quinta-feira, maio 21, 2020

NEM TUDO O QUE RELUZ É OURO

Pirita ou ouro de tolo

Nesses últimos dias, tive umas “sessões de bate papo” com os netos, Daniel e Rafael, sobre as dificuldades da igreja para discernir ensinos abalizados e conceitos inadequados. Por isso, quando os olhos bateram numa chamada na mídia social, eu sabia que não se tratava de coincidência. Tratava-se de uma matéria como tantas outras na enxurrada de visões que atraem os menos avisados — os quais, dado o tempo decorrido e a altura pretendida, já deveriam ser mais sábios (cf. Hb 5). A tal chamada era para uma apresentação pseudocientífica misturada a uma doutrina bíblica, numa amálgama não somente inconveniente, mas equivocada.

Segundo a orientação bíblica, em Provérbios, os discernimentos da pessoa sábia evitam as armadilhas da ignorância, da estultícia e da loucura. Deixe-me situar de onde venho e para onde vou, e o que carrego comigo. O Presbítero Dr. Vern S. Poythress — de quem tive a honra atender a algumas aulas — frequentemente levanta a questão: “É, a ciência, um guia adequado para a interpretação bíblica?” A resposta a essa pergunta retórica é a de que a ciência acaba sendo um método não objetivamente puro nem neutro (p.e., Ciência e Hermenêutica, 1988). O que ele quer dizer é que a ciência não é uma pedra de toque isenta de ser afetada por “compromissos, presunções e filosofias”.

Noutras palavras, o conhecimento do cristão verdadeiro é orientado por fé e é artigo de crença cujas doutrinas deveriam orientar toda e qualquer observação da realidade criada. Por sua vez, a ciência, quando tomada como ditadora do pensamento, perde o caráter de método de pesquisa e de conhecimento, para tornar-se instrumento de ataque ou defesa de própria consciência (cf. Rm 12.15; 7.14-25). Note que a Bíblia é a revelação escrita de Deus para os homens e, como tal, presta-se a julgar os motivos do coração a fim de proporcionar sabedoria espiritual no discernimento do certo e do errado, tanto na consideração da natureza humana interna quanto da observação da natureza externa. O contrário, isto é, quando aceita sem discernimento, totalmente objetiva e neutra, a ciência não é adequada como guia para a interpretação bíblica.

Certamente, não sou obscurantista. Aprecio o fato de que, por sua graça comum, Deus concedeu vislumbres de conhecimento natural a crentes e incrédulos, cujos gênios são evidentes, e isso a fim de nos abençoar. Creio, contudo, que mesmo esse tipo natural de sabedoria não foge à condenação da Queda. Até mesmo a pessoa de gênio e brilho, se não for regenerada, acabará distorcendo e conspurcando o conhecimento. O próprio crente regenerado terá de cuidar que seu conhecimento seja sempre conferido com a Bíblia, e que seu coração seja por ela examinado segundo a sabedoria do Espírito do Senhor. (Cf. 1Ts 5.21; 1Co 2.13; 2Co 13.5.) Existe uma falsa ciência cujo método é cultuado em diversas vertentes, dentro e fora do cristianismo nominal. Existe outro método científico que todo crente tem de abraçar. Esse consiste em examinar todas as coisas à luz das proposições da Escritura, em conferir coisas espirituais com espirituais, e em experimentá-las sob condições controladas até onde for possível, atentando ao estudo que homens de Deus fizeram ao longo do tempo e agora.

Onde quero chegar? A Escritura é clara: Ninguém se engane a si mesmo: se alguém dentre vós se tem por sábio neste século, faça-se estulto [para este século] para se tornar sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus; porquanto está escrito: Ele apanha os sábios na própria astúcia deles. E outra vez: O Senhor conhece os pensamentos dos sábios, que são pensamentos vãos (1Co 3.18-20). É isso: procure a verdadeira luz que vem de cima, Cristo, e não qualquer fogo de artifício, pois, nesse caso, é verdadeiro o ditado — nem tudo que reluz é ouro…

Uma boa hermenêutica — método científico corretamente aplicado ao conhecimento da Palavra de Deus e, à luz dela, adequado à observação do mundo — cumpre seu mister quando esclarece o conhecimento. A tarefa, no entanto, não para aí, se quiser portar o bom nome de ciência. Terá, ainda, de ter aplicação geral em outras áreas do conhecimento (heurística), e terá de ser corretamente explanada (enunciado). Por exemplo: dizer que Jesus é Senhor e não viver em conformidade com isso, até a universal faz; dizer que Jesus é o Criador sem levar em conta que o mundo se encontra decaído, até o diabo faz; dizer que Jesus é o Redentor sem considerar a redenção do nosso pensamento, muitos na cristandade o fazem; e dizer que Jesus é o Senhor criador e redentor, sem que isso importe em sua soberania sobre toda a criação e sobre a sustentação de todas as coisas, isso implica em estultícia, ignorância e loucura. É correr atrás de vagalume achando que bamburrou.

Wadislau Martins Gomes

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