Da varanda de casa, os montes da Serra do Mar, em Sabaúna... |
— Salmo
121 —
Num desses dias de inverno, eu derramava a minha alma na presença
do Senhor — são dias de isolamento dado a atual crise da saúde, e de terrorismo
mediático social político-econômico entrincheirados nas armadilhas de uma
pandemia engendrada. Lia a Bíblia, como de costume, com ações de graças e
petições por mim, pela família imediata e estendida, tanto da carne quanto da
fé. Pedia que, se fosse o seu querer, o Pai poupasse o mundo, principalmente o
corpo de Cristo, dos males do atual corona vírus e de suas consequências
oportunistas, e que abençoasse a igreja a bem do testemunho de nossa fé.
Em nada sou diferente de todos da
minha humanidade, sendo igualmente fraco e necessitado em tudo e de muitas
coisas. Há, contudo, uma enorme diferença, a qual não procede de mim: Deus
concedeu-me o seu conhecimento e regenerou-me por sua Palavra para a viva
esperança de refletir a sua glória e
usufruí-lo para sempre. Enquanto aguardo que essas coisas sejam completadas, eu
as experimento no culto individual e no culto da congregação, com cujos membro
compartilho os atos e sentimentos da fé, os mesmos percalços e aflições, as
mesmas fraquezas e os mesmas forças advindas da vitória do Senhor. A cada dia,
preciso do alimento da Palavra de Deus.
UM SALMO PARA O CAMINHO
Foi assim que tive sobremaneira fortalecidos os afetos do coração,
ao considerar o Salmo 121 à luz de outros textos lidos no culto individual. Esse Salmo é tido como um hino processional
e tenho para mim que seja uma introdução ao culto público solene, como uma
invocação do Pacto divino, e, no caso, um motivo para a minha adoração a sós. É um salmo sobre o clamor existencial da
alma e o encontro da consolação
no Criador de toda a existência.
Um pouco de leitura, um tanto de confissão e de louvor, um pedido
de esclarecimento ao Autor invisível, mais um pouco do texto, um tanto de consulta
ao coração, outro tanto de intercessão, e apanhei-me olhando para fora de varanda
de casa. Do vale de O Refúgio, o sítio em que moramos, os montes da Serra do
Mar, em Sabaúna, paralelos aos da Serra do Itapeti, formavam um quadro quase
perfeito para entreter algumas perspectivas das primeiras palavras do Salmo:
“Elevo os meus olhos para os montes…”
Poderá ser que o salmista evocasse somente os altos das idolatrias,
mas eu acolho a expansão da figura para incluir os demais ambientes da
experiência do povo de Deus. Havia ainda os montes das alianças, Sião e Sinai, e outros pontos referenciais da Bíblia. Até esses, se vistos à parte do Pacto figurado, poderiam igualmente provocar falsas esperanças e
gerar escravidão em vez da liberdade em Cristo (cf. Gl 4.21-31; 2.4; 5.1). (Lembro-me
de que, em visita às terras da promessa bíblica, vi muitas pessoas a pedirem um
novo batismo, como se as águas do Jordão tivessem um poder maior do que a do
Filho de Deus e do Homem, batizado por João.)
Tais considerações levaram-me a manter um olhar voltado para a
situação corrente e outro para interpretação da promessa, sem descuidar do realismo
cruel do século e zeloso da graciosa esperança eterna. A vida do ser humano será
sempre um culto de adoração quer do Criador quer da criatura, dependente do que
advirá louvor ou ira, gratidão ou medo. Assim, prossegui a meditação em humilde
adoração.
Em outra pausa da leitura, como as que ressaltam as notas das
composições melódicas, fui comovido pelas expressões do texto, e deixei que a
mente usufruísse o enlevo. Assegurava-me a Palavra do Senhor de que o Espírito
que a inspirou também orientaria os meus olhos, guardaria os pés, o sono ou a
vigília, sob sol ou lua, do início ao fim, em todo o tempo.
UM SALMO PARA OS ALTOS E BAIXOS DA VIDA
O que eu via, no entanto, eram os vales das minhas próprias
injustiças e os montes das injustiças cometidas contra mim, contra nós, e por
outros contra os outros. Eu queria abrir o coração, confessar minha
insuficiência, declinar o meu temor e minha ira diante do ódio ideológico
professado e praticado num mundo sem Deus, sem fé, sem amor e sem esperança. Governos
e povos ímpios se levantam na cidade contra Deus e os seus escolhidos e sequer
percebem que a existência lhes escorre como areia entre os dedos. Sentia-me
impotente e, assim, com o devido respeito e humilhação, repeti a pergunta do
salmista: “de onde me virá o socorro?” De onde obter esperança num mundo que
trocou a verdade pela mentira, o amor pela maldade, e em que um novo normal
prenuncia tempos difíceis de injustiça e de perseguição?
Ah! Pequeno que sou, sequer me firmo no louvor a Deus pelo lugar
que ele me deu. Sei que tanto o lugar onde nasci — Pátria amada, não adorada,
mas grata terra de minhas moradas e para o nosso serviço da fé — quanto o
pedaço de chão de O Refúgio foram resposta às orações da mocidade. Ingrato,
como os que não têm esperança, os pés coxeiam entre maledicências e
preferências quanto coisas dos montes da cidade, como diz: “mostram a norma da
lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus
pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se, no dia em que Deus, por
meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu
evangelho” (Rm 2.15, 15).
Certamente, tudo em minha vida vem do Senhor que me chamou e
enviou. Ele “fez os céus e a terra”, fez-nos e ao momento presente para “o
louvor da glória de sua graça que ele nos concedeu gratuitamente no Amado” (cf.
Ef 1.6). Dele vem o socorro; aliás, dele veio o nosso socorro, Jesus Cristo, o
amado do Pai e nosso. Ainda que nos vales de trevas (cf. Sl 23), ele guarda os
nossos pés para que não vacilem; ele não dormita nem dorme e faz-nos repousar
na paz de sua justificação; cuida dos nossos dias, preservando a nossa alma! Ele
guarda a nossa saída e entrada, pois a promessa é que o que começou a boa obra
em nós há de completá-la até o Dia de Cristo Jesus (cf. Fp 1.6).
Ah! A pequenez da minha
alma! A esta altura da vida já era para eu ter alcançado lugares mais altos! Já
devia confiar mais nas coisas dos altos céus! Rodeado, porém, de
tantos montes de incredulidade, tenho sustos e temores, desconfianças
pecaminosas as quais ofendem ao Senhor e a minha própria alma! Às vezes, as
minhas orações empalidecem e saem murmuradas, roucas: de onde virá o meu
socorro, hoje e no último dia? Onde uma certeza de fé? Quem guiará a saída das
minhas peregrinações e a minha entrada na volta para casa?
UM SALMO DE LOUVOR E CONFIANÇA NO CRIADOR E REDENTOR
Ah! Mesmo conhecendo as promessas e tendo experimentado inúmeras
vezes as suas concretizações, o meu coração ainda se apequena, e eu tenho de clamar:
“Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!” (Mt 9.24). E quando, então, eu me pergunto:
quem sou eu para que me visites? — sentindo-me apenas um menino no meio de uma
geração incrédula, mesmo que quase velho na idade, a olhar os montes da cidade
— o Espírito do Pai e do Filho volve os meu olhos, os pés e a alma para a
entrada e a saída, o Alfa e Ômega.
O Espírito, assim, alça os meus olhos para além dos montes — não apenas
para os montes deste século nem somente para os montes que testemunharam a história
da fé, mas para a significância dos atos da graça de Deus, para o significante Cristo
Jesus em quem repousa a nossa fé. Não para meus medos nem minhas impossibilidades,
mas para o Senhor Jesus, cujo amor expulsa o medo e cujo poder dá finalidade e
propósito à minha vida. Foi dele que “alguém, em certo lugar, deu pleno
testemunho, dizendo: Que é o homem, que dele te lembres? Ou o filho do homem,
que o visites?” E sobre ele é a resposta: “Fizeste-o, por um pouco, menor que
os anjos, de glória e de honra o coroaste [e o constituíste sobre as obras das
tuas mãos]. O escritor de Hebreus prossegue, dizendo que o Senhor Jesus, por
quem e para quem todas as coisas existem, deveria conduzir muitos filhos à
glória, aperfeiçoando-os por meio de seus próprios sofrimentos; far-se-ia Autor
de sua salvação, irmanando-se e irmanando-os na família de Deus. E do modo como
ele não se envergonha de nos chamar irmãos, assim não nos envergonhamos de seu
evangelho, o qual é o seu poder para a salvação revelada de fé em fé (cf. Hb
2.6-12 e Rm 1.16 e 17). Nessa linha, o escritor de Hebreus continua a citar o
salmista: “A meus irmãos declararei o teu nome; cantar-te-ei louvores no meio
da congregação; vós que temeis o Senhor, louvai-o; glorificai-o (Sl 22. 22, 23).
Enquanto deste lado da eternidade, portanto, no meu vale ou na
cidade, os seus louvores me acompanham e me asseguram. Bendito o Espírito da
Palavra que me assegura de que, a despeito de todos os males e ameaças desta
hora, tudo está sob o controle do Filho Criador. Todas as coisas estão sujeitas
ao Filho criador, e nada foi deixado fora do seu domínio. Se, porventura, um
olhar para “os montes” da cidade, faz parecer distante o socorro do Senhor, e
eu sinto desmaiar a minha fé, sem demora vem-me o seu auxílio. O Espírito
aponta para o Autor da nossa fé:
Agora, porém, ainda não vemos todas as coisas a ele sujeitas; vemos, todavia, aquele que, por um pouco, tendo sido feito menor que os anjos, Jesus, por causa do sofrimento da morte, foi coroado de glória e de honra, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todo homem” (Hb 2.9-10).
E ainda:
Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna (Hb 4.14-16).
Bendito seja o Senhor que dia a dia aperfeiçoa a nossa vida na
santificação do Espírito e cuja graça é suficiente para conceder-nos o poder
transformador. Ele vem em nosso socorro a partir de montes mais altos e mais
profundos, como o Gólgota e o Olival de intensas dores e de júbilo — de morte,
ressurreição e ascensão — e assiste-nos na fraqueza, concedendo-me o seu poder.
Acima dos montes de nossa falta de fé, muito além dos montes da vizinhança e da
vida toda, o Senhor Jesus abre os olhos de nossa alma para que vejamos as
promessas de satisfação de justiça do evangelho. Satisfação da justiça do Pai
mediante o sangue de sua cruz para remissão dos escolhidos; e satisfação da
justiça de Deus em relação à impiedade dos que existem somente para a carne e
para os desgovernos da própria natureza decaída (cf. 2Pd 2.9).
Louvado seja!
Wadislau Martins Gomes
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