segunda-feira, junho 13, 2011

GOLPE, REVOLUÇÕES, FERIDAS E PAZ


NOTA: Quando junto com papai preparava este texto dele para publicação no coramdeocomentário, decidi que não poderia deixar de usar da prerrogativa de uma breve introdução editorial. O texto me trouxe lágrimas aos olhos... É meu pai, falando de meu pai e de uma história da qual ele não gosta muito de falar.  Não é meu pai falando apenas das coisas que Rev. Wadislau fala – coisas como Bíblia, teologia, igreja, a igreja no mundo e coisas do coração...  Esse é ele falando de dor, não só a dor já no passado, mas a dor de cicatrizes que ainda marcam seu corpo e seu coração.  Marcam também o meu, pois vivi parte desta história, ainda que nascido depois que a graça já havia alcançado o Lau, no acampamento Palavra da Vida, em 1964. 

Papai não diria isto, pois faz questão que esse texto não contenha suas reivindicações pessoais, mas eu gostaria de ver os documentos referentes à sua prisão, à tortura, os arquivos do DOPS e o escambau.  Oro por aqueles que denunciaram, prenderam e torturaram meu pai – até mesmo os verdugos do pau-de-arara... Oro também pelos seus antigos companheiros de luta – até mesmo os traíras que o deixaram para trás... Aprendi que posso orar por eles porque vi a graça de Deus que fez de meu pai o companheiro meigo e bondoso que hoje tenho na casa ao lado, na igreja e no coração.  Hoje, oro junto com ele pelo Brasil, na esperança de que o testemunho de nossos irmãos em Cristo ainda faça dele uma nação mais cheia daquela maravilhosa graça comum que Deus derrama sobre justos e injustos.

Davi Charles Gomes
Filho, irmão e amigo

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"Tratai todos com honra, amai os irmãos, temei a Deus, honrai o rei." reza o princípio maior sobre minha vida (1Pe 2.17). Por isso, Senador Sarney, temo a Deus e trato-o, aqui, com honra de presidente. No entanto, por amor aos meus irmãos pela adoção no sangue de Cristo e aos do sangue brasileiro, não posso concordar com feridas mal tratadas. Certamente, uma das causas de vivermos tanta miséria e violência, e de experimentarmos frustração na aplicação de medidas corretivas, vem de um tipo cultural de politicagem e revisão histórica em que a impunidade é quase um hino nacional. A mesma lei maior, falando dessas causas e consequências, diz também: "Desde a planta do pé até à cabeça não há nele coisa sã, senão feridas, contusões e chagas inflamadas, umas e outras não espremidas, nem atadas, nem amolecidas com óleo" (Is. 1.6).

Não sou de "esquerda", "direita" ou "centro", nem "pós" ou "neo" coisa nenhuma; muito menos, "neutro" ou "amorfo". Hoje, com 66 anos, mantenho uma cosmovisão cristã que me permite transparência e modéstia na guarda do meu coração. Nem sempre foi assim. Quando menino, entre dezoito e dezenove, minha polivisão era uma gangorra em parque de diversões. Livros da estante de meu pai mostravam-me um mundo constitucional, enquanto um homem de leis e alguns amigos preocupados me apresentavam livros de um mundo em revolução. Optei pela mocidade. O discurso de defesa de Fidel tomou o lugar da minha Bíblia. Não é preciso dizer, aqui, que a revolta já havia comprado meu coração a preço absurdo de inflado.

Foi no dia 1º de Abril de 64 que a mentira me pegou. Garoto, civil posto para ser poema de Bilac no Tiro de Guerra, fui arrancado de o lado de meus pais, da fortaleza protetora de minha casa. Cães e homens de farda verde e de farda preta violentaram meu mundo como quem dita a vida! A cela da cadeia substituiu minha sala de aula. Seis presos condenados por crimes de outra ordem ensinaram-me o que significava ser "preso político". Deixando de lado tapas e chutes regados com saliva e sanha, aprendi que "quantas" e "contras", ambos os lados viviam revoluções. Graças a Deus, um preso com uma Bíblia e um diretor de presídio com uma pistola vieram em meu socorro contra agentes sem nome, sem documento e sem esperança.

A mesma graça de Deus que abriu meus olhos brasileiros como abriu o Mar Vermelho para os hebreus, e que usou o preso crente e o delegado consciente, fez-me também conhecer a paz de Cristo paz com Deus e com os homens de boa vontade. Mudei. Passei a viver e a falar da esperança de um novo mundo sem revolta. Certamente, não porque temi a homens, mas por temor a Deus. Foi uma transformação sofrida, mais do que a de menino sendo aterrorizado com requintes de programa de TV moderno, instado a entregar qualquer um para que repetissem o delírio. A transformação de Cristo foi mais sofrida que as das revoluções sociais e violências individuais; teve traição, teve sangue, teve dor de ver o vergaste da mentira nas costas da realidade. Mas teve paz. Paz de ferida lavada, pensada, curada. As cicatrizes são provas de que sobrevivi.

Sete anos depois, já havia estudado a Palavra de Deus e coisas pertinentes à tarefa de ministro do Evangelho e cumpria meus deveres pastorais. Foi quando vi a igreja que visitava como pregador ser invadida por uma turba igual a que vira, antes, em casa. Fugi. Deixei mulher e filhos, a fim de buscar ajuda da sensatez. Entreguei-me a autoridade inteligente e manejei me safar de mais feridas brasileiras.

Aí, então, Senador com honra presidencial, é que eu pergunto. As feridas vão ficar aí? Mal lavadas? Purulentas? E olhe que não é só torturador que se pela de medo. Tem muita gente "boa" hoje, torturada, que se mela de medo que descubram a quem foi que entregou. Mas não tem nada não. Conto mais uma. Estava em um acampamento de jovens cristãos, e disse-lhes como o Senhor Jesus havia me tirado de propostas de lutas de poder inglórias, para os sofrimentos e glórias de sua luta. Logo depois, fui procurado por um senhor, uns quinze anos mais velho do que eu, que me mostrou uma fotografia. Custei a reconhecê-lo, tão mais novo no retrato. Mas quando vi em seus olhos a tristeza do passado e a esperança da alegria do presente no futuro de Cristo, eu soube o que fazer. Estreitei a mão do meu torturador e, juntos, limpamos a ferida.

Vamos lá, Senador Presidente! Cristo pode mudar sua visão sobre feridas e curas!







Wadislau Martins Gomes

6 comentários:

Anônimo disse...

Rev., quando ouvi parte da sua história narrada pelo seu filho e meu professor no CTM de 2009, emocionei-me e ainda mais o admirei; sou filho da geração seguinte, filho da mesma ideologia, filho da mesma graça; mesmo que o governo não publique, por favor, publique o senhor; precisamos da denúncia profética biográfica; somos mais gente, somos consolados quando conhecemos a história real da graça santificadora de biografias, como a sua.
Rev. Raimundo e Veridiana Montenegro

João Inácio disse...

Ainda não li e já gostei. Vou ler e depois volto para escrever mais.
João Inácio

João Inácio disse...

Deus me deu o grande privilégio de logo no início da conversão, irônicamente em 01 de abril de 1984, ter conhecido o Lau e a Beth e por eles ter sido discipulado. Certamente não sou o melhor exemplo de discípulo, mas provavelmente seja o mais incansável em reconhecer as marcas do nosso Senhor na vida desses irmãos que sabem amar, com lábios que constroem a verdade. Com o Lau vi e aprendi a necessidade de que a vida autorize e legitime os pensamentos e ações. Não digo que o Sarney não vá mudar, pois limitaria o poder de Deus. Mas peço ao Senhor que o Lau não mude nunca, mesmo com dores de feridas tão profundas e que insistem em querer calar o amor.

Presbyterian Mission International disse...

Obrigado, Davi, por ter posto este testemunio do seu pai. Tinha uma muita vaga ideia que uma coisa dessas tinha acontecido, mas não sabia nada de pormenores. Dou graças a Deus pelo poder do Espiríto, pois foi Ele que sarou as feridas e indicou o novo caminho para o seu pai, e naturalmente, quem tinha em vista gerações futuras a serem alcançadas desta Graça maravilhosa. Tom

Rev. João d'Eça disse...

Não sei, às vezes fico meio confuso. Nascí em 67 e vivi esses anos ainda criança. No fim de tudo em 85, eu tinha 18 anos e ainda era um garoto cheio de dúvidas. Optei por ser anti-socialista e cheguei à conclusão de que o regime foi um mal necessário, para impedir o Comunismo em terras tupiniquins, em que pese todos os excessos condenáveis.

Hoje me pergunto se valeu à pena, afinal, estamos sob um regime esquerdista e corrupto que se não impedirmos, irá implantar um regime duro, pois já deu provas disso tentando impor leis que visam facilitar as suas ações.

Não posso ser à favor de torturas de nenhuma espécie e sou à favor de que se abram os registros, para sabermos quem foram os torturadores dos dois lados e os delatores, que hoje posam de "bons moços" e não querem que os arquivos sejam abertos.

Rev. João d'Eça

Lilian Nely M G Campos disse...

Lau, meu irmão, escrevi todo este quadro ,emocionada como estou, não escrevi nada que não pudesse ser escrito. Mas, antes de terminar sumiu tudo e agora não vou conseguir dizer o que disse. Ainda falaremos sobre isso. Queria que você pudesse sentir toda minha emoção e a "muito grande alegria" pelo que você é, pelo que você faz e por TODA sua família que serve diretamente o nosso GRANDE e ÚNICO DEUS, Soberano Senhor de tudo e de todos. Deus continue abençoando vocês. Beijos.