez
canoniza bestas feras. / Há bons, por não poder ser insolentes, / Outros há comedidos
de medrosos, / Não mordem outros não, por não ter dentes. / Quantos há que os
telhados têm vidrosos, / E deixam de atirar sua pedrada / De sua mesma telha
receosos. / Uma só natureza nos foi dada: / Não criou Deus os naturais
diversos, / Um só Adão formou, e esse de nada. / Todos somos ruins, todos
perversos, / Só nos distingue o vício, e a virtude, / De que uns são comensais
outros adversos. / Quem maior a tiver, do que eu ter pude, / Esse só me
censure, esse me note, / calem-se os mais, chitom, e haja saúde.”
Longe de nós
tamanho cinismo! Mas que o olho crítico da boca do inferno está aí está mesmo.
Então, o que fazer? Haverá uma maneira de superar a
nossa natureza decaída e alcançar os altos para os quais fomos alcançados pela
graça de Deus? Certamente, sim. A própria graça que nos alcançou—Jesus Cristo—é
o caminho, a verdade, e a vida (cf. Jo 14.6) a nos despojar de nossa autoimagem
artifical e nos transpostar para o conhecimento verdadeiro de quem é Deus e
quem somos nós. O apóstolo Paulo fala sobre essa esperança tanto em termos
presentes como em termos futuros:
Porque Deus, que disse: Das trevas
resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação
do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo. Temos, porém, este tesouro
em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós; e Porque, agora, vemos como em
espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte;
então, conhecerei como também sou conhecido (2Co 4.6-7; 1Co 13.12).
Entre o agora e o então, Tiago nos admoesta
a cuidar da boca, impedindo a língua de dar vazão à sua natureza decaída, com
ela pretendendo bendizer a Deus enquanto amaldiçoamos o homem. De uma só boca procede bênção e maldição.
Meus irmãos, não é conveniente que estas coisas sejam assim (Tg 3.10). Isso
mesmo também ocorre quando falamos sobre a graça de Deus a pessoas que já são
salvas ao mesmo tempo em que as sobrecarregamos com culpa e medo. Ao
impenitente fica bem a exposição do seu pecado; ao arrependido, cobre-lhe o
sangue do Senhor Jesus e as admoetações da graça. Por isso mesmo, Tiago insta,
dizendo que não adianta mostrar-se furioso apenas contra o pecado dos outros, Porque a ira do homem não produz a justiça
de Deus. A chave para a coerência de vida baseada na justificação em
Cristo, diz ele, está no despojamento da impureza e do acúmulo de maldade,
acolhendo
com mansidão, a palavra em vós implantada,
a qual é poderosa para salvar a vossa alma. Tornai-vos, pois, praticantes da
palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Porque, se alguém é
ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que contempla, num
espelho, o seu rosto natural; pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para
logo se esquece de como era a sua aparência. Mas aquele que considera,
atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo
ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que
realizar (Tg 1.19-25).
Em tudo o que realizar? Prosperidade
evangelicalista? Prosperidade que o ladrão rouba, a traça corroe, e o olho
arguto do acusador percebe e critica? Ou a realização da vontade de Deus, cheia
de amor, plena de misericórdia? Quem nos fornece o ensino, com humildade,
sinceridade, e sabedoria, é o rei Davi, o escolhido que rogou a Deus que lhe
sondasse o coração, o homem que confessou seu pecado, e o crente que confiou no
Redentor:
A lei do Senhor é perfeita e restaura a
alma; o testemunho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos símplices. Os preceitos
do Senhor são retos e alegram o coração; o mandamento do Senhor é puro e
ilumina os olhos. O temor do Senhor é límpido e permanece para sempre; os
juízos do Senhor são verdadeiros e todos igualmente, justos. São mais
desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do
que o mel e o destilar dos favos. Além disso, por eles se admoesta o teu servo;
em os guardar, há grande recompensa. Quem há que possa discernir as próprias
faltas? Absolve-me das que me são ocultas. Também da soberba guarda o teu
servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre de
grande transgressão. As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração
sejam agradáveis na tua presença, Senhor, rocha minha e redentor meu! (Sl 19.7-14.)
Wadislau Martins Gomes
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