Caráter, no Aurélio,
inclui o conjunto de qualidades de um indivíduo (boas ou más) que determinam sua
conduta e concepção moral, firmeza e coerência de atitudes, domínio de si. Já
as pessoas de língua inglesa, além dessas qualidades de conduta e concepção,
vêem o caráter de forma mais lassa – a personagem de uma história ou peça
teatral é sua character; e sobre
alguém de índole ou atitude jocosa fala-se “He’s quite a character” – com
sentido totalmente diferente de “He is a person of character and integrity”.
Estive pensando no que forma o
caráter de uma pessoa e como as personagens
de meus contos, por exemplo, precisam ser construídos para ser não apenas verossímeis, mas também verdadeiros.
Quando o cristão escreve, é necessário que construa um pensamento que revele
algo verdadeiro – mesmo quando escrevendo ficção – e ilumine e norteie a vida
do leitor, comunicando graça e verdade. Pelo menos, é isso que idealizo ao
pensar nas pessoas e personalidades que invento – para que
edifiquem as pessoas verdadeiras que lêem, a fim de que a Jesus seja, em
primeira e última instância, a Pessoa glorificada. Parece complicado – e é! Na
verdade, muitas vezes, nós aprendizes de escritor não chegamos a entender nossa
própria pessoa, quanto menos compreender o que seja um caráter coerente de fala
(ou escrita) e vida.
O único jeito de começar a entender
isso é “compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e
a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo
entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus” (Ef
3.18). O que essa profunda verdade teológica tem a ver com uma verdade da
comunicação escrita? Cremos em um Deus que é Verbo e Vida (Jo 1.1,4) e não dá
para separar o que comunicamos daquilo que vivemos; assim como não podemos
separar o Verbo de Deus, Jesus, da Vida que está nele. A comunicação de palavra
e de procedimento em Jesus é multifacetada – inclui largura, altura,
profundidade e todos os demais aspectos, excedendo todo o entendimento, para que sejamos tomados de toda a plenitude de Deus! Não pode ser
apenas uma parcela do pensamento – é toda a vida para a vida toda!
Ao mesmo tempo em que esse ideal apresenta múltiplas complexidades, é
também simples como pão e água – como as metáforas mais simples que Jesus usou
para comunicar às pessoas simples de vidas complicadas pelo pecado: “Eu sou o pão da vida” (Jo 6.35) e “tu lhe pedirias, e ele te daria água viva” (Jo
4.10).
O compilador de Provérbios engloba em
sua introdução os diversos aspectos da sabedoria e da comunicação inteligente:
Para
aprender a sabedoria e o ensino; para entender as palavras de inteligência; para
obter o ensino do bom proceder, a justiça, o juízo e a eqüidade; para dar aos
simples prudência e aos jovens, conhecimento e bom siso. Ouça o sábio e cresça
em prudência; e o instruído adquira habilidade para entender provérbios e
parábolas, as palavras e enigmas dos sábios. O temor do Senhor é o princípio do
saber, mas os loucos desprezam a sabedoria e o ensino. Filho meu, ouve o ensino
de teu pai e não deixes a instrução de tua mãe. Porque serão diadema de graça
para a tua cabeça e colares, para o teu pescoço (Pv 1.2-9).
Parece-me esta uma descrição dinâmica de como o caráter é formado e
firmado! O mesmo Koheleth, o pregador e sábio Salomão, descreveu a busca por
palavras que exprimam caráter, concluindo que “debaixo do sol – quando visamos
apenas o que é terreno – a produção intelectual é enfado da carne”. Mas quando
as palavras e os pensamentos são conforme a Pessoa que inventou comunicação e
comunhão, elas valem e transformam.
Procurou
o Pregador achar palavras agradáveis e escrever com retidão palavras de
verdade. As palavras dos sábios são como aguilhões, e como pregos bem fixados
as sentenças coligidas, dadas pelo único Pastor. Demais, filho meu, atenta: não
há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne. De tudo o que
se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto
é o dever de todo homem. Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até
as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más (Ec 12.10-14).
O próprio Salomão foi uma pessoa
e uma personagem de múltiplas
camadas, que conheceu a sabedoria mais que outro qualquer da história humana,
teve inteligência e resultados ilimitados de suas atividades intelectuais – no
entanto, faltou-lhe caráter na hora
de aplicar à vida conjugal e, enfim, à vida comum em seus mais diversos
aspectos.
As palavras dos sábios são aguilhões, são lanças – jogadas para um
objetivo que está mais longe do escritor – assim também desejamos alcançar além
de nós mesmos e de nosso círculo restrito de conhecidos. Porém, são também pregos bem firmados – fincam fundo, unem
e coadunem “as sentenças coligidas dadas pelo único Pastor”. Em essência, quem
nos faz escrever é Deus, que apascenta-nos e dá-nos música e movimento. Não
somos inspirados da mesma forma que a inspiração da Escritura – que é toda e única (2Tm 3.16). Porém, o que nos move a escrever, a comunicar – é
o Criador de toda criatividade!
Não é fácil escrever – exige planejamento, elaboração e buriladas
constantes. Mas também não é difícil a comunicação – exige a simplicidade da
graça, verdade, sintonia com o Autor da vida e consumador da fé.
Elizabeth Gomes
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